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Uma recessão nos Estados Unidos está próxima? – 27/09/2023 – Paul Krugman

E agora uma coisa totalmente diferente. Em vez do formato habitual, a coluna de hoje será uma conversa com meu colega Peter Coy sobre as perspectivas econômicas em curto prazo. Peter e eu estamos praticando uma espécie de diálogo implícito há meses, no sentido de que nossos respectivos textos vêm oferecendo visões opostas da situação econômica. Mas durante a última semana Peter e eu conversamos diretamente, e achamos que seria interessante para os outros ler nossas trocas.

Então aqui está a pergunta: Estamos nos aproximando de um pouso suave, de uma recessão ou de algo diferente nos Estados Unidos?

Peter Coy: Antes que eu responda à sua pergunta, deixe-me dizer que há uma grande diferença entre prever e querer. Eu não quero uma recessão. Dito isso, acho que provavelmente haverá uma, neste ano ou no próximo. Escrevi visões pessimistas em minha coluna no Times, incluindo um artigo em julho intitulado “Desculpe, mas ainda acho que uma recessão está vindo”.

Apresso-me a admitir que não sou um economista, nem interpreto um na TV. Paul, você é um prêmio Nobel consumado; eu nunca fui a Estocolmo. Mas, como afirmei em meu texto de julho, não estou pedindo que você aceite minha palavra sobre isto. Estou apenas fazendo meu papel de jornalista, apontando fatos. E um grande fato é que o Federal Reserve nunca aumentou tanto a taxa de juros, tão depressa, sem causar uma recessão.

A extremidade inferior da variação da meta da taxa de juros básica subiu de zero em março do ano passado para 5,25%. Ainda não sentimos os efeitos completos desse enorme aumento. Como os economistas gostam de dizer, a política monetária tem intervalos “longos e variáveis”. A extensão média de tempo entre o início de um ciclo de endurecimento do Fed e o início de uma recessão é de aproximadamente 22 meses. Isso situaria o início de uma recessão por volta de janeiro –embora, como eu disse, os intervalos sejam variáveis.

Paul Krugman: Concordo que há uma grande diferença entre prever uma recessão e desejar uma. Também há uma diferença relacionada entre acreditar que precisamos de uma recessão –mesmo que não a desejemos– e acreditar que teremos uma.

No início deste ano, muitos economistas –sendo o mais famoso Larry Summers, mas ele teve muitos companheiros– acreditavam que precisávamos de uma recessão para reduzir a inflação, como fizemos depois da inflação dos anos 1970. Até dezembro passado, as projeções econômicas do Fed diziam que a inflação baixaria, mas somente ao custo de um aumento sustentado do desemprego, para mais de 4,5%.

Neste ponto, porém, a tese para se acreditar que precisamos de uma recessão para conter a inflação está muito próxima de insustentável. Como escrevi na semana passada, o que vimos na verdade é a inflação caindo rapidamente sem um aumento significativo do desemprego; parece que a inflação foi transitória, afinal.

A questão agora é se teremos uma inflação de qualquer modo –basicamente, se o endurecimento do Fed produzirá uma recessão desnecessária. E o quadro aí é muito obscuro. A famosa frase de Milton Friedman sobre “intervalos longos e variáveis” recebeu muitos questionamentos ultimamente, com algumas sugestões de que os intervalos podem ter encurtado bastante. Se os intervalos forem longos, poderemos cair numa recessão; se não, não.

Francamente, não sei no que acredito aqui. Todo esse ciclo conduzido pela pandemia foi estranho, para usar o termo técnico. As analogias históricas não parecem tão úteis quanto geralmente são. A economia esteve incrivelmente resiliente até agora diante dos aumentos da taxa, mas não tenho ideia se isso vai continuar.

Coloque desta forma: se nossa história é que o endurecimento do Fed vai produzir uma recessão, esperaríamos que isso funcionasse principalmente através da habitação, o canal habitual. Na verdade, os aumentos do Fed levaram a um grande aumento das taxas de juros de hipotecas, que atingiram 7% quase um ano atrás e flutuaram desde então.

Mas o número de novas casas, depois de uma queda inicial, se manteve razoavelmente forte –no mesmo nível ou acima dos níveis pré-pandêmicos. Por isso, o processo habitual pelo qual os aumentos produzem uma recessão não parece estar atuando. Pode haver outras maneiras de uma recessão acontecer, mas, como eu disse, as correlações históricas podem não servir de guia.

Coy: Paul, você teve razão ao denunciar os que pensavam que precisávamos de uma recessão punitiva para contermos a inflação. Também concordo que a economia tem estado estranha ultimamente. O mercado de trabalho se manteve surpreendentemente bem, o que é maravilhoso. A habitação também vai bem.

Mas estão surgindo rachaduras. Muitos sinais de que uma recessão pode estar próxima. Começando pela habitação, já que você a citou: as altas taxas das hipotecas estão congelando as vendas de residências existentes. As pessoas não querem se mudar porque terão de trocar sua hipoteca barata por uma mais cara.

Por isso o mercado está ralo –não há muitas casas à venda, e os compradores não encontram o que querem. Também, basicamente ninguém hoje em dia pode refinanciar e conseguir uma taxa melhor, por isso é uma fonte potencial de dinheiro para os consumidores que está ausente. A Associação de Banqueiros Hipotecários disse em 20 de setembro que seu índice de pedidos de hipotecas, que inclui refinanciamentos, subiu na semana anterior, mas continuava no mesmo lugar que estava em 1997. Mal consigo me lembrar de 1997.

O mercado de trabalho também não está tão resiliente quanto parece à primeira vista. Muitos empregos que estão sendo criados são em tempo parcial. As horas médias semanais trabalhadas no setor privado caíram ligeiramente nos 12 meses até agosto. Se você examinar as horas agregadas trabalhadas por todo mundo, aumentaram somente 1,8% nesse período. Se o Fed estiver esperando que o mercado de trabalho se rompa antes que melhore, vai acabar esperando demais, porque então será tarde.

Também estou preocupado sobre como os bancos estão lidando com o aumento da taxa de juros. Houve algumas grandes falências este ano. Quando as taxas sobem muito, os bancos precisam começar a pagar mais pelos depósitos ou empréstimos. Mas o que eles ganham com seus empréstimos e os títulos que possuem não sobe tão rapidamente. Esse aperto não desapareceu. Agora repousa sobre o trabalho em casa, que está matando os imóveis comerciais. Segundo a pesquisa do Fed com oficiais seniores de empréstimos, os bancos estão endurecendo seus critérios para empréstimos comerciais e industriais ao máximo, fora as últimas três recessões.

Krugman: Eu realmente não discordo de preocupações de que podem estar surgindo rachaduras. Uma maneira de dizer isso é que a mesma coisa que levanta dúvidas sobre o dinheiro apertado causar uma recessão –as taxas de juros estão altas há muito tempo, e nada de recessão ainda– também significa que podemos estar vendo tensões se acumulando com o tempo.

Por outro lado, você poderia apontar coisas como os efeitos expansionistas das políticas industriais de Biden, que parecem destinadas a gastar muito mais do que se esperava inicialmente (porque muitas empresas estão investindo em energia verde).

A questão é que os economistas têm um histórico perfeito no que se refere a prever recessões. Eles nunca acertaram –não porque sejam burros, mas porque é muito difícil. Na verdade, é até difícil saber o que está acontecendo agora; vários rastreadores de PIB estão mostrando tudo, do crescimento tórrido ao declínio.

É por isso que me sinto muito mais confortável com uma análise sobre se precisamos de uma recessão (não precisamos) do que com a questão de saber se teremos uma de qualquer maneira. Infelizmente, os formuladores de políticas não podem deixar o mundo à espera enquanto fazem mais pesquisas. Acho que neste momento estou preocupado que o Fed possa ter exagerado, especialmente com um bloqueio do governo parecendo muito provável. (Na verdade, estou tendo dificuldade para entender como conseguiremos uma legislação sobre gastos, diante da loucura interna no Partido Republicano.)

Coy: Concordo que a política industrial de Biden está ajudando o crescimento, mas outros fatores fiscais o estão minando. Temos o vencimento do crédito fiscal ampliado por filhos e o fim da suspensão do pagamento do empréstimo estudantil. Estes dois estão pesando em uma economia que já é frágil. Se houver uma recessão, muitas pessoas que não a previram irão atribuí-la à paralisação do governo, presumindo que haja uma, ou à greve dos trabalhadores da indústria de automóveis, ou às manchas solares. Não sei. Mas sempre haverá fatores especiais, positivos e negativos. O grande acontecimento, repito, é o forte aumento da taxa de juros.

Já que temos espaço aqui, vou mencionar uma estranheza sobre taxas de juros e inflação. A maioria dos economistas, incluindo, creio eu, quase todos os do Federal Reserve, dirão sem reservas que taxas de juro mais altas reduzem a inflação ao esfriarem a atividade econômica. Mas, como escrevi num boletim no ano passado, o público não vê necessariamente dessa forma. Pesquisadores descobriram que 57% dos entrevistados pensavam que um aumento da taxa dos fundos federais causaria um aumento da inflação. Apenas 30% pensavam que isso provocaria a queda da inflação. Faz sentido. Quando o pagamento de juros sobe, parece inflação.

Então, aqui temos Jay Powell determinado a ancorar as expectativas de inflação na meta de 2% do Fed, mas quanto mais ele aumenta as taxas mais faz que muitas pessoas sintam que a inflação está subindo. Parece a velha piada: as surras continuarão até que o moral melhore. Estou curioso sobre o que você pensa sobre isso, Paul.

Krugman: Mais uma vez, o grande aumento das taxas de juro que importam para a economia ocorreu principalmente nos primeiros nove meses de 2022, porque os mercados estavam prevendo novos aumentos do Fed. Quanto do efeito negativo dessas altas ainda não foi sentido? Realmente não sei, mas muitos observadores acham que a maior parte do impacto já aconteceu. Eu diria que o tempo dirá, mas, como você diz, se tivermos uma recessão as pessoas citarão muitos fatores, e a discussão provavelmente continuará.

Sobre taxas de juros e expectativas: Quando falamos sobre inflação esperada, sempre pergunto de quem são as expectativas. Os traders do mercado de títulos ouvem as coletivas de imprensa do Fed, mas não definem os preços dos bens e serviços. Os consumidores também não. Não temos tantas fontes sobre as expectativas de negócios, mas pelo que vejo elas parecem ter baixado.

Mas penso que estamos nos aproximando do ponto em que o Fed deixa de estar muito preocupado com a inflação. Neste momento, parece que nos aproximaremos da meta de 2% em alguns meses. E se a economia parece estar atingindo um buraco, poderemos ver uma inversão das políticas.

Eu acrescentaria que não espero que o público admita que a inflação caiu durante algum tempo. Minha experiência é que, se você apontar para os números, receberá muitas mensagens de ódio –mas quando você pergunta às pessoas quanto de inflação elas esperam no futuro esse número também caiu bastante. O que quero dizer é que não acho que devamos levar tão a sério o que as pessoas dizem sobre as taxas de juros e inflação.

Coy: Você sabe o que me deixa realmente nervoso sobre uma recessão? Quando o Fed para de ficar nervoso sobre uma recessão. Porque então é mais provável que o Fed aumente a taxa de juros quando não deveria, ou não reduza a taxa de juros quando deveria. E isso torna a recessão ainda mais provável.

Com base na declaração de políticas e nas projeções econômicas da semana passada, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC na sigla em inglês) vê muito poucas possibilidades de recessão. A previsão de crescimento médio para este ano subiu para 2,1%, face à previsão de 1,0% em junho. A previsão para o próximo ano subiu para 1,5%, contra 1,1% em junho. Navegação liberada!

Se o FOMC tinha um histórico realmente excelente de previsões, seu otimismo pode ser animador. Mas o FOMC tem falhado repetidamente na identificação de pontos de inflexão na economia, sejam eles ascendentes ou descendentes. Receio que isso esteja acontecendo de novo.

Krugman: O otimismo do Fed também me deixa nervoso –sombras dos dias em que Ben Bernanke declarou que a crise dos subprime tinha sido “contida”. Mas embora o Fed (e todos os outros) seja muito ruim para identificar pontos de inflexão, também não creio que seja um indicador negativo confiável –que se possa prever com segurança uma recessão porque o Fed não a espera.

O que realmente surpreendeu nas últimas projeções do Fed foi o crescente otimismo sobre a possibilidade de um pouso suave. Se voltarmos às projeções de dezembro passado, as expectativas do Fed sobre a inflação futura não mudaram muito. Mas naquela altura esperava-se uma desinflação por meio de um aumento acentuado do desemprego, que agora desapareceu das projeções.

Outro dado: os números mais recentes sobre novos pedidos de seguro-desemprego, que às vezes funcionam como um sinal de alerta precoce para crises, são, segundo pessoas que conhecem o assunto, “fenomenais” –no ponto mais baixo desde janeiro. Portanto, não há sinal de que uma recessão esteja acontecendo ainda.

Coy: Poderíamos acabar tendo uma recessão na zona cinzenta, na qual a taxa de desemprego não aumenta muito. Na verdade, escrevi sobre essa possibilidade no mês passado. Esse seria um bom resultado –a produção econômica cai, mas os empregadores não demitem muitas pessoas, possivelmente porque sabem que será difícil recrutar pessoal quando a recessão terminar. Nós nos preocupamos que a IA deixe todos nós sem trabalho, mas por enquanto o problema é uma falta crônica e subjacente de trabalhadores, e não um excedente. Mas acho que isso é assunto para outra hora.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Fonte: Folha de São Paulo

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