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Paquistão volta a ter chuvas intensas 2 anos após tragédia – 06/09/2024 – Ambiente

Em uma noite recente, enquanto fortes chuvas de monção caíam, Fauzia e 15 de seus familiares se encolheram sob uma tenda improvisada, com o topo feito grandes pedaços de plástico.

Dois anos atrás, sua casa foi danificada em algumas das piores inundações já ocorridas no Paquistão, uma catástrofe que deixou mais de 1.700 pessoas mortas e afetou 30 milhões. Sua família reconstruiu três cômodos com dinheiro emprestado e a venda de gado. Mas, com as chuvas torrenciais retornando este ano, sua casa foi danificada novamente, forçando-os a se abrigar na tenda durante as tempestades. Suas lembranças de 2022 os enchem de medo.

“Nossos filhos estão aterrorizadas com a chuva agora”, disse Fauzia, que, como muitas mulheres no Paquistão rural, é conhecida por um nome. “Sempre que chove ou o vento aumenta, elas se agarram a nós e choram, ‘Vamos nos afogar'”.

Enquanto chuvas excepcionalmente fortes castigam o Paquistão durante esta temporada das monções, Fauzia é uma entre milhões em todo o país que mal haviam acabado de se recuperar das devastadoras inundações de 2022 e agora estão se preparando para a possibilidade de perder o que reconstruíram.

Essa perspectiva tem gerado indignação entre alguns paquistaneses, que afirmam que as autoridades não se prepararam adequadamente para as últimas inundações, que mataram pelo menos 285 pessoas desde 1º de julho, de acordo com a Autoridade Nacional de Gestão de Desastres.

Entes governamentais afirmam ter tomado medidas como implementar sistemas de alerta precoce e fortalecer os diques ao longo dos principais rios. Mas críticos dizem que a instabilidade política, econômica e de segurança do Paquistão empurrou a recuperação das inundações e as medidas de mitigação das mudanças climáticas para o fim da fila das prioridades do governo.

Grupos ambientais criticaram o governo pelo que chamaram de esforços de socorro atrasados e insuficientes; infraestrutura de baixa qualidade, especialmente em áreas rurais despreparadas para desastres em larga escala; e questões generalizadas de corrupção, má gestão e falta de coordenação entre agências.

Nas últimas semanas, o Paquistão tem sido afetado tanto por fortes chuvas quanto por temperaturas excepcionalmente altas que aceleraram o derretimento da neve em suas regiões montanhosas do norte. A água de degelo se transformou em rios caudalosos, encharcando o sul.

As chuvas torrenciais devem continuar por semanas, de acordo com o Departamento Meteorológico do Paquistão.

No distrito remoto de Upper Dir, na província noroeste de Khyber Pakhtunkhwa, um deslizamento de terra provocado por fortes chuvas de monção atingiu uma casa no final da semana passada, matando 12 pessoas, a maioria crianças.

A província de Baluchistão, no sudoeste, também está lidando com inundações generalizadas. A infraestrutura foi danificada e serviços vitais foram interrompidos, incluindo o fornecimento de gás para vários distritos —entre eles Quetta, a capital provincial.

Especialistas têm relacionado as inundações no Paquistão nos últimos anos às mudanças climáticas, com as chuvas se tornando mais intensas durante a estação de monções, que vai de julho a setembro. O desastre de 2022 causou um prejuízo estimado de US$ 30 bilhões, o equivalente a quase 9% da produção econômica anual do país.

As águas da inundação deixaram cicatrizes profundas nas aldeias da província de Sindh, no sul, onde Fauzia vive com sua família. Sindh, localizada a jusante das outras províncias do Paquistão, no sudeste do país, suportou o pior das inundações de 2022. Quase 1.100 pessoas na província morreram e cerca de 8 milhões foram deslocadas.

A aldeia de Fauzia fica no distrito de Dadu, um dos mais atingidos pelas inundações de dois anos atrás. A aldeia se chama Allah Bachayo, que significa “Deus salva”. As fortes chuvas que causaram as inundações de 2022 duraram mais de 24 horas, disse Fauzia, inundando toda a região. A família sobreviveu indo para o topo de um barranco de um canal próximo.

As recentes chuvas torrenciais apenas agravaram o sofrimento. “A água da chuva acumulada do lado de fora de nossas casas tem nos causado uma ansiedade imensa e trazendo de volta memórias traumáticas das inundações de 2022”, disse Fauzia, com o olhar fixo na água parada.

Os esforços de reconstrução do governo ainda não conseguiram reparar totalmente os danos. A eletricidade continua escassa depois que as inundações danificaram severamente a infraestrutura elétrica. Muitas pessoas estão vivendo em barracas improvisadas perto de suas casas destruídas, e as crianças ainda não têm acesso à educação.

Após o desastre, o governo de Sindh anunciou um plano para reconstruir 2,1 milhões de casas. Mas muitos moradores reclamam que apenas uma fração da assistência prometida foi entregue.

Para aqueles que receberam a ajuda, o pagamento de reconstrução —US$ 1.078 (cerca de R$ 6.000) em três parcelas— é insuficiente para construir sequer um pequeno cômodo, sem cozinha.

Shahzadi, uma mulher de cerca de 50 anos, teve que complementar a assistência do governo vendendo suas cabras e joias, arrecadando um adicional de US$ 450 (R$ 2.500) para a construção.

Numa tarde recente, ela e sua filha trabalharam incansavelmente ao lado de um pedreiro, misturando cimento e repassando blocos de concreto, para economizar nos custos de mão de obra. “Não podemos pagar dois ajudantes US$ 22 [R$ 122] por dia cada”, disse ela, com as mãos sujas de lama. Ela disse que o custo dos materiais de construção havia dobrado desde as inundações de 2022.

Antes do desastre, Shahzadi morava em uma casa de três quartos com sua família. Desde então, passaram dois longos anos vivendo em barracas.

Quanto à sua nova casa de um quarto, “não é um lar; é um meio-termo”, disse ela com um suspiro, olhando para a estrutura ainda inacabada. “Mas pelo menos nossos filhos podem viver em um quarto em vez de sob o céu aberto.”

A crise nas aldeias foi agravada por dois anos consecutivos de baixa produção de colheitas, resultado de danos aos sistemas de irrigação. Mesmo sem energia elétrica restaurada, os aldeões reclamam que continuam recebendo contas de eletricidade.

Em Sindh, os agricultores geralmente cultivam duas safras por ano. Eles colhem arroz e algodão no outono e depois começam a plantar trigo por volta do final de outubro ou novembro.

Maqbool Ahmed, um pequeno proprietário de terras de 55 anos, não conseguiu plantar trigo em 2022, pois levou cinco meses para a água recuar de seus campos.

Este ano, Ahmed plantou arroz em apenas metade de suas terras, temendo outra inundação. Seus medos se confirmaram —as monções mais uma vez inundaram sua colheita.

“Neste clima incerto, agricultores não podem cultivar nada”, disse ele. “Isso só levará a mais perdas.” Ahmed, como muitos outros agricultores, acumulou dívidas esmagadoras depois que sua casa e terras sofreram danos.

Muitas famílias ainda não retornaram após serem deslocadas pelas inundações de 2022. Dezenas de milhares vivem em condições precárias nas favelas de Karachi, uma cidade portuária já superlotada com mais de 20 milhões de habitantes.

Essas famílias deslocadas, que levavam uma vida rural e na agricultura, estão lutando para se adaptar à vida imprevisível da cidade.

Masooda, uma mãe de três filhos de 35 anos, está dividindo uma casa alugada apertada em Karachi com outras duas famílias deslocadas, pagando US$ 53 (R$ 295) por mês de aluguel e eletricidade. A casa de sua família em Dadu, feita de barro e palha, foi levada pela água há dois anos.

Apesar das dificuldades, Masooda expressou gratidão pela subsistência, por mais precária que seja, que Karachi oferece. Seu marido, cuja visão piorou, ganha por dia cerca de US$ 2 (R$ 11) consertando sapatos com a ajuda de seu filho de 5 anos.

“Pelo menos aqui meu marido pode trabalhar e temos um teto sobre nossas cabeças”, disse ela. “É mais do que teríamos se voltássemos.”

Fonte: Folha de São Paulo

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