A construção de um parque eólico no Rio Grande do Sul reacendeu uma antiga disputa territorial com o Uruguai —e parece não ter agradado ao país vizinho, causando uma rusga na relação bilateral.
A instalação da Eletrobras fica localizada em Santana do Livramento, em um terreno de cerca de 8.000 hectares, dentro da área contestada por Montevidéu. O empreendimento começou a ser construído em 2022, com um investimento de R$ 2,4 bilhões, e começou a operar comercialmente no ano passado.
De um lado, o Uruguai diz que não foi informado pelo governo brasileiro sobre o início das obras. Em uma espécie de puxão de orelha público, o Ministério de Relações Exteriores uruguaio emitiu uma nota no início deste mês solicitando que a questão fronteiriça seja retomada.
Na mensagem, a pasta afirmou que enviou uma nota na qual deixa “expressamente consignado” que a construção do projeto “é desconhecida pelo atual governo” e “não implica o reconhecimento do exercício da soberania do Brasil sobre o território”.
Procurado, o Itamaraty disse que recebeu a nota do Uruguai, mas que tratará do tema por meio dos canais bilaterais. Já a Eletrobras afirmou que não se pronunciará.
A área sob contestação é de 22 mil hectares, o equivalente a 15% do município de São Paulo, tem um formato de triângulo e fica na fronteira com a uruguaia Rivera. A disputa já dura 90 anos.
Em 1934, o Uruguai expressou pela primeira vez ao Brasil o desejo de rediscutir a posse do terreno. Segundo o país vizinho, houve um erro de identificação do Arroio Invernada, definido como fronteira no tratado entre os países de 1850.
O riacho, no entendimento dos uruguaios, seria um pequeno curso d’água 15 km ao norte. Em 1974, mapas no Uruguai passaram a chamar a zona de formato triangular de “área contestada”.
Em manifestações anteriores enviadas ao vizinho, o Brasil diz não haver dúvida de que a fronteira demarcada no reinado de dom Pedro 2º está correta e afirma estranhar que o vizinho tenha demorado tantos anos para contestá-la.
Na região está a vila Thomaz Albornoz, criada em 1985, durante a ditadura militar (1964-1985), para reforçar a posse brasileira sobre o território. Reportagem da Folha em 2019 mostrou que cerca de 40 famílias viviam no local. Os moradores diziam se sentir uruguaios e reclamavam do descaso brasileiro com a infraestrutura local.
O plano de erguer um parque eólico na região não é recente. Em 2011, quando Uruguai e Brasil eram governados por José Mujica e Dilma Rousseff, um projeto semelhante abrangia a região contestada. Na época, porém, o empreendimento deixou essa área de fora. As usinas se tornaram uma peça central da transição energética no Rio Grande do Sul.
Em seu site, a Eletrobras diz que opera o Complexo Eólico Cerro Chato, composto por seis parques na região de Santana do Livramento. A partir de 2022, a empresa ampliou “a geração eólica, por meio da construção do Parque Coxilha Negra, que está sendo instalado em áreas limítrofes às unidades existentes”.
A estrutura possui 72 aerogeradores e capacidade instalada de 302,4 MW –energia para atender cerca de 1,5 milhão de consumidores, segundo a estatal.