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O grande estímulo foi um grande erro? – 06/09/2023 – Paul Krugman

A política econômica dos Estados Unidos em 2021 foi recebida por uma tempestade de críticas de muitos economistas. Não estou falando apenas dos legalistas republicanos, que sempre preveem um desastre quando um democrata chega à Casa Branca. Até os economistas democratas, ou tecnocratas relativamente apolíticos, foram contundentes em suas denúncias.

Assim, Larry Summers, que era efetivamente o economista-chefe da administração Obama, criticou as leis de gastos do presidente Joe Biden como a “política macroeconômica menos responsável que tivemos nos últimos 40 anos”. O economista Mohamed El-Erian, que costuma ser cauteloso em seus pronunciamentos, declarou que o Federal Reserve cometeu um erro histórico ao não aumentar as taxas de juros em 2021.

Sublinhando estas palavras duras, havia a tese de que não só iríamos passar por um período de inflação elevada –no que os críticos acertaram e eu errei–, mas também de que retomar o controle da inflação seria extremamente doloroso, envolvendo provavelmente anos de taxas de desemprego muito altas.

Mas a economia desafiou essa terrível previsão. A inflação baixou, apesar do contínuo fortalecimento do emprego. Se as escolhas políticas de 2021 causaram algum dano duradouro, este é invisível nos dados. Portanto, vamos falar sobre onde está a economia agora e perguntar que danos duradouros, se houver, a política inicial da administração Biden pode ter causado.

O primeiro ponto é que registramos um progresso notável contra a inflação, tanto que parece quase surreal mesmo para otimistas como eu. Uma boa forma de ver as boas notícias é comparar algumas estimativas padrão da inflação “subjacente” (ou seja, medidas que tentam extrair o sinal do ruído) ao longo de diferentes horizontes de tempo.

Duas dessas medidas para o indicador de inflação preferido do Fed, o deflator de despesas de consumo pessoal –uma que exclui os preços voláteis dos alimentos e da energia, e outra que exclui todos os grandes movimentos de preços–, produzem quase o mesmo resultado: inflação abaixo de 3% nos últimos três meses, inferior à taxa dos últimos seis meses, que por sua vez está abaixo da taxa do ano passado. Isto é o que se espera ver se a inflação estiver caindo de forma constante em direção a algo próximo da meta de 2% do Fed.

Ainda vejo frequentemente declarações no sentido de que, embora tenhamos feito progressos contra a inflação, resta muito trabalho a ser feito. Mas os dados dizem que estamos quase lá, e os pessimistas da inflação parecem empenhados em esforços quase desesperados para encontrar justificativas para seu pessimismo.

E todo esse progresso foi alcançado sem custos visíveis em termos de empregos. Na verdade, o emprego se recuperou com uma velocidade impressionante da crise da Covid. Depois do início da última recessão, em dezembro de 2007, demorou mais de uma década para se conseguir uma recuperação plena do emprego. Desta vez, estávamos acima do emprego pré-Covid em três anos. A desinflação não parece exigir qualquer sacrifício, muito menos a elevada “taxa de sacrifício” –muito desemprego para reduzir a inflação– que muitos previam.

Ainda assim, a inflação não afetou os salários dos trabalhadores? Na verdade, não.

Os dados salariais têm sido complicados nos últimos anos. Durante o pior momento dos confinamentos pandêmicos, as perdas de emprego se concentraram entre os trabalhadores dos serviços com salários mais baixos, por isso o salário médio disparou simplesmente porque os mais mal pagos não faziam parte da média, e depois desceu à medida que as coisas voltaram ao normal. Neste ponto, porém, a maioria desses efeitos provavelmente já ficou para trás. E o salário real do trabalhador médio –o salário médio por hora dividido pelos preços ao consumidor– é mais elevado agora do que antes da pandemia. Os preços são mais altos, mas foram superados pelos salários.

A economia de hoje, portanto, parece estar em muito boa forma. Houve um aumento da inflação em 2021-2022, mas parece ter sido, sim, transitório. Então, será que os decisores políticos cometeram realmente um erro histórico ao não agirem mais cedo contra a inflação?

Na verdade, há bons argumentos econômicos de que um aumento temporário da inflação foi exatamente o que o médico receitou. A pandemia foi um enorme choque que perturbou as cadeias de suprimento e alterou a combinação de bens e serviços exigidos pelos consumidores. Como resultado, foi necessário que os preços de alguns bens subissem em relação aos preços de outros. E foi mais fácil conseguir esse ajuste nos preços relativos aumentando os preços dos bens que eram escassos, em vez de reduzir os preços dos bens que não o eram. Uma explosão inflacionista limitada, como a que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, foi sem dúvida a resposta certa –pelo menos em termos econômicos estritos.

Se você quiser argumentar que os decisores políticos cometeram um erro histórico em 2021, penso que essa tese deve se basear na proposição de que mesmo uma explosão temporária da inflação causou danos psicológicos duradouros, ou, talvez ainda mais importantes, políticos.

Não há dúvida de que a percepção pública da economia é muito pior que a realidade econômica. Quando comecei a defender essa tese, recebi muitas críticas de jornalistas que argumentavam que o público tinha bons motivos para se sentir mal. Neste ponto, porém, é mais ou menos impossível negar que há algo estranho na visão negativa do público sobre uma economia muito boa.

Existem provavelmente diversas razões para essa desconexão, mas uma possibilidade é que o súbito ressurgimento da inflação tenha chocado os americanos que haviam se habituado à estabilidade de preços e que ainda não se recuperaram desse choque.

Se isso for verdade, pode ser que as políticas de 2021 tenham sido uma boa economia, mas uma má política. Essa visão, contudo, depende da medida em que a aceleração da inflação pode ser atribuída a essas políticas, o que não é totalmente óbvio.

Tem havido alguns esforços para modelar essa questão, por exemplo, uma análise da Bloomberg sugerindo que mesmo que o Fed tivesse agido mais cedo não teria feito muita diferença. Neste ponto, porém, há tantas divergências entre os modeladores econômicos que não creio que apelar para os resultados do modelo convença alguém.

Uma alternativa é comparar a inflação nos Estados Unidos com a inflação em outros países que não adotaram grandes estímulos fiscais. Os críticos da política dos EUA costumavam mencionar a inflação mais baixa na Europa como prova de que o excesso de estímulo era o problema. Neste momento, temos, na verdade, uma inflação muito mais baixa do que a dos europeus, mas, para ser justo, eles foram mais duramente atingidos pelos efeitos da invasão da Ucrânia pela Rússia. Ainda assim, mesmo antes da invasão, a inflação europeia estava aumentando, embora atrás dos Estados Unidos.

A comparação sugere que, como a inflação nos EUA era alguns pontos mais alta do que a inflação na Europa antes da Ucrânia, seu pico poderia ter sido alguns pontos mais baixo sem essas políticas expansionistas. Isso teria levado a uma visão pública radicalmente diferente da economia? Duvido.

Então, o estímulo fiscal deveria ter sido menor? Sim. O Fed deveria ter começado a aumentar as taxas mais cedo? Sim. Será que alguma dessas coisas teria feito muita diferença para a boa situação em que nos encontramos economicamente ou para a má situação em que nos encontramos politicamente? Provavelmente não.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Fonte: Folha de São Paulo

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