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Quatro lições para aprendermos com a Islândia – 08/03/2024 – Mundo

O parlamento tem o maior número de deputadas na Europa, a licença parental é equitativa e uma das mais generosas do mundo, e as empresas devem, por lei, certificarem-se de que pagam o mesmo salário a homens e mulheres. A Islândia é, por muitas razões, o país com a menor desigualdade de gênero do mundo, de acordo com uma lista elaborada pelo Fórum Econômico Mundial.

Há 14 anos, a Islândia ocupa o primeiro lugar no ranking, que mede o nível de igualdade entre homens e mulheres. De acordo com dados de 2023, o país nórdico conseguiu fechar sua diferença de gênero em 91,2%. Mas como esse pequeno país de apenas 370 mil habitantes conseguiu alcançar esse nível de igualdade?

O sucesso deve-se a uma combinação de circunstâncias específicas do país, como a existência de um movimento feminista com anos de história e uma presença tradicional das mulheres no mercado de trabalho, mas também vontade política para levar adiante leis que impulsionam a igualdade, explicou Thorgerdur Jennýjardóttir Einarsdóttir, professora de Estudos de Gênero na Universidade da Islândia, à BBC. O país nórdico foi um dos mais gravemente afetados pela crise financeira de 2008, em grande parte pela má gestão e pela corrupção de alguns de seus gestores.

Mas seu pior momento também representou um ponto de virada. “Foi uma oportunidade para as mulheres, já que o discurso foi de que os homens tinham governado o país e as empresas e tinham levado-os à ruína. Era a vez das mulheres”, disse a especialista.

Uma série de novas medidas para promover o papel das mulheres em cargos de responsabilidade surgiram dessa crise, e uma maior presença feminina nas instituições resultou em ganhos na igualdade. A Islândia entendeu que a desigualdade de gênero é algo endêmico e enraizado na sociedade, e, por isso, adotou uma abordagem sistemática, explica Aleisha Ebrahimi, professora associada da Faculdade de Direito da University College de Londres (UCL) e especialista em igualdade de gênero.

Que lições outros países podem tirar do modelo adotado pela Islândia para reduzir a desigualdade?

1. Grande representação política

Durante mais da metade dos últimos 50 anos, os islandeses tiveram uma mulher à frente do Estado. A primeira delas foi Vigdis Finnbogadottir, que ganhou as eleições em 1980, apenas cinco anos depois da histórica greve das mulheres ocorrida em 24 de outubro de 1975. Neste dia, 90% das islandesas paralisaram bancos, fábricas, escolas e lojas para se manifestarem pela igualdade de gênero.

Havia apenas três mulheres deputadas, na época, ou 5% do parlamento. Era um número muito baixo em comparação com os vizinhos nórdicos, que sempre haviam estado à frente do movimento feminista. Hoje, no entanto, as islandesas ocupam 47,6% dos assentos, a maior porcentagem em um país europeu.

De acordo com Aleisha Ebrahimi, isso se deve a uma combinação de fatores. Por um lado, “ter uma liderança feminina é muito importante para a representação porque mostra às meninas e mulheres que é um papel ao qual podem aspirar e que existem caminhos para chegar lá.”

Além disso, após a crise financeira de 2008, “houve um movimento para incorporar mais mulheres à esfera política, para retificar o que tinha sido feito de errado, mas procurando uma solução progressista para seguir adiante”, diz Ebrahimi.

A Islândia não tem quotas legais de representação feminina no parlamento, mas a maioria dos partidos políticos têm uma quota voluntária definindo que 40% a 50% de seus representantes sejam mulheres. Ao longo dos anos, isso tem se refletido na composição do parlamento. “Os partidos sabem que, se não o fizerem, vão parecer antiquados e não vão atrair os eleitores”, explica Jennýjardóttir Einarsdóttir.

Mas o que mais incentivou essa participação política, segundo a professora da Universidade da Islândia, é o vigor do movimento feminista do país, que remonta ao início do século 20 e se alimentou de relações estreitas em uma comunidade tão pequena.

A Associação de Direitos das Mulheres Islandesas foi fundada em 1907 e segue em funcionamento. Apenas um ano depois de criada, as primeiras vereadoras foram eleitas para a prefeitura de Reykjavik, a capital do país.

2. Lei de Igualdade Salarial

Em 2018, a Islândia tornou-se o primeiro país no mundo onde, por lei, as empresas públicas e privadas têm que provar que oferecem os mesmos salários a homens e mulheres.

A lei exige que tanto empresas como instituições com 25 ou mais funcionários obtenham um “certificado de igualdade salarial” demonstrando que pagam o mesmo aos seus funcionários em funções semelhantes.

A Islândia não é o único país com uma lei de igualdade salarial. No entanto, diferente de outros, no país, o peso de provar a igualdade ou desigualdade recai sobre a empresa e não sobre o empregado. Não é o trabalhador que tem que provar que é vítima de desigualdade, algo que pode levar tempo e custar caro. Na Islândia, é a empresa que deve comprovar que paga seus funcionários de forma justa e equitativa.

A legislação não só está ajudando a fechar a lacuna de salarial, que em 2021 ficou em 10,2%, como também estimulou dentro das empresas e no restante da sociedade um debate sobre como os empregos são avaliados: com que critérios e se esses critérios continuam a ser relevantes no atual mercado de trabalho, de acordo com a revista Harvard Business Review.

A lei islandesa também estabelece uma quota feminina de 40% para os conselhos de administração das empresas e instituições, o que tem impulsionado mulheres nos cargos de liderança.

Apesar dos avanços, as islandesas não se conformam e continuam a lutar por igualdade total. As cotas, por exemplo, ainda não alcançaram uma maior paridade entre os diretores executivos das empresas, ainda majoritariamente homens, lamenta Jennýjardóttir Einarsdóttir.

Desde o histórico protesto de mulheres de 1975, as islandesas voltaram a entrar em greve em várias ocasiões. A última foi em outubro passado, quando até a primeira-ministra Katrín Jakobsdóttir participou.

3. Licença maternidade e paternidade igualitária

Para muitas mulheres no mundo, a desigualdade cresce exponencialmente quando decidem ter filhos. Muitas não somente se veem penalizadas em seus empregos por tirar licença maternidade como, sendo elas as únicas ou as que por mais tempo cuidam das crianças nessa primeira fase de vida, acabam carregando adiante o peso da educação.

E apagar os papéis tradicionais de gênero que surgem já nesses primeiros meses no imaginário familiar e social é muito difícil. Nem todos os países oferecem uma licença paternidade e, em alguns, ela é opcional ou pode ser transferida para a mãe. Em certos casos, a licença é compartilhada e pode ser dividida entre os pais de acordo com o que a família considerar melhor.

Em 2000, a Islândia mudou seu sistema de licença parental para que pais e mães tivessem licenças independentes, que não pudessem ser transferidas, algo que a Suécia já havia feito em 1995. O modelo de “usar ou perder” a licença, com os homens devendo tirar o período ou a família perderia por completo o benefício, fez com que, rapidamente, mais de 80% dos homens passassem a tirá-la.

E o que acontece quando mais pais fazem uso da licença paternidade? Vê-se mais pais empurrando carrinhos pela rua e cuidando sozinhos dos filhos nos parques. Ou seja, a figura do homem como cuidador é normalizada, o que resulta em uma maior igualdade para as mulheres. “Essa medida tem tido um grande impacto, e os homens são agora mais ativos na educação dos filhos”, observa a especialista islandesa.

De acordo com um estudo realizado por professores da Universidade da Islândia, a política implementada fez com que o número de homens que seguiam cuidando dos filhos de forma igualitária aos três anos de idade passasse de 40% para 75% nos anos que se seguiram. Isso mostra que, quanto mais cedo o homem se envolve no cuidado dos filhos, maior será a igualdade.

Atualmente, a licença na Islândia foi estendida para seis meses para cada um dos pais. O Estado paga 80% do salário, com seis semanas transferíveis entre os pais.

4. Forte subsídio a creches

Mas a “penalização pela maternidade” não acaba quando a licença parental chega ao fim. Sem creches ou escolas de educação infantil acessíveis, a diferença de gênero se amplia, já que geralmente são as mulheres que acabam optando por deixar temporariamente ou definitivamente seus empregos para cuidar dos filhos pequenos.

Assim, a Islândia apostou em subsidiar a educação infantil, destinando 1,7% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para isso —mais do dobro da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso significa que as famílias islandesas destinam apenas cerca de 5% de sua renda para essa fase da vida de seus filhos, enquanto em países, como os EUA, os pais investem em média 19% de seus salários.

Quando as crianças completam um ano e a licença parental de ambos pais acaba, mais da metade delas estão matriculadas em uma creche ou escola de educação infantil, um número que sobe para 80% quando completam dois anos, de acordo com dados da OCDE.

É por isso que há de se continuar lutando constantemente pela igualdade, observa Thorgerdur Jennýjardóttir Einarsdóttir. “O importante é entender que não se trata apenas de uma questão para mulheres, mas sim para o bem-estar e a prosperidade do país”, explica ela.

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Fonte: Folha de São Paulo

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