O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem apostando na escalada dos protestos em Los Angeles, na Califórnia, contra batidas dos agentes de imigração que se intensificaram no fim de semana.
Ao acionar a Guarda Nacional sem o consentimento do governador, Gavin Newsom, e mobilizar fuzileiros navais, Trump parece buscar um confronto ampliado com manifestantes em um estado que sabidamente o rejeita. Mas o presidente também subiu o tom na retórica, ameaçando prender Newsom, do Partido Democrata, e atacando pessoas que vão aos protestos, pedindo prisões em massa e ameaçando com mais violência.
“Se eles cuspirem em nós, vamos bater: esse é o comunicado do presidente dos EUA”, escreveu Trump na sua rede social, a Truth Social, dizendo que os manifestantes “têm o costume de cuspir na cara dos soldados da Guarda Nacional”. “Se eles cuspirem, vamos bater, e eles vão ser atingidos com mais força do que nunca antes. Não toleraremos esse desrespeito.”
Embora o estopim para os protestos recentes seja novo, algumas palavras utilizadas pelo presidente soam familiares: os manifestantes em Los Angeles seriam arruaceiros, saqueadores, encrenqueiros e rebeldes; suas ações, nada menos do que uma insurreição.
São termos assim que Trump escolheu para falar de uma série de movimentos que irromperam nos EUA desde o seu primeiro mandato —dos protestos antirracistas após a morte de George Floyd, em 2020, aos acampamentos de estudantes universitários pró-Palestina e contra a guerra Israel-Hamas na Faixa de Gaza.
Em alguns casos, especialistas e cientistas políticos apontaram que a escolha de palavras não era casual: em especial no contexto dos protestos de 2020, classificar os manifestantes de “arruaceiros e saqueadores” trazia à tona estereótipos racistas de pessoas negras como violentas e oportunistas, que utilizariam causas sociais como uma desculpa para roubos e vandalismo.
Essa associação remonta aos protestos por direitos civis da segunda metade do século 20, quando políticos que se opunham ao fim da segregação tentavam deslegitimar os protestos organizados por líderes do movimento negro da época, como o reverendo Martin Luther King.
A mesma lógica poderia ser aplicada aos protestos desta semana em Los Angeles. Manifestantes negros e latinos, muitos deles empunhando bandeiras de outros países, são caracterizados por Trump e seus apoiadores como parte de uma suposta “invasão estrangeira”.
Esse termo é ao mesmo tempo a justificação jurídica para a ampliação de deportações defendida por Trump e uma ideia que conversa com teorias da conspiração segundo as quais a imigração para os EUA e a Europa teria o objetivo de acabar com maiorias brancas nesses países.
As palavras utilizadas por Trump para se referir a outros atos onde há violência, entretanto, podem ser radicalmente diferentes quando as pessoas envolvidas são seus apoiadores ou estão no campo da direita, não importa quão extrema.
Uma das grandes polêmicas de Trump em seu primeiro mandato foi quando disse que havia “boas pessoas” dos dois lados das manifestações de Charlottesville de 2017 —tratava-se de um ato racista que incluiu palavras de ordem como “os judeus não vão nos substituir” e um protesto contrário, que acabou com uma mulher morta por um supremacista branco. Na ocasião, não houve palavras duras de Trump contra aqueles que, argumentaram seus opositores na época, fariam parte de sua base.
Da mesma maneira, se Trump chama manifestantes em Los Angeles hoje de rebeldes envolvidos em uma insurreição, os termos escolhidos para descrever seus apoiadores que tentaram reverter o resultado da eleição de 2020 em 6 de janeiro de 2021 nunca foram tão categóricos.
A princípio, Trump tentou se distanciar dos invasores —durante o ataque, pediu respeito à polícia e disse: “Estou pedindo para que todos se mantenham pacíficos. Sem violência!”.
Com o passar dos anos, entretanto, quando ficou claro que sua base não o abandonaria e sua influência no Partido Republicano se manteria intacta, o presidente mudou o tom, e chegou a dizer que o 6 de Janeiro foi “um dia de amor”. Cinco pessoas morreram e centenas de policiais ficaram feridos no maior ataque à democracia da história dos EUA.
De volta ao poder, Trump foi além e perdoou 1.500 pessoas envolvidas com a invasão do Capitólio —ignorando a aparente contradição de ser o candidato que se posicionou como o defensor de agentes de segurança enquanto, ao mesmo tempo, livrava da cadeia pessoas que agrediram policiais.
Para os manifestantes de Los Angeles, por sua vez, assim como para estudantes em universidades americanas e para os protestos antirracistas no passado, Trump diz: “Não podemos deixar esses criminosos se safarem dessa. Faça a América grande de novo!”.