Bajulado pelo comando da Otan, o presidente Donald Trump voltou a colocar em dúvida nesta terça (24) seu comprometimento com a defesa dos outros 31 membros do clube militar fundado pelos Estados Unidos em 1949 para deter Moscou na Europa.
Ele o fez no avião presidencial Air Force One, pouco antes de aterrissar em Haia, terra natal do novo secretário-geral da aliança, Mark Rutte, que comanda até a quarta (25) sua primeira cúpula do grupo.
Questionado por repórteres sobre o artigo 5 da carta da Otan, que prevê defesa mútua em caso de agressões externas, ele tergiversou. “Eu estou comprometido em salvar vidas, em vida e segurança. Eu lhe darei uma definição exata quando chegar lá”, disse.
Ato contínuo, Rutte correu a jornalistas para dizer que estava certo do total comprometimento de Washington com a defesa de seus parceiros europeus, embora Trump e seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, falem constantemente no contrário.
Trump chegou ao ponto de dizer, várias vezes, que quer tomar à força a Groenlândia —um território autônomo da Dinamarca, país integrante do bloco. Em seu primeiro mandato, o desengajamento fez o presidente francês, Emmanuel Macron, dizer que a aliança estava em “morte cerebral”.
Para piorar as coisas, o presidente postou uma imagem de seu celular com uma mensagem enviada pelo secretário-geral. Nela, Rutte o parabeniza por entrar ao lado de Israel na curta guerra contra o Irã, mas logo toca música para Trump.
“Você estará voando para outro grande sucesso em Haia nesta noite. Não foi fácil, mas conseguimos que todos assinassem os 5%”, escreveu, acerca da meta de 5% do PIB de gasto com defesa da aliança defendida por Trump.
“Você vai alcançar algo que NENHUM presidente americano conseguiu em décadas. A Europa vai pagar de uma forma GRANDE, como deveria, e isso será sua vitória”, completou Rutte, usando as maiúsculas que viraram marca registrada das postagens do americano.
Foi uma genuflexão política e tanto. Por ora, apenas a Espanha se manifestou contrária à nova meta, ante a atual de 2%, tendo sido admoestada por Trump. Madri, que tem uma economia relativamente grande, é o país que menos gasta proporcionalmente em defesa no bloco, 1,28% do PIB em 2024.
A cúpula deverá aprovar um documento com a meta como recomendação. Evidentemente, é um processo longo, dado que hoje 23 de seus 32 membros gastam mais do que os 2% recomendados.
Os valores são brutais, e o Reino Unido achou uma saída engenhosa para diluir a fatura: 1,5% dos 5% serão referentes a infraestrutura ligada ao setor defensivo, o que pode ser qualquer coisa, como uma estrada.
Apesar de ser a maior preocupação de segurança europeia em décadas, a Guerra da Ucrânia não está sendo elevada ao primeiro plano, e sim o renovado comprometimento europeu com gastos de defesa.
Todas as grandes economias, de resto sede das principais e potencialmente favorecidas empresas bélicas, já anunciaram mais gastos e planos de expansão.
Mesmo a reticente Alemanha, que sempre ficou abaixo da meta da Otan, a alcançou em 2024 e retirou travas constitucionais de dispêndio para liberar compras militares. Para um país com o passado do militarismo prussiano e o nazismo, que sempre levaram a políticas restritivas no setor e a dependência total dos EUA, foi uma mudança cardeal.
A Ucrânia, claro, é incontornável e é citada em falas, mas não tem o protagonismo que teve nas três edições passadas da cúpula da Otan, já sob ataque de Vladimir Putin.
O presidente Volodimir Zelenski foi a Haia e pintou um quadro sombrio, como de costume, basicamente dizendo que seus anfitriões serão os próximos caso Putin vença a guerra. Trump discorda disso, e abriu as portas para uma negociação que por ora só rendeu troca de prisioneiros entre os rivais.
“A Rússia está até planejando novas operações militares em território da Otan, seus países”, disse ele, sem elaborar. Sua fala foi temperada pela notícia de que um raro ataque diurno dos russos no sudoeste da Ucrânia matou 17 pessoas nesta terça.
Zelenski deve se encontrar com Putin. É temerário fazer previsões acerca do mercurial presidente americano, mas salvo alguma reviravolta não é esperado que o ucraniano saia de Haia com algo mais do que a boa vontade de Trump, que notoriamente não gosta dele.
Promessa de dinheiro, haverá. Os países europeus do bloco querem anunciar US$ 35 bilhões em ajuda militar futura a Kiev, mas o que todos querem saber é se os EUA irão manter seu apoio ou não.
Como a Folha mostrou, no geral a resposta é não, e isso se estende à Otan. Os planos atuais da aliança já tratam alguma guerra com a Rússia como uma realidade até 2030.
Em Moscou, o Kemlin disse que a aliança abraçou a militarização aberta e usa a demonização da Rússia como desculpa para gastar o dinheiro em armas. Segundo o porta-voz Dmitri Peskov, é um “esforço em vão”, até porque não interessa a Putin atacar a Otan.
Ele não cita o fato de que a Rússia elevou seu gasto militar a 7% do PIB e hoje despende, em termos de paridade de poder de compra, mais dinheiro do que todos os sócios europeus da Otan. Rutte exemplificou isso, dizendo que é “inaceitável que a produção militar russa seja maior do que toda a nossa”.