O Brasil nunca teve uma tradição sólida de acompanhar política internacional com profundidade. Mas esse desinteresse vem sendo desafiado por um contexto geopolítico cada vez mais urgente: vivemos em um mundo com pelo menos duas guerras abertas, a resiliência de regimes autoritários, o avanço de uma nova ultradireita e os efeitos globais de lideranças personalistas como a de Donald Trump.
É nesse cenário que o podcast espanhol “No Es El Fin Del Mundo”, produzido pelo think tank El Orden Mundial (EOM), oferece uma proposta original, acessível e provocadora. Criado em 2012 por um grupo de jovens analistas em Madri, o EOM nasceu como um blog de política externa e se transformou em uma das principais referências em análise internacional na Espanha. Além do podcast, mantém uma revista impressa, boletins informativos e uma forte presença em redes sociais.
O podcast —vencedor do Prêmio Ondas 2025 como melhor podcast conversacional— aposta em episódios semanais monotemáticos, com cerca de uma hora e meia de duração. Apresentado por Fernando Arancón e sua equipe, o programa convida especialistas e jornalistas a explorar os principais temas da política global, sempre com um olhar contextualizado, bem-humorado e culturalmente informado. Cada episódio traz também sugestões de livros, filmes e séries que ajudam a aprofundar o tema discutido.
Um dos capítulos mais recentes revisita a série “Mad Men”, dez anos após seu final, para refletir sobre a construção do “american way of life” e a sociedade de consumo nos EUA. Através da publicidade e da tortuosa história de Don Draper, o episódio desmonta os mitos fundadores da masculinidade, da ascensão social e da nostalgia política hoje utilizados por figuras como Trump e seu slogan “Make America Great Again”.
Outro episódio mergulha na história do México e se pergunta por que o país, com população, cultura e localização geopolítica estratégicas, nunca se firmou como uma grande potência. Passando pela ditadura de Porfirio Díaz, a Revolução Mexicana, o PRI e o governo AMLO, o episódio analisa os obstáculos históricos e estruturais do país, incluindo o narcotráfico e a relação de dependência com os EUA.
Em “La Geopolítica del Libro”, os apresentadores discutem a força simbólica das ideias, o papel da indústria editorial e os conflitos de poder envolvidos no que é publicado, censurado ou esquecido. De “O Nome da Rosa” a “A Menina que Roubava Livros”, o episódio traça a geopolítica da leitura em tempos de algoritmos e inúmeras distrações.
Há também uma imersão na trajetória de Marine Le Pen, sua reconfiguração do discurso da extrema-direita francesa e os bastidores de sua construção como candidata “aceitável”. A presença do cientista político Franco Delle Donne ajuda a contextualizar a transformação do discurso xenófobo do pai em nacionalismo cultural e estratégia de guerra ideológica.
Em outro episódio, os apresentadores refletem sobre a história do jornalismo de guerra, inspirado no lançamento do filme sobre Lee Miller. De Hemingway a Svetlana Alexievich, passando por Orwell, Kapuściński e Lara Feigel, o programa debate como correspondentes moldaram —e ainda moldam— a forma como o público compreende os conflitos armados.
Outros episódios abordam a ascensão do nazismo, o que foi a Cool Britannia, a morte do papa Francisco e o pensamento político de líderes como Trump, Recep Erdogan e Giorgia Meloni —todos os temas tratados com seriedade, sem prejuízo da informalidade, ironia e inteligência.
Ouvir “No Es El Fin Del Mundo” é abrir uma janela para o mundo a partir de Madri, mas sem provincianismo. É uma tentativa bem-sucedida de tratar de política internacional com densidade e ritmo, sem jargão e sem catastrofismo. Ainda não é o fim do mundo. Mas convém entender o que está acontecendo nele.