Ela pode acontecer desde antes da concepção até o primeiro ano de vida do bebê. A prevalência, contudo, é subnotificada. “Isso acontece também pelo desconhecimento dos próprios profissionais de saúde, de que homens podem ter comprometimento de saúde mental durante o período perinatal”, aponta a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do Instituto Mater Online.
Para a psicóloga Juliana Tfaune, do Instituto Sedes Sapientiae (SP), a saúde mental, como um todo, ainda é um tabu, pela dificuldade em mostrar a vulnerabilidade emocional. A associação com a parentalidade traz um peso adicional. Para os homens, pode ser ainda mais complicado.
“Eles são ensinados, desde pequenos, que ‘homem não chora’ e que falar ou expressar sentimentos é sinal de fraqueza”, diz ela. “Eles tardam muito a buscar ajuda e isso tem um impacto para toda a família”, acrescenta. Segundo a especialista, parceiras de homens com diagnóstico de depressão tem de 25 a 50% mais chances de desenvolver o mesmo quadro.
A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo lembra que os homens já tendem a não procurar ajuda profissional nem para a saúde física, muito menos para a saúde mental.
“O estereótipo de masculinidade acaba prejudicando a eles mesmos, que ficam com vergonha de buscar profissionais de saúde e de saúde mental, demorando muito mais para obter um diagnóstico e iniciar um tratamento. Então, isso só acontece quando o quadro está mais grave”, explica.
A depressão pós-parto no homem
A romantização da maternidade fez com que, durante muito tempo, a depressão pós-parto fosse associada somente com alterações hormonais. Afinal, esta seria uma justificativa biológica para que uma mulher ficasse triste com a maternidade.
No entanto, estudos mostraram que não é bem assim. “Os sintomas de depressão na mulher acontecem desde a gestação e não somente no pós-parto. Tanto que, hoje, se fala de depressão perinatal. Nos homens, também é possível já observar sintomas de depressão durante a gestação das parceiras, embora os estudos sejam ainda muito recentes e muito tímidos no número de participantes”, lembra a psicóloga Rafaela.
Segundo ela, os fatores de risco não são apenas hormonais, mas envolvem questões como o não planejamento da gravidez, transtornos mentais prévios, baixa escolaridade, dificuldades financeiras, o número de filhos, histórico de familiares com transtornos mentais, história de vida na infância, a relação com os próprios pais, entre outros.
Causas da depressão pós-parto masculina
“Não é algo unidirecional. São muitos fatores. Quanto mais fatores de risco, maior a chance de apresentar os sintomas de depressão”, afirma.
Os pais também passam por transformações emocionais e sociais com o nascimento de um filho. “A paternidade traz mudanças significativas e expectativas baseadas nos papéis de gênero, como ser o provedor financeiro, sustentar uma família, ser forte e eficiente no trabalho, além de dividir a criação e cuidado das crianças”, aponta Juliana.
Ela lembra que há um aumento de estresse e alterações práticas, como a mudança na rotina do sono. “Tudo isso favorece uma maior abertura para o desenvolvimento de quadros depressivos e psiquiátricos, principalmente se há um contexto maior de vulnerabilidade”, observa.
A depressão perinatal em homens pode ter fatores genéticos, como vir de uma família que apresenta transtornos mentais. As alterações hormonais também podem estar envolvidas. No entanto, a condição se desenvolve muito mais por motivos psicológicos, culturais e sociais.
“A chegada de um filho implica diversas alterações, como mudanças na dinâmica familiar, preocupações financeiras e a necessidade de adaptação a novas responsabilidades. Esses fatores têm potencial para influenciar o equilíbrio hormonal e contribuir para episódios depressivos”, diz Juliana.
O relacionamento com a parceira também pode ter um impacto importante. Há transformações na intimidade, na disposição e no tempo para cultivar a relação, com a chegada do bebê. Há casos ainda em que a relação já não estava tão boa e a chegada do filho acrescenta uma camada importante para o casal administrar. Quando a mulher tem depressão, as chances de o homem também apresentar o transtorno aumentam.
Sintomas da depressão pós-parto no pai
Identificar a depressão pós-parto masculina envolve a observação dos sinais, que incluem:
- Tristeza persistente
- Perda de interesse em atividades previamente prazerosas
- Alterações significativas no peso ou no apetite
- Insônia ou aumento do sono
- Sentimento de culpa ou inutilidade
- Autocrítica
- Ansiedade
- Isolamento
- Dificuldade de concentração
- Pensamentos sobre morte ou ideação suicida
- Hiper envolvimento no trabalho
- Uso excessivo de videogames, internet, jogos ou pornografia
- Prática compulsiva de exercícios físicos ou atividades sexuais
- Episódios de uso abusivo de substâncias psicoativas, como álcool ou outras drogas
- Comportamentos de risco ou agressivos
- Ataques de raiva
- Desinteresse pela vida familiar
Relacionamentos extraconjugais
Os sintomas da depressão pós-parto são os mesmo de uma depressão em qualquer outra fase da vida. “O que acontece é que, para chamar de depressão perinatal, os sintomas são diagnosticados nesta fase da vida, na gestação ou após o nascimento de um filho”, diz Rafaela.
“Caso a tristeza e a falta de interesse em atividades durem mais de duas semanas, combinado com outros sintomas mencionados, é recomendado procurar um psicólogo ou psiquiatra especializado em saúde mental perinatal”, alerta Juliana.
Diagnóstico da depressão pós-parto no homem
“O diagnóstico de depressão pós-parto masculina pode ser feito pelo psicólogo perinatal, que vai ouvir a queixa e identificar os sintomas de depressão no discurso”, diz Rafaela. Ela explica ainda que existem testes psicológicos que podem ser utilizados para fazer essa avaliação.
Um deles é o inventário de depressão de Beck, um questionário com perguntas de múltipla escolha, aplicado pelo psicólogo, e que pode ser usado em homens e mulheres, em qualquer fase da vida, incluindo o período perinatal.
“De acordo com a pontuação, conseguimos identificar os sintomas de depressão”, aponta a especialista. Outro exemplo é a escala de depressão pós-parto de Edimburgo, que pode ser usado também durante a gestação. A validade também já foi demonstrada em homens.
Tratamento da depressão pós-parto masculina
O primeiro passo é identificar que há um problema e, muitas vezes, o homem precisa de ajuda para isso. “Os homens enfrentam desafios relacionados aos estereótipos da masculinidade, que associam vulnerabilidade ou pedido de ajuda à fraqueza”, aponta Juliana.
“Isso pode resultar na negação de problemas de saúde mental e na hesitação em buscar apoio. A família pode abordar o tema, incentivar a terapia e compartilhar experiências para ajudar. O acesso à literatura, filmografia e a grupos de discussão sobre masculinidade pode ser informativo”, sugere.
Quanto antes ele procura essa ajuda profissional e consegue o diagnóstico, melhores as chances de tratamento. Também é importante buscar alguém que entenda, de fato, de sua condição. “Não é qualquer psicólogo, mas um psicólogo perinatal”, destaca Rafaela.
“É ele que tem o conhecimento desta área em específico. Se for uma depressão leve, a psicoterapia dá conta, mas, se o quadro for de moderado à grave, pode ser necessário envolver um psiquiatra, já que pode haver necessidade de medicação”, explica ela.
Algumas das opções terapêuticas para a depressão pós-parto ou perinatal masculina são:
- Psicoterapia com profissional especializado em saúde mental perinatal;
- Uso de medicação psiquiátrica, se necessário;
- Manejo de estresse;
- Rede de apoio;
- Participação em grupos de homens ou pais que discutem o tema da paternidade e masculinidade.
Impactos da depressão pós-parto no homem
Nos casos em que o pai continua tentando esconder ou ignorar os sintomas, em vez de se abrir com a parceira e buscar ajuda profissional, o problema pode se agravar e gerar impactos, que podem prejudicar a família.
Segundo a psicóloga Juliana, o quadro pode se tornar crônico, além de interferir negativamente na relação conjugal, no vínculo com o bebê e até no desenvolvimento da criança. “Estudos sugerem que a depressão paterna não tratada pode estar associada ao risco ou atraso do desenvolvimento infantil.
Pais com depressão têm menor capacidade de acolher o bebê, são menos tolerantes ao choro, e menos disponíveis para o exercício do cuidado”, diz ela.
Vale lembrar ainda a importância de seguir o tratamento, já que alguns pais iniciam as terapias, fazem algumas sessões e, ao sinal de alguma melhora, abandonam tudo. É preciso seguir as recomendações, para que o problema não persiste ou retorne, influenciando na saúde do homem e em suas relações e atividades.
Buscar ajuda de um psicólogo especializado para uma avaliação é essencial ao notar os sintomas. “Se o pai está sentindo medo, culpa, ansiedade, tristeza, é preciso notar que já são sintomas de depressão.
Então, é hora de procurar ajuda. Se está na dúvida, mas percebe que se sente estranho, com um comportamento e emoções estranhas, se não se reconhece, procure auxílio”, recomenda Rafaela. Qualquer desconforto emocional deve ser levado a sério.
“Se o profissional fizer uma avaliação e ver que está tudo bem, vai passar uma orientação, oferecer um acolhimento, algumas sessões reduzidas. Porém, se perceber que, sim, os sintomas são de depressão ou de qualquer outro transtorno mental neste período perinatal, ele já inicia o acompanhamento psicoterapêutico e, se necessário, faz o encaminhamento para o psiquiatra”, explica a psicóloga.
Prevenção da depressão pós-parto no homem
Sim, a depressão pós-parto pode ser prevenida nos homens também. Para isso, é importante que ele se prepare para a gravidez e para a chegada do filho, juntamente com sua parceira. “Existe uma técnica chamada pré-natal psicológico, feita com o psicólogo perinatal”, diz Rafaela.
“O pré-natal psicológico pode ser feito tanto em casal, como em grupo ou também individual”, explica. Ao longo do processo, o profissional vai investigar fatores de risco e fatores de proteção, preparar o pai para as próximas etapas, fazendo um trabalho completo de prevenção.