A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu nesta sexta-feira (27) em favor de pais que processavam o estado de Maryland para que eles pudessem escolher retirar, por motivos religiosos, seus filhos de aulas em que livros com temática LGBTQIA+ fossem utilizados.
A decisão dos magistrados (6 a 3; as três opiniões dissidentes foram de juízas liberais) anulou a decisão de um tribunal inferior que rejeitava o argumento de que as escolas públicas do condado de Montgomery eram obrigadas a fornecer uma alternativa a essas aulas.
O tribunal inferior havia rejeitado o argumento de um grupo de pais que processou o distrito escolar local sob a justificativa de que o veto à escolha sobre a educação dos filhos violava direitos relativos ao livre exercício da religião garantidos na Primeira Emenda da Constituição.
“Hoje, determinamos que os pais demonstraram que têm direito a uma liminar. Um governo onera o exercício religioso dos pais quando exige que eles submetam seus filhos a instruções que representam ‘uma ameaça muito real de minar’ as crenças e práticas religiosas que os pais desejam incutir [em seus filhos]”, escreveu o juiz conservador Samuel Alito, autor da decisão.
A juíza liberal Sonia Sotomayor disse em seu argumento divergente que as escolas públicas educam crianças de todas as religiões e origens e as ajudam a viver em uma sociedade americana multicultural.
“Essa experiência é fundamental para a vitalidade cívica de nossa Nação. No entanto, ela se tornará apenas uma memória se as crianças precisarem ser isoladas da exposição a ideias e conceitos que possam conflitar com as crenças religiosas de seus pais. A decisão de hoje inaugura essa nova realidade”, escreveu Sotomayor.
A corte ampliou os direitos de religiosos em vários casos que chegaram ao tribunal nos últimos anos, inclusive em processos envolvendo pessoas LGBT+. Em 2023, por exemplo, a corte decidiu que certos empreendimentos têm o direito, sob as proteções de liberdade de expressão da Primeira Emenda, de recusar a prestação de serviços para casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O conselho escolar do condado de Montgomery aprovou em 2022 o uso uma série de livros infantis que apresentam personagens LGBT+ como parte de seu currículo de língua inglesa, a fim de melhor representar a diversidade de famílias que vivem no condado.
Os livros estão disponíveis para os professores usarem “junto com os muitos livros já existentes no currículo que apresentam personagens heterossexuais em papéis de gênero tradicionais”, disse o distrito em um documento.
O distrito escolar afirmou ainda que encerrou as alternativas escolares para quem optasse por não participar de aulas com esses livros em 2023, quando o número crescente de pedidos para dispensar alunos dessas aulas se tornou logisticamente inviável e levantou preocupações de “estigma social e isolamento” entre os alunos que acreditam que aqueles livros representam eles e suas famílias.
Alternativas do tipo ainda são permitidas pelo distrito escolar para disciplinas de educação sexual.
Os autores da ação, um grupo de muçulmanos, católicos e e membros da Igreja Ortodoxa Ucraniana, afirmaram no processo que os livros “promovem uma ideologia transgênero unilateral, incentivam a transição de gênero e se concentram excessivamente na paixão romântica —sem notificação aos pais ou oportunidade para a não participação”.
Para eles, a Primeira Emenda protege o direito deles de incutir crenças e práticas religiosas em seus filhos, inclusive sobre gênero e sexualidade, que são “cruciais para a capacidade de seus filhos de cumprir aspirações religiosas relacionadas ao casamento e à família”.
Os autores da ação afirmaram que não buscam a remoção dos livros das bibliotecas escolares e salas de aula, mas apenas a possibilidade de impedir que seus filhos tenham que discuti-los em aula. O distrito escolar desde então retirou 2 dos 7 livros apontados. Em documentos judiciais, as autoridades disseram que os livros foram reavaliados sob procedimentos padrão, mas não deram mais detalhes.
Os pais foram representados pelo grupo jurídico conservador Fundo Becket para a Liberdade Religiosa.
O Tribunal de Apelações do 4º Circuito (segunda instância), com sede em Richmond, na Virgínia, negou em 2024 um pedido dos autores por uma liminar. O 4º Circuito afirmou na ocasião que não havia evidências de que os livros estejam “sendo implementados de uma maneira que coaja direta ou indiretamente os pais ou seus filhos a acreditar ou agir contrariamente à sua fé religiosa”.
Os autores da ação afirmaram à Suprema Corte que a decisão do 4º Circuito minou o direito dos pais de “proteger a inocência de seus filhos e direcionar sua educação religiosa”.
Já o conselho escolar enfatizou em documento enviado à corte que a mera exposição a conteúdo que os pais consideram religiosamente objetável não viola a Primeira Emenda.
O grupo de defesa do secularismo Fundação Liberdade da Religião, em documento à Suprema Corte apoiando o conselho escolar, disse que os pais não deveriam ter um direito constitucional “de garantir que todos os materiais de educação secular estejam em conformidade com suas crenças religiosas pessoais”.
Tal regra seria ilimitada porque “quase qualquer livro ou ideia —por mais comum ou inocente que seja— provavelmente contradiz alguns ideais religiosos”, disse o grupo secular.
A Suprema Corte ouviu argumentos do caso em 22 de abril. As três juízas liberais da corte levantaram preocupações sobre até onde as alternativas para não participação de estudantes poderiam ir além dos livros infantis nas escolas públicas, oferecendo exemplos de assuntos como evolução, casamento inter-racial ou mulheres trabalhando fora de casa que podem surgir nas aulas.
Durante os argumentos, o juiz conservador Samuel Alito citou um dos livros infantis contestados que retrata um casamento entre pessoas do mesmo sexo e enfatizou que o material promove uma mensagem moral “com a qual muitas pessoas que mantêm crenças religiosas tradicionais não concordam”.
Em outro caso de direitos religiosos envolvendo educação, a Suprema Corte, em uma decisão apertada no dia 22 de maio, bloqueou uma tentativa liderada por duas dioceses católicas de estabelecer em Oklahoma a primeira escola religiosa financiada pelo poder público nos EUA.