Centenas de palestinos saíram às ruas no norte da Faixa de Gaza para exigir o fim da guerra, muitos deles entoando cantos contra o Hamas, mostram vídeos publicados nas redes sociais na noite desta terça-feira (25). Trata-se de uma rara demonstração pública de oposição ao grupo terrorista que controla o território.
A região norte, uma área densamente povoada onde fica a Cidade de Gaza, é uma das mais afetadas pelos combates. Mais de 15 meses de bombardeios israelenses reduziram boa parte do território a escombros, o que forçou nove em cada dez moradores a se deslocar internamente em 2024, segundo a ONU —muitas deles, diversas vezes.
Vídeos e fotografias compartilhados nas redes sociais mostraram protestos na área no dia 25 de março. Em algumas publicações, manifestantes pedem o fim da guerra por meio de faixas e cânticos. Em outras, é possível vê-los gritando contra a facção. “Fora, fora, fora, Hamas, fora”, falavam os palestinos, entre edifícios danificados de uma rua empoeirada que parecia ser de Beit Lahia.
Uma testemunha, que não quis divulgar seu nome por medo de represálias, afirmou à Reuters que o ato foi espontâneo, motivado pelo cansaço da população em relação à guerra.
A agência de notícias conseguiu confirmar a localização do vídeo por meio de edifícios, postes e pelo desenho de estradas, que correspondem a imagens de satélite da área, mas não pôde verificar de forma independente a data dos atos.
Basem Naim, funcionário de alto escalão do Hamas, disse que as pessoas tinham direito de protestar contra o sofrimento causado pela guerra, mas citou o que considera “agendas políticas suspeitas” explorando a situação. “O que está acontecendo na Cisjordânia?”, perguntou. “Por que não protestam contra a agressão lá ou permitem que as pessoas saiam às ruas para denunciar essa agressão?”
Os comentários refletem as discordâncias entre os grupos palestinos no que diz respeito ao futuro de Gaza. Eles foram feitos, aliás, horas após o Fatah ter pedido ao Hamas para “responder ao chamado do povo palestino na Faixa de Gaza”.
O Fatah, que governa a Cisjordânia, controla também a Autoridade Palestina, criada nos Acordos de Oslo para administrar temporariamente o território ocupado por Israel antes da criação de um Estado palestino independente —o que nunca se concretizou. A entidade exclui o Hamas, que ganhou as eleições na Faixa de Gaza em 2006.
Ataques de Israel já mataram mais de 50 mil palestinos até agora no território, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas. A campanha militar de Tel Aviv, lançada contra uma das regiões mais densas do mundo, foi lançada após atentados liderados pela facção no dia 7 de outubro de 2023 matarem 1.200 pessoas e sequestrarem 251 como reféns em Israel, desencadeando o atual conflito no Oriente Médio.
Após um breve cessar-fogo de dois meses, a guerra foi retomada com bombardeios de Israel em Gaza na semana passada. Desde então, mais de 700 pessoas morreram, principalmente mulheres e crianças, segundo autoridades de saúde do território.
Os ataques semearam pânico entre centenas de milhares de pessoas que haviam retornado ao que restou de suas casas após fugirem para o sul de Gaza no início da guerra. Segundo a testemunha dos protestos que falou com a Reuters, a retomada dos bombardeios e as ordens de evacuação israelenses deixaram a população sem saber o que fazer, uma vez que quase todo o território está em ruínas.
Embora as negociações oficiais que tentam retomar o cessar-fogo continuem, houve poucos sinais de um avanço sobre questões centrais, incluindo o futuro governo de Gaza —desde o início do conflito, Israel afirma que o objetivo da guerra é eliminar o Hamas.
O grupo terrorista assumiu o controle de Gaza em 2007, após seus membros enfrentarem o Fatah nas ruas do território palestino em uma sangrenta guerra civil que deixou ao menos 161 mortos. Os combates sucederam as eleições de 2006, que impuseram uma derrota ao grupo que governo a Cisjordânia.
Desde então, o Hamas rege o território, deixando pouco espaço para oposição. É comum que palestinos expressem cautela ao falar publicamente contra o grupo por medo de represálias.
Os dois movimentos estão em desacordo há anos e não conseguiram superar as diferenças sobre o futuro pós-guerra de Gaza, que a Autoridade Palestina diz que deve ficar sob sua autoridade. Embora expresse disposição para se afastar de uma participação ativa no governo, o Hamas diz que deve estar envolvido na seleção de qualquer gestão que venha a seguir.