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Ucrânia adota nova estratégia frente a incerto Ocidente – 02/02/2024 – Mundo

“Vou te contar a verdade”, diz Vania, um soldado ucraniano que serve em uma unidade de reconhecimento lutando ao lado de fuzileiros navais na margem do rio Dnipro, no sul da Ucrânia. “A situação é deplorável”.

Sua avaliação condenatória segue meses de ousados ataques em território inimigo por forças ucranianas para estabelecer um ponto de apoio do lado russo no sul da região de Kherson. Na escuridão, os soldados atravessaram o rio para infligir danos às unidades russas e proporcionar um dos poucos pontos positivos a Kiev desde que a tão aguardada contraofensiva terminou em fracasso.

Mas o controle da unidade de reconhecimento sobre o ponto de apoio de Dnipro, perto da vila de Krinki, está diminuindo. Suas posições em terrenos pantanosos e em antigas trincheiras inimigas são propensas a enchentes ou cheias de corpos em decomposição de combatentes russos. As temperaturas extremamente frias também são um obstáculo que retarda operações e torna impossível descansar.

“As tropas ucranianas estão sofrendo pesadas baixas aqui”, lamenta Vania, recusando-se a dar detalhes por conta do sigilo militar. Os russos, acrescenta ele, têm uma vantagem de pelo menos quatro ou cinco soldados para cada ucraniano.

Parte do problema é logístico. Como os ucranianos precisam atravessar o rio em pequenas embarcações para permanecerem indetectáveis e mais ágeis, eles não conseguem transportar armas maiores e mais letais. “Tudo o que levamos é o que podemos carregar nós mesmos”, diz Vania. “No máximo, há alguns tipos de lançadores de granadas. Em um caso muito raro, vi uma metralhadora pesada sendo trazida”.

O objetivo final era criar uma posição a partir da qual o exército ucraniano pudesse lançar novos ataques mais profundos no território controlado pela Rússia. Isso, porém, parece cada vez menos provável, diz Vania. Nas últimas semanas, blogueiros militares russos e analistas ocidentais afirmam que Moscou retomou algumas posições na margem leste.

Questionado se a Ucrânia pode manter esse ponto de apoio a longo prazo, Vania foi direto. “Claro que não”, diz ele. “O fato é que o Corpo de Fuzileiros Navais não conseguiu manter o ritmo da ofensiva e certamente perdeu a iniciativa há muito tempo”.

Agora, Vania espera que as tropas recuem para posições defensivas na margem oeste do Dnipro —se não o fizerem, há risco de sofrer pesadas perdas entre suas unidades mais fortes.

Mas até que ponto Kiev deve adotar uma posição defensiva mais segura em antecipação a um terceiro ano difícil de guerra não é mais uma pergunta apenas para aqueles estacionados no rio Dnipro, mas para todo o Exército ucraniano e seu comandante-chefe.

À medida que o segundo aniversário da invasão total da Rússia se aproxima, em 24 de fevereiro, as perspectivas militares da Ucrânia parecem estar se enfraquecendo. Ela abandonou as esperanças de uma vitória rápida e está se preparando para uma guerra prolongada. Uma autoridade envolvida na política ucraniana acredita que há “pouca perspectiva de um avanço operacional de qualquer lado em 2024”, muito menos nos próximos meses.

Essa realidade foi reconhecida em Kiev, onde o presidente Volodimir Zelenski declarou no início de dezembro que “uma nova fase” se iniciou. Depois que suas tropas não conseguiram recapturar grandes áreas ao sul conforme planejado, ele ordenou que o Exército construísse novas fortificações ao longo dos pontos estratégicos de sua linha de frente, sinalizando mudança de uma postura ofensiva para uma defensiva.

A mesma autoridade diz que uma estratégia de “defesa ativa” –manter linhas defensivas, mas procurar pontos fracos para explorar, juntamente com ataques aéreos de longo alcance– permitiria que a Ucrânia “expandisse suas forças” este ano e se preparasse para 2025, quando uma contraofensiva teria uma melhor chance.

Mas vários fatores provavelmente determinarão o destino da Ucrânia. O principal deles é a incerteza em torno da ajuda militar ocidental, incluindo munições, que a Ucrânia está consumindo rapidamente. Existem questões em aberto sobre a determinação do Ocidente e se ele pode e continuará apoiando a Ucrânia em sua luta –e se o fizer, até que ponto.

A maior preocupação está em Washington, onde a Casa Branca anunciou a redução de armas e equipamentos militares para a Ucrânia em 27 de dezembro. Embora nações europeias, incluindo o Reino Unido e a Alemanha, estejam fornecendo algum apoio financeiro, os Estados Unidos são o maior fornecedor de ajuda militar para a Ucrânia.

Mas os republicanos de extrema direita no Congresso dos EUA estão segurando dezenas de bilhões de dólares em futuros financiamentos militares para Kiev. Até que o Congresso aja, não haverá mais apoio.

Fiona Hill, uma das principais especialistas em Rússia que atuou como conselheira de segurança nacional na Casa Branca, disse ao site Politico em dezembro que a Ucrânia teve sucesso até agora “por causa do enorme apoio militar de aliados europeus e outros parceiros”.

“Portanto, nesse aspecto, chegamos a um ponto de inflexão entre a Ucrânia continuar a vencer em termos de ter poder de combate suficiente para deter a Rússia ou começar a perder porque não tem o equipamento, o armamento pesado e a munição. Esse apoio externo será determinante.”

Mesmo que a Casa Branca chegue a um acordo com o Congresso para estender a ajuda à Ucrânia, parece improvável que possa oferecer o avanço em termos de capacidades e tecnologias que permitiriam a Kiev recuperar decisivamente a vantagem este ano.

Quando questionado sobre quando o fim desse auxílio começaria a afetar o campo de batalha, outra autoridade que trabalha na política ucraniana afirmou: “Estamos confiantes de que os ucranianos têm o que precisam [para manter suas posições].”

Durante sua visita de alto risco a Washington, em dezembro, Zelenski adotou um tom de urgência, implorando aos republicanos do Congresso que aprovassem sem demora US$ 60 bilhões em nova assistência militar para seu país. Mais defesas aéreas, em particular, são de importância imediata, disse Zelenski, para proteger a crítica infraestrutura da Ucrânia. Essa necessidade ficou evidente no início deste mês, quando quase 4 milhões de residentes de Kiev acordaram com o estrondo de explosões de drones de ataque russos, além de mísseis balísticos e de cruzeiro.

Fonte: Folha de São Paulo

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