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Portugal: Líder neonazista convoca atos contra migrantes – 24/08/2024 – Mundo

Gangues que se infiltram em torcidas uniformizadas brandindo suásticas não são novidade nos estádios europeus. O Grupo 1143, no entanto, extrapolou há muito tempo o mundo do futebol. A facção surgiu no estádio do Sporting, um dos dois clubes mais populares de Lisboa –nas faixas instaladas na arquibancada, os torcedores grafavam “SSporting”, com o SS das forças paramilitares nazistas.

Aos poucos o Grupo 1143 ganhou as ruas —em manifestações, às vezes violentas, contra imigrantes— e as redes sociais, onde um de seus líderes, Mário Machado, mantinha um canal no YouTube. Esse canal foi retirado do ar neste mês –e o banimento colocou Machado, o neonazista mais notório de Portugal, de volta às manchetes dos jornais.

“O que espanta não é Mário Machado ter saído do ar, e sim o fato de ter sido o YouTube a tomar essa providência, e não o Ministério Público português”, diz a jurista Ana Gomes, candidata derrotada do Partido Socialista nas últimas eleições para a Presidência da República. “Sabemos quem ele é e o que é o Grupo 1143 há muito tempo.” O número 1143 evoca o ano da fundação de Portugal –o grupo se define como nacionalista.

Mário Machado começou a se tornar uma figura pública em 1995, quando tinha apenas 18 anos. Ele fazia parte de um grupo de skinheads que promoveu uma festa no “Dia da Raça”, feriado nacionalista implantado durante a ditadura de António de Oliveira Salazar, que durou de 1933 a 1968. Depois da comemoração, os skinheads promoveram atos de vandalismo e espancaram imigrantes. Um deles, o cabo-verdiano Alcindo Monteiro, foi assassinado.

Dezessete skinheads foram julgados e condenados dois anos depois, em 1997. Machado estava entre eles, mas pegou uma pena mais branda porque não havia evidências de que participara do assassinato. Saiu da cadeia em 1999. “Ele foi preso por ofensa à integridade física qualificada”, diz seu advogado, José Manuel Castro. Machado voltaria à cadeia novamente de 2013 a 2017 –segundo o advogado, por episódios envolvendo “incitação ao crime” e “danos materiais”.

Na cadeia, Machado fundou o braço português do grupo Irmandade Ariana, surgido no sistema prisional dos Estados Unidos. No intervalo entre as duas prisões, formou um grupo de rock pesado chamado Ódio. Também tentou criar uma gangue de motociclistas –Los Bandidos— para rivalizar com a versão portuguesa dos Hell’s Angels. O episódio acabou em brigas e ameaças de morte, que levaram Machado a processar os Hell’s Angels —vários deles acabaram condenados.

No papel de agressor ou de vítima, Machado continua tendo problemas com a Justiça. Em 2022, ele foi processado pela professora Renata Cambra. O ex-youtuber escreveu em suas redes que todas as mulheres de esquerda mereciam ser estupradas –e citou Cambra nominalmente.

Ela pertence a um pequeno partido trotskista em Portugal, o Movimento Alternativa Socialista (MAS). No início deste ano Machado foi condenado a dois anos e dez meses de prisão por crime de ódio envolvendo discriminação de gênero, mas ainda pode recorrer.

No canal do YouTube, tirado do ar recentemente, Machado vociferava contra imigrantes, feministas e esquerdistas em geral. Também dava dicas de leitura –clássicos da literatura nazifascista dos anos 1930– que incluíam algumas obras antissemitas.

“Ele é contra a imigração de maneira geral, mas admira algumas coisas do Brasil”, diz o cientista político Gabriel Guimarães, autor de um livro sobre ultradireita portuguesa publicado pela renomada editora britânica Palgrave. “Entre elas está o editor gaúcho Sigrified Ellwanger Castán, que traduzia obras nazistas quando ninguém no mundo fazia isso.”

A motivação do YouTube para tirar o canal de Machado do ar surgiu por causa de uma reportagem do The New York Times. O jornal americano publicou uma reportagem sobre como a incitação à violência nas redes pode desembocar em violência real.

O texto começa com um levantamento de mensagens de ódio publicadas por extremistas portugueses, entre eles Machado e seu Grupo 1143. De acordo com o jornal, elas se intensificaram a partir de janeiro de 2024 –e o ódio transbordou para as ruas e para a vida real logo depois.

Em fevereiro deste ano, 200 integrantes de grupos extremistas, incluindo o 1143, manifestaram-se contra imigrantes na Praça Luís de Camões, no bairro do Chiado, um dos cartões-postais da capital portuguesa.

No evento, alguns se cumprimentavam com a saudação romana –braço direito esticado– à maneira dos fascistas italianos. Em abril, neonazistas invadiram o apartamento de dois imigrantes marroquinos no Porto e os agrediram a pauladas. Fotos da residência com móveis empapados de sangue chocaram as redes sociais.

De acordo com Gabriel Guimarães, que é brasileiro e atualmente mora em Mainz, na Alemanha, Machado integra uma dissidência da “nouvelle droite”, “nova direita”, movimento criado na França nos anos 1960. “A nouvelle droite queria recuperar os valores nazifascistas, mas sem usar os símbolos do nazifascismo”, diz Guimarães. “Alguns de seus seguidores entraram para a política tradicional.”

Diogo Pacheco do Amorim, um dos ideólogos do Chega, o maior partido da ultradireita portuguesa, foi um dos primeiros a sofrer influência da “nouvelle droite” em Portugal.

Segundo Guimarães, os movimentos de rua dos quais Machado vem participando desde 1998 defendem as mesmas ideias, mas com duas diferenças. Preferem a briga de gangue à política tradicional, e usam livremente –e de forma provocativa— a iconografia nazifascista. “No final do século passado, eram jovens brancos da periferia das áreas metropolitanas portuguesas, que habitavam os mesmos bairros dos filhos dos imigrantes e puxavam briga com eles.”

Em algum momento, as duas vertentes –a das ruas e a da política tradicional– se encontraram. Mário Machado chegou a apoiar sigla política Ergue-te. “Foi a coisa mais parecida que Portugal teve com um partido fascista clássico, com candidatos concorrendo ao Parlamento apoiados por um movimento uniformizado”, afirma Guimarães.

O uniforme incluía coturnos e camisas polo com louros no peito, inspirado na roupa dos trabalhadores ingleses dos anos 1970. A conexão com a milícia acabou derrubando o Ergue-te, hoje irrelevante no cenário partidário português.

Atualmente, o Grupo 1143 apoia discretamente o Chega. Nas eleições parlamentares deste ano, Machado recomendou o voto no Chega nas redes sociais.

Nesta semana, o Chega defendeu no Parlamento português um plebiscito para limitar a entrada de imigrantes no país. Em sua conta no Telegram, Machado disse que as duas manifestações contra imigrantes organizadas pelo Grupo 1143 neste ano “obrigaram o Chega a ir às ruas”. Ele está programando mais duas para os próximos meses.

A incitação ao ódio nas redes sociais que redunda em crimes e destruição na vida real não se limita a Portugal. A mesma reportagem do The New York Times que provocou o banimento de Machado do YouTube abordou também a recente onda de crimes de ódio no Reino Unido.

No dia 29 de julho, um adolescente nascido no País de Gales atacou a facadas onze crianças que participavam de uma aula de dança na cidade de Southport. Três meninas morreram –uma delas de origem portuguesa— e oito ficaram feridas com gravidade.

Na semana seguinte, grupos de extrema direita espalharam na internet uma notícia falsa, segundo a qual o autor do crime –cujo nome não havia sido divulgado– era um imigrante que chegara ao país clandestinamente, de barco. Seguiu-se uma onda de atos de vandalismo contra mesquitas e uma tentativa de incêndio numa hospedaria que abrigava imigrantes.

No continente europeu, Inglaterra e Portugal não estão entre as nações mais avessas à imigração. Portugal é um dos poucos países que permite que um imigrante entre sem visto e obtenha seus papéis posteriormente.

Embora os registros de discriminação contra imigrantes tenham aumentado recentemente, essa abertura deve continuar. Portugal precisa desesperadamente de imigrantes por ser um país de emigrantes –30% dos jovens saem para tentar a sorte em pedaços mais ricos da União Europeia. Sem os imigrantes e seus impostos, o estado social português quebraria.

Já o Reino Unido é uma das nações que melhor integra estrangeiros à força de trabalho. Reportagem publicada na revista The Economist em março deste ano mostrou que a maior parte dos imigrantes que chegam ao país consegue trabalhar em sua área de especialização.

É comum ser atendido por um médico indiano no serviço de saúde britânico —enquanto em vários países da União Europeia as barreiras para legalizar diplomas levam médicos, engenheiros ou advogados a trabalhar na construção civil ou como motoristas de aplicativo.

Segundo a The Economist, cada vez mais os britânicos estão convencidos das vantagens de ser uma nação multicultural. Manifestações a favor da imigração, nos dias que se seguiram ao assassinato das crianças, superaram com folga as demonstrações da extrema direita.

O mesmo ocorreu em Portugal, em que comícios em defesa dos imigrantes tiveram maior público que as manifestações do Grupo 1143 e outras gangues extremistas. Nos dois países, os racistas fazem barulho e cometem crimes violentos que precisam ser punidos exemplarmente —mas são minoria.

Fonte: Folha de São Paulo

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