O ataque sem precedentes de Israel ao Irã colocou para trás 46 anos de animosidade temperada por cautela geopolítica, com o Estado judeu promovendo algo que estrategistas duvidavam ser capaz: atacar não só o coração do programa nuclear dos aiatolás, mas também degradar suas poderosas Forças Armadas.
Por evidente, se o plano dará certo ou escalará de forma incontrolável, é incerto no momento. Mas os lances de abertura do jogo de Tel Aviv mostram uma ação planejada há muito tempo, que esperou a conjunção de fatores políticos para ser realizada.
Apenas o trabalho clandestino das forças israelenses no Irã poderia fornecer informações tão precisas sobre onde estavam os integrantes da cúpula militar assassinados em Teerã. A ação ecoa a morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, na capital iraniana no ano passado.
Há rumores de que Israel cogitou fazer um ataque ao estilo do promovido por Kiev contra bases de bombardeiros estratégicos russos no domingo retrasado (1º), infiltrando drones para ataca as instalações militares iranianas.
Vídeos na imprensa israelense sugerem que houve ações do tipo, em escala não comprovada. Por ora, o país parece ter optado mais por ataques aéreos convencionais, com sua frota de caças F-35, F-15 e F-16 especializados nesse tipo de operação. Na primeira onda, foram atingidos cem alvos com 330 munições.
Além de focar no comando fardado, Israel atacou instalações do precioso programa nuclear de Teerã, a principal ficha de barganha com que o governo local joga para pressionar o Ocidente em negociações desde os anos 2010.
Como a debacle das conversas nos anos recentes, após os EUA deixarem o acordo que trocava fim de sanções por renúncia à bomba em 2018, a crise culminou na etapa atual. O Irã tem capacidade para produzir talvez seis ogivas rapidamente, e Israel, uma potência nuclear com 90 bombas, decidiu dizer não.
A ação implica riscos importantes. Em Natanz, sede do principal reator do programa, os danos causaram segundo a autoridade nuclear iraniana um vazamento contido de radiação, que não se espalhou pela região. Israel diz ter atingido os bunkers do local, enquanto o Irã fala em danos superficiais.
A pedido do Irã, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), que na quinta (12) havia dito que o Irã estava totalmente em violação de suas obrigações de transparência nuclear, irá fazer uma reunião de emergência para avaliar o caso na segunda (16). Neste momento, é impossível dizer se a ação foi bem-sucedida.
Também nesta madrugada de sexta (13) houve bombardeio a instalações de defesa aérea, ostensivamente para evitar danos à frota israelense —segundo o relato de Tel Aviv, não negado em Teerã, nenhum avião do Estado judeu foi perdido no ataque.
Já na segunda leva de bombardeios, ao longo da sexta, o foco foram bases aéreas e o sistema de mísseis terra-terra dos iranianos. Em 1º de outubro, quando atacou diretamente pela segunda vez na história os rivais, o Irã teve sucesso em atingir aeródromos israelenses saturando seu ataque com 200 mísseis balísticos.
Ao mirar essa infraestrutura, que abriga estimadas 2.000 armas, Israel tenta reduzir a capacidade retaliatória. Apesar do sistema em três camadas de defesa aérea do Estado judeu ser bem eficaz, ele não consegue conter um ataque maciço —e aí, basta o Irã mirar áreas residenciais em vez de bases isoladas para o estrago ser grande.
Politicamente, de quebra, a ação foi aplaudida até por países europeus que costumam espezinhar Tel Aviv pelas mortes civis na guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, já que o arsenal iraniano tem modelos capazes de atingir o continente.
A primeira reação de Teerã foi mais modesta, para marcar posição, com o lançamento de cerca de cem drones contra os adversários. Segundo as Forças de Defesa de Israel, nenhum chegou a seu espaço aéreo, sendo destruídos sobre o mar Vermelho por caças e navios de Tel Aviv.
Outra parte do enxame lançado foi abatida pela Jordânia, país árabe que fica entre o Irã e Israel. Nas duas ações do ano passado, o reino já havia feito isso, assim como forças americanas na região, demonstrando o isolamento potencial do Irã.
Em relação aos Estados Unidos, por ora não houve intervenção em favor de Israel. Mas monitores navais mostram o reposicionamento de destróieres na região. Há um grupo de porta-aviões junto à costa sul da Península Arábica, e concentração de bombardeiros e aviões de ataque em Diego Garcia, base americana no Índico.
Tudo isso pode ser mobilizado a qualquer momento, e ameaça semelhante ajudou a manter tensões controladas no passado. Mesmo a troca de ataques diretos do ano passado, que ocorreu duas vezes entre Irã e Israel, acabou obedecendo ao protocolo de evitar guerra aberta que regia a relação entre os inimigos desde 1979, quando o país persa virou uma teocracia islâmica.
Agora, o jogo é outro, restando saber qual caminho tomará. O maior perigo para Israel, além da eventual bomba atômica, é o prodigioso arsenal de mísseis do Irã.
Eles também ameaçam o trânsito do petróleo do golfo Pérsico, com impactos globais sobre o preço da commodity, então é possível que ainda haja novos lances contra a força balística dos iranianos.
Para complicar a vida iraniana, o ataque chegou antes de o acordo militar assinado em janeiro com a Rússia desse frutos mais polpudos —no caso, o fornecimento de caças e aviões de ataque modernos, além de novos sistemas antiáereos.