De forma previsível, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, adiantou-se na quarta (15) em quase duas horas ao anúncio oficial do cessar-fogo entre Israel e o Hamas e correu para celebrar o feito como seu na rede Truth Social.
Apesar de deselegante com os mediadores americanos, qataris e egípcios, a “trumpice” refletia o papel preponderante da volta do republicano ao poder no desenlace da questão —a pressão dele para assumir com esse item do cardápio de crises mundiais encaminhado foi central para que o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, topasse o arranjo.
A seguir, uma passada de olho no menu básico à espera de Trump nesta segunda (20), quando ele reassume a Casa Branca.
GAZA E ISRAEL
O cessar-fogo é um acordo frágil por natureza, como ficou provado no vaivém da largada. O extenso processo de libertação de reféns em troca de prisioneiros palestinos vai tensionar a sociedade israelense e sua política. Em especial a volumosa fatia de ultradireita religiosa, ora colocando em xeque o apoio dela a Netanyahu —um aliado difícil.
Além disso, há a questão palestina em si, ignorada em Trump 1.0. Joe Biden deixou um plano de reconstrução política de Gaza e da Autoridade Nacional Palestina. Como isso será feito agora é uma incógnita.
Comentando o cessar-fogo, Trump disse que pretende reviver e ampliar os chamados Acordos de Abraão, que no seu primeiro mandato (2017-2021) aproximaram Israel de países árabes sunitas, formando um eixo contrário ao Irã, centro da minoria muçulmana xiita.
Naquele ponto, Teerã estava no ápice de sua projeção regional de poder; hoje, está em retirada. Mas o sangue de Gaza dificulta por ora o avanço de alianças, em tese. Essa combinação pode fazer o republicano voltar a namorar a ideia de lidar com os aiatolás “manu militari”. O Irã ainda busca aprofundar a aliança militar com a Rússia.
RÚSSIA E UCRÂNIA
O maior abacaxi à espera de Trump é a Guerra da Ucrânia. O republicano já recalibrou seu discurso de acabar com o conflito de “um dia” para “até seis meses”, mas o caso de Gaza pode animá-lo a acelerar. Trump admira Vladimir Putin, mas isso não implica retirada imediata da ajuda militar a Kiev, que envolve a indústria bélica americana para começar. Mas já disse querer negociações e que entende as motivações russas.
Tanto Putin quanto Volodimir Zelenski buscam se posicionar, com o Kremlin abocanhando o máximo de terra e Kiev aumentando ataques pontuais para mostrar que está no jogo.
ALIADOS EUROPEUS
Típico de Trump, suas primeiras crises pré-posse foram com aliados ocidentais. Ele retomou as críticas ao gasto militar da Otan e questionou a utilidade de os EUA permanecerem na aliança que criaram. É retórica, mas a pressão por dispêndio, somada à agressão russa, de fato elevaram o investimento em defesa no continente —e isso deve continuar.
Já as ameaças expansionistas sobre o Canadá e a Groenlândia dinamarquesa são diversionismos calcados em desejos históricos dos EUA. Em especial no caso da gigantesca e rica em minerais ilha ártica, é um tema que talvez volte ao noticiário.
ALIADOS ASIÁTICOS
No primeiro mandato, o isolacionismo de Trump alienou Seul e Tóquio, que foram trazidas de volta às mesas americanas por Biden com forte toque militarista. Aqui a “wild card”, o imprevisível, é a ditadura da Coreia do Norte e suas ameaças nucleares, que estrelou o primeiro termo do republicano —primeiro com risco de guerra, depois com uma diplomacia amigável que não levou a nada.
Como o foco real de Trump será a China, sul-coreanos e japoneses têm sido ambíguos, prometendo maior cooperação no âmbito de alianças existentes e elevando suas capacidades militares próprias. Aqui, o comportamento de Kim Jong-un, ora melhor amigo de Putin, parece ser fulcral para determinar o rumo das coisas.
CHINA
Como no primeiro mandato, quando lançou a Guerra Fria 2.0 que molda a geopolítica atual, Trump deverá focar Pequim do ponto de vista comercial e em itens diversos, como Taiwan. Xi Jinping tem se mantido fechado, e a recordista balança comercial entre as economias chinesa e americana terá tanto o condão de gerar tensões como o de amainá-las, dada a interdependência dos gigantes.
Isso fez boa parte do falatório contra a China no primeiro mandato, que envolveu programas de “near-shoring” e repatriação de empresas, ser diluído na prática. Militarmente, a não ser que Xi invada Taiwan ou resolva afundar a frota filipina, a tendência é uma disputa mais retórica. Do lado positivo, os líderes já se falaram antes da posse.
BRASIL, BRICS E AMÉRICA LATINA
Trump é um aliado de Jair Bolsonaro (PL), o que o torna um rival ideológico de Lula (PT), e o governo brasileiro terá de medir palavras, o que não é de seu feitio. Mas o coração trumpista de fato parece bater pelo argentino Javier Milei e sua agenda radical. Pelo tamanho da economia, o Brasil é incontornável, mas não é impossível que a carta da ameaça tarifária seja sacada por Trump em caso de desavenças maiores.
No âmbito do Brics, o reforço da entrada da Indonésia no bloco insinua uma ação preventiva em relação a Trump, que de todo modo tende a ser lida em Washington como uma maquinação de Pequim. A Índia seguirá jogando sozinha e com todos, para ficar em ator de peso do grupo.
Por fim, a América Latina pode se preparar para as ameaças de Trump, mas é o Panamá que deve se cuidar mais, tendo sido pintado como alvo na discussão sobre a retomada do canal que foi americano até 1999. O país não tem meios para impedir uma ofensiva política mais coordenada dos EUA de fato.