O governo do Irã é um monstro que pode estar enfraquecido, mas não colapsou com os ataques israelenses ao país desde sexta (13). A oposição sozinha não tem força para derrubá-lo, e é aí que entra o americano Donald Trump e sua disposição ou não de ir atrás do líder supremo, Ali Khamenei.
Foi o que disse à Folha um importante ativista de oposição que ainda mora em Teerã, de onde ele relatou o medo com os bombardeios israelenses e a reação do governo: cortar a internet, reduzir velocidade e bloquear aplicativos.
Na terça (17), a TV estatal pediu por exemplo para que os cidadãos desinstalassem o WhatsApp de seus celulares, sugerindo que o app estava coletando dados e georreferenciando alvos para Israel.
A própria forma com que o ativista, cujo nome não pode ser revelado, falou com a reportagem reflete as dificuldades em campo. Só há internet em espasmos ao longo do dia, e o contato teve de ser feito por meio de uma rede iraniana no exterior. Ela enviou poucas questões da reportagem e devolveu as repostas, dois dias depois.
Mesmo com essas limitações e o risco de contaminação das respostas no processo, elas ajudam a montar um pedaço do complexo quebra-cabeça local —há rivalidades dentro do regime, opositores fora dele calados ou presos, a diáspora.
O ativista diz que Trump, que no primeiro mandato deixou o acordo nuclear com Teerã e matou com um ataque de drone o mais importante general do país, Qassim Suleimani, teria a ousadia de “cortar a cabeça da cobra”.
O ofídio na visão do oposicionista, já citado como “alvo fácil” pelo presidente, é o aiatolá Khamenei. Ele insinua, contudo, temor de que o Ocidente e Israel não irão até o fim, deixando apenas “hashtags e meias palavras”. “Fraqueza não significa colapso, não a menos que alguém ajude a empurrar”, disse.
Como vocês receberam os ataques de Israel?
Para ser honesto, muitos de nós sentimos algo que não sentíamos há muito tempo: esperança. Quando Israel atingiu aqueles alvos militares dentro do Irã, especialmente os locais do Guarda Revolucionária, foi como se alguém finalmente ousasse fazer o que oramos para acontecer. O regime sempre age como se fosse invencível, mas naquela noite essa ilusão se desfez.
E o medo?
Claro que houve medo. Somos civis pegos no meio. Mas no fundo, muitos de nós sentimos que, pela primeira vez, alguém estava visando os verdadeiros terroristas, aqueles que destruíram este país por dentro. Estivemos sozinhos nesta luta. Então, quando Israel agiu, muitos de nós dissemos baixinho: “finalmente”.
Qual foi a reação interna do governo? Há uma caça às bruxas ao dissenso?
Sim, mas não da maneira que as pessoas podem imaginar. O regime não precisou ir de porta em porta prendendo pessoas desta vez. Eles fizeram o que sempre fazem quando estão com medo: nos cortaram.
A internet foi desacelerada quase imediatamente. As mídias sociais se tornaram quase inutilizáveis. Aplicativos de mensagens foram restritos ou completamente bloqueados. Foi como se tivessem puxado uma cortina digital sobre o país.
É assim que eles controlam a narrativa. Eles não querem que as pessoas falem, se organizem ou compartilhem seus sentimentos sobre o que aconteceu. Eles sabem muito bem que muitos iranianos apoiaram os ataques, mesmo que não possam dizer em voz alta.
Então, em vez de prender pessoas em massa, eles silenciam a nação inteira. Eles não têm medo apenas das bombas. Eles têm medo das conversas que essas bombas podem gerar.
Estamos prontos. Mas sem um livre fluxo de comunicação e sem apoio de potências externas como os EUA, estamos de mãos atadas. Precisamos de alguém para não apenas enfraquecer o regime, mas para nos ajudar a nos libertar. Alguém que entenda que cortar a cabeça da cobra, de Ali Khamenei, é a única maneira de nos libertar.
Binyamin Netanyahu diz que gostaria de ver os iranianos derrubando o governo. Como isso afeta a oposição?
Deixe-me ser claro: nós queremos derrubar este regime. Mas não podemos fazer isso sozinhos, e toda vez que tentamos, somos deixados para morrer em silêncio. As palavras de Netanyahu importam, mas a ação importa mais, e os ataques nos deram uma arma psicológica: a crença de que este monstro pode sangrar.
Se mais ataques vierem, atingindo a liderança da guarda, centros de inteligência, centros de comando, e não civis, então as pessoas se sentirão empoderadas para se levantar. Precisamos saber que não estamos sozinhos.
É aqui que Trump entra. Diga o que quiser, mas quando Trump estava no poder, o regime estava em alerta. Ele eliminou Suleimani. Aquilo abalou o regime até a sua essência. Precisamos disso de novo, alguém que não tenha medo de colocar a faca na garganta da cobra.
De fora, parece que o governo está mais fraco do que nunca. Isso é preciso? Há espaço para alguma mudança de regime?
Sim, este regime está apodrecendo por dentro. Corrupção, brigas internas, economia em colapso, isolamento internacional, está tudo desmoronando. Mas fraqueza não significa colapso, não a menos que alguém ajude a empurrar.
Tivemos tantas chances. Em 2009, 2017, 2019, 2022. Toda vez, gritamos por ajuda. E toda vez o mundo, especialmente sob [o então presidente americano] Joe Biden, nos deu hashtags e palavras vazias. O que precisamos é de pressão. Não sobre o povo, sobre o regime, sobre Khamenei. Chega de meias medidas.
Como está sendo o impacto dos bombardeios no cotidiano?
A vida está tensa. As pessoas estão observando, esperando. Algumas estão aterrorizadas com a guerra, claro, mas outras estão sussurrando, esperando. Talvez este seja o começo de algo maior. Os postos de gasolina estão lotados, os supermercados também, mas não é o caos. É estado de alerta. Estamos acostumados à dor, mas desta vez ela veio com um propósito.
Agora cabe ao Ocidente, especialmente aos EUA. Se eles querem ver um Irã livre, precisam parar de jogar. O povo está pronto. Mas não podemos derrubar este monstro sozinhos, precisamos de alguém para lhe cortar a cabeça.