A universitária Larissa Silva, de 21 anos, ainda tenta se recuperar do trauma causado por um crime digital. Ela teve sua imagem manipulada por uma ferramenta de Inteligência Artificial (IA). Nas imagens falsas, criadas a partir da tecnologia, ela aparece em cenas íntimas e sem roupa. O conteúdo foi compartilhado nas redes sociais e gerou um forte abalo emocional na estudante.
“Eu não sabia mais o que era verdade. Amigos e familiares viram aquilo. Mesmo sabendo que era falso, eu me senti exposta, humilhada. É uma dor que não desejo para ninguém”, desabafa. Atualmente, Larissa faz acompanhamento psicológico e luta para que outras mulheres também tenham coragem de denunciar, caso sejam vítimas desse tipo de agressão.
Casos como o de Larissa ainda não aparecem de forma específica nas estatísticas oficiais, mas evidenciam um novo cenário de violência digital, ampliado pelo uso de tecnologias como a IA. Como forma de enfrentamento, foi sancionada a Lei 15.123/2025, que aumenta em 50% a pena para crimes de violência psicológica praticados com uso de tecnologia. A legislação também prevê até seis anos de prisão para quem divulgar, sem consentimento, imagens de estupro ou cenas de sexo envolvendo a vítima.
A professora e advogada , do curso de Direito da Estácio, considera a nova lei um avanço importante. “Ela surge justamente num cenário em que as inteligências artificiais e as novas tecnologias estão se desenvolvendo de forma exponencial, tornando cada vez mais difícil distinguir o que é real daquilo que é manipulado”, afirma.
Segundo ela, o desafio agora é estruturar o sistema público para lidar com esse tipo de crime. “A gente precisa de capacitação das autoridades e especialização. Também de inteligências artificiais dessas próprias autoridades que possam ajudar a identificar o vídeo, a imagem que foi manipulada, aquilo que é real e aquilo que não é”, pontua.
A especialista destaca ainda a importância da responsabilização das plataformas digitais. “Se a gente tirar essa responsabilidade das plataformas que estão veiculando esse tipo de conteúdo, a gente também não consegue conter”, alerta.
Outros crimes
Além do uso da IA, outros crimes já previstos no Código Penal também podem ser enquadrados na lei, como cyberbullying, stalking e crimes contra a honra. No campo civil, as vítimas podem buscar indenização por danos morais relacionados à violação de direitos como intimidade, honra e vida privada.
Enquanto os crimes digitais ainda começam a ser reconhecidos formalmente, os dados da violência convencional contra a mulher em Alagoas continuam alarmantes. De acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP/AL), nos dois primeiros meses deste ano, foram registrados 444 casos de violência doméstica contra a mulher.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o estado de Alagoas registrou em 2024 o total de 7.050 violações contra a mulher. Na capital Maceió, foram 3.126 casos de violações e 487 denúncias registradas.
“A nova lei é um primeiro passo para que as mulheres possam se sentir mais seguras no ambiente virtual, mas é preciso ir além. Só vamos avançar de verdade quando houver uma resposta rápida, apoio psicológico eficaz e a certeza de que os agressores serão punidos”, destaca a advogada Natália Reis.
Enquanto busca justiça, Larissa Silva segue usando sua dor como forma de resistência. Ela espera que seu caso sirva de alerta para outras mulheres e para a sociedade. “Eu não posso mudar o que aconteceu comigo, mas posso transformar isso em força para impedir que outras passem pelo mesmo. Denunciar é difícil, mas é necessário”, afirma.
Deepfakes
Conforme o Código Penal, a violência psicológica contra a mulher é causada por dano emocional que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar ações, comportamentos, crenças e decisões. Esse crime pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação da mulher.
Uma das formas mais atuais é a utilização de deepfakes: vídeos ou imagens falsificadas por IA envolvendo mulheres reais. Essas produções geralmente incluem a divulgação de conteúdos pornográficos falsos simulando nudez e, muitas vezes, são usadas como forma de ameaça, constrangimento, humilhação e chantagem.