Donald Trump culpou repetidamente o governador da Califórnia, Gavin Newsom, pelos incêndios que devastaram Los Angeles. O presidente dos Estados Unidos acusou os democratas da região de se recusarem teimosamente a enviar água suficiente para o sul do estado combater as chamas, o que ele atribuiu ao desejo de proteger o delta smelt, uma espécie de peixe ameaçada de extinção.
Mas, enquanto Trump se preparava para uma visita à Califórnia nesta sexta-feira (24), especialistas em água do estado americano dizem que suas explicações em muitos casos estavam erradas ou reduziam equivocadamente dinâmicas complexas da água. Eles afirmam que os reservatórios do sul da região estavam geralmente cheios de água no início do ano e que os problemas no combate ao fogo tinham outras causas.
A visão de Trump da situação poderia ter consequências muito reais. Dois dias após reassumir a Presidência, ele ameaçou reter fundos federais de ajuda se a Califórnia não enviar mais de sua água da parte norte do estado para sua metade sul. Ele também emitiu um decreto em seu primeiro dia no cargo —intitulado “Colocando Pessoas Acima dos Peixes”— que determina que sejam encontradas maneiras, em 90 dias, de redirecionar mais água para o sul.
A ordem traz à tona disputas e litígios tão antigos quanto a própria Califórnia sobre quem merece a preciosa água no estado e como seu ouro líquido pode servir melhor a quase 40 milhões de residentes, juntamente com as indústrias agrícola e pesqueira e os ecossistemas.
As montanhas ao longo da espinha dorsal da Califórnia são peças essenciais do abastecimento de água do estado. As mesmas tempestades que transformam o Parque Nacional de Yosemite em um paraíso de inverno e criam playgrounds de esqui perto do lago Tahoe deixam uma camada de neve que derrete em riachos e rios na primavera e no verão.
Embora a maior parte da água do estado tenha origem e seja armazenada no norte da Califórnia, grande parte da população vive no sul. E a indústria agrícola intensiva fica no vale central, onde a chuva nunca é suficiente para sustentar as colheitas de cada ano.
“Olha, Gavin tem uma coisa que ele pode fazer”, disse Trump em entrevista na quarta à Fox News, citando o governador. “Ele pode liberar a água que vem do norte. Há quantidades massivas de água, água da chuva e água da montanha, que vem, também, com a neve, derrete e desce. Há tanta água, eles estão liberando para o oceano Pacífico.”
Mas o abastecimento de água do estado para o sul da Califórnia, dizem especialistas, não tinha nada a ver com os incêndios que se alastraram incontrolavelmente. “Há muitas coisas que você poderia dizer que fariam a Califórnia parecer ruim, mas esta não é uma delas se você quiser fazer isso de forma factual”, disse Jay Lund, professor emérito da Universidade da Califórnia que estudou recursos hídricos e engenharia ambiental.
Trump e republicanos criticam a Califórnia por enviar água doce ao oceano Pacífico, referindo-se a acordos que protegem ecossistemas. A água doce do Delta Sacramento-San Joaquin, um estuário sensível no norte da Califórnia, mistura-se com a água salgada da baía de San Francisco.
O delta fornece água potável para dois terços da população estadual e irrigação para milhões de acres de fazendas, com diques, bombas e ilhas controlando o equilíbrio entre água salgada e doce. A extração de água é fonte de disputas hídricas em um estado propenso à seca, com o delta smelt sendo um alvo politizado. Após o início dos incêndios, Trump chamou-o de “um peixe essencialmente sem valor” que Newsom queria proteger.
Os smelts já foram abundantes no delta, desempenhando um papel importante no ecossistema ao fornecer alimentos para inúmeras espécies de peixes e aves. Agora, à beira da extinção, eles oferecem um benefício diferente ao ecossistema, dizem os especialistas: ajudar a proteger outros peixes nativos que também precisam de alguma quantidade de água doce fluindo para o estuário.
“Há muitos tipos diferentes de peixes por aí que precisam de proteção e precisam ser gerenciados”, disse Peter Moyle, professor emérito do Centro de Ciências das Bacias Hidrográficas da Universidade da Califórnia. “Os peixes vão desaparecer um por um se não os levarmos em consideração.”
Foi bem documentado que alguns bombeiros em Pacific Palisades ficaram sem água na noite em que os incêndios devastaram o bairro. Suas mangueiras secaram enquanto tentavam apagar as chamas. A pressão da água caiu, e os hidrantes não conseguiam atender à demanda em toda a comunidade. Um reservatório que pode fornecer milhões de galões de água havia sido esvaziado para reparos.
Trump usou esses exemplos para apoiar seu argumento de que a Califórnia falhou em fornecer água suficiente para o sul do estado. Mas nenhum dos problemas foi resultado de transferências de água do norte.
Especialistas afirmam que o sistema de água de Pacific Palisades não foi projetado para combater incêndios florestais intensos, como o que destruiu milhares de casas, devido à incapacidade dos tanques de armazenamento e sistemas de bombeamento de atenderem a demanda.
Nos últimos dias, Trump aludiu a um oleoduto de água que não existe. “Los Angeles tem enormes quantidades de água disponíveis para ela”, disse ele em entrevista coletiva na terça. “Tudo o que eles têm que fazer é abrir a válvula, e essa é a válvula que desce do noroeste do Pacífico, onde milhões de galões de água por semana e por dia entram na Califórnia, passam por toda a Califórnia até Los Angeles. E eles desligaram.”
Trump afirmou que a Califórnia desvia água para o Pacífico, mas não há válvula para isso. A ideia de um oleoduto de Oregon e Washington é antiga, mas cara e politicamente complicada. Washington e Oregon exportam energia hidrelétrica para a Califórnia.
