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Ucrânia: Orquestra faz de Beethoven clamor por liberdade – 28/08/2023 – Mundo

Pouco depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, Leonard Bernstein viajou para a cidade alemã, antes dividida, e conduziu uma apresentação da “Ode à Alegria” de Beethoven, substituindo a palavra “Freude” (alegria) por “Freiheit” (liberdade).

Ecoando esse concerto histórico, a Orquestra da Liberdade Ucraniana, conjunto itinerante formado nos primeiros meses da invasão da Ucrânia pela Rússia, apresentou a Nona Sinfonia de Beethoven em Berlim na semana passada. E, para o famoso final coral da “Ode à Alegria”, o texto foi traduzido para o ucraniano, com a palavra-chave sendo “slava” (glória), como em “Slava Ukrainii” (glória à Ucrânia).

“Sou impulsionada pela minha paixão pela Ucrânia”, disse a regente da orquestra, Keri-Lynn Wilson, no jardim do Palácio de Schönhausen. “E meu desejo de me livrar de Putin e seu regime por meio da cultura.”

Ao seu redor, havia uma agitação de atividades: auxiliares colocando almofadas nas cadeiras, técnicos de som em suas cabines, guarda-sóis cor-de-rosa sendo instalados para proteger a orquestra do sol. O grupo é composto por 74 músicos ucranianos —alguns ainda vivem no país, outros fugiram— e se apresentou na Alemanha como parte de sua segunda turnê de verão pela Europa.

“A Rússia diz que não há cultura ucraniana, nem música, nem língua”, disse Anna Bura, violinista da orquestra. “Eles querem apagar a cultura ucraniana. Queremos mostrar às pessoas que estamos aqui.”

O programa incluiu o segundo concerto para violino do compositor ucraniano contemporâneo Ievhen Stankovitch e terminou com Beethoven. Enquanto estava de férias há três semanas, Wilson teve a ideia de que a “Ode à Alegria” deveria ser cantada em ucraniano e trabalhou com Mikola Lukas e a preparadora vocal Ivgeniia Iermatchkova para criar uma nova tradução cantada do texto de Friedrich Schiller.

A parada da orquestra em Berlim coincidiu com o Dia da Independência da Ucrânia —24 de agosto. Kirilo Markiv, violinista da Orquestra da Liberdade Ucraniana, ajudou a ensaiar o coro, o Coro da Liberdade Ucraniana, que foi montado para a ocasião a partir do Coro Diplomático de Berlim e de outros cantores. Ele atua como primeiro violinista na Filarmônica de Odessa e é mestre de coro na Catedral da Transfiguração, também em Odessa, que foi construída no início do século 19, reconstruída entre 1999 e 2003 e depois danificada no mês passado por ataques aéreos russos.

Na noite em que a catedral foi bombardeada, Markiv havia deixado seu violino lá em preparação para um concerto no dia seguinte. “Meus colegas me mandaram mensagens dizendo que o prédio estava pegando fogo”, contra o violinista. “Me vesti e fui com meu irmão, que é diácono lá, e vi carros destruídos, fogo. No prédio, procurei meu violino. Tudo estava destruído, mas meu violino estava cerca de 80% intacto.”

Agora, seu violino está sendo reparado por um luthier em Lviv. O ataque, segundo ele, fortaleceu sua determinação para a turnê. “Estou orgulhoso de termos vindo mostrar nossa arte. Os tempos são difíceis para nós. Somos fortes, e o povo europeu nos torna mais fortes.”

Peter Gelb, diretor-geral da Ópera Metropolitana de Nova York e marido de Wilson, ajudou a organizar e arrecadar dinheiro para esta turnê e para a do ano passado. “A intensidade da guerra aumentou as apostas este ano”, disse ele. “Esses músicos todos vivem lá ou têm famílias lá. A guerra torna tudo mais intenso: sua forma de tocar, seus relacionamentos uns com os outros. Tudo é amplificado.”

Muitos músicos têm usado sua arte para arrecadar dinheiro. O violoncelista Deis Karatchevtsev agora mora em Berlim, mas passou o primeiro ano da guerra em sua cidade natal, Kharkiv, local de combates violentos no início do conflito. Mais de 600 mil moradores fugiram da cidade à medida que os projéteis e foguetes russos destruíam casas e prédios públicos. Um vídeo que ele gravou da quinta suíte para violoncelo de Bach entre as ruínas chamou a atenção e arrecadou doações.

Mas a música, disse Karatchevtsev, era apenas uma parte de seus esforços. “Eu tinha meu carro”, acrescentou, “então estava ajudando a retirar pessoas e levando-as para os trens, transportando remédios e comida. Não sabíamos como a situação iria continuar.”

Os vídeos chamaram a atenção da Orquestra da Liberdade Ucraniana, que o convidou para participar este ano. “Acho que é uma boa maneira de continuar ajudando nosso país”, diz o violoncelista. Agora, Karatchevtsev está estudando em Berlim enquanto continua a ensinar alunos em Kharkiv pela internet. Ainda é muito perigoso ter aulas presenciais. “A cidade russa mais próxima fica a cerca de 50 quilômetros de distância”, contra. “Leva 30 segundos para as bombas chegarem.”

Conforme o sol começava a se pôr em Berlim, a orquestra jantava. Dignitários, incluindo o embaixador da Ucrânia na Alemanha, Oleksii Makeev, e o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, chegaram enquanto os membros da plateia começavam a entrar para o concerto gratuito.

Alguns se sentaram nas cadeiras, outros espalharam cobertores de piquenique. Crianças tomavam sorvete; o clima era caloroso e amigável. Algumas pessoas usavam bandeiras ucranianas, e outras, uma vishivanka, uma blusa tradicional bordada.

Viktoria Neroda, que chegou a Berlim como refugiada de Rivne, no oeste da Ucrânia, no ano passado, disse que estava lá principalmente para celebrar o Dia da Independência da Ucrânia. “Eu amo música ucraniana”, disse ela em alemão, “mas estou ouvindo essa orquestra pela primeira vez.”

O concerto de quinta-feira, então, foi tanto uma celebração da independência da Ucrânia quanto da solidariedade da Alemanha, e parte de um esforço para preservar essas duas coisas.

Após discursos das autoridades, a orquestra começou com uma interpretação enérgica e insistente de Verdi, seguida por uma emocionante apresentação do concerto de Stankovitch.

Essa peça termina com um som alegre de notas distantes, sustentado e harmonioso nas cordas, que contrasta com um som melancólico de notas próximas dedilhado do violino solo. A dissonância se mantém, suavemente, e depois se desvanece.

Fonte: Folha de São Paulo

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