Um fascinante novo documentário revisita 1975, o ano em que Nova York quase quebrou. O título, “Drop Dead City”, é uma referência à famosa manchete “Ford para a cidade: morra”, de outubro daquele ano, quando o presidente Gerald Ford ameaçou vetar qualquer pacote federal de ajuda. A decisão custou ao republicano a eleição de 1978, já que o estado de Nova York fez a diferença na apertada vitória de Jimmy Carter, e a cidade contribuiu com os votos para entregar a Casa Branca ao democrata.
Se a atual Nova York disneyficada é distante da metrópole caótica, violenta e quebrada de 1975, a cidade que emergiu do pós-guerra até o final da década de 1960 hoje parece quase utopia.
Aqui ficava o maior parque industrial urbano dos EUA. A única universidade pública municipal grátis formou uma geração de profissionais, intelectuais e servidores públicos. A cacofonia das calçadas de dezenas de comunidades imigrantes em espaços apertados permitia tanto a experiência cosmopolita, em meio a 8 milhões de habitantes, quanto a experiência íntima de morar em bairros-nações. Ser ninguém em Nova York era mais estimulante do que ser alguém em cidades rigidamente elitistas, como Boston.
A cidade progressista que oferecia bons serviços de assistência e salários de classe média garantidos por poderosos sindicatos começou a desmoronar em ritmo acelerado quando um jovem assumiu o cargo de controlador. O controlador é um secretário de finanças, mas eleito e independente do prefeito.
O controlador fez, pasmem, a primeira auditoria contábil e descobriu que nem havia livros de contabilidade. A cidade gastava contra uma coleta de impostos fictícia.
Foi como soprar um castelo de cartas. Os bancos que, como ocorreu no episódio da crise dos empréstimos prime de 2008, avalizavam títulos da dívida municipal fingindo que nada sabiam, aumentaram as taxas de juros até parar de emprestar para a cidade.
Na capital, Albany, o milionário Nelson Rockefeller, membro da espécie extinta do republicano liberal, não precisava roubar, mas adorava grandes obras e não fazia perguntas quando a prefeitura pedia a ele para emitir mais títulos.
O prefeito democrata Abe Beame que, não dá para inventar, era um contador, acusou os banqueiros de ensaiarem um minigolpe e disse que preferia a falência do que entregar a chave da cidade a eles.
Grandes obras foram paralisadas. Começou a faltar merenda escolar. O crime disparou, e trabalhadores deixaram pontes levadiças erguidas, cortando a ligação da ilha de Manhattan com o continente. Prédios abandonados eram incendiados diariamente no Brooklyn.
Com demissões em massa de funcionários públicos, o sindicato de policiais distribuía panfletos na área de desembarque dos aeroportos com os dizeres “bem-vindos à cidade do dedo” para assustar turistas.
A solução encontrada foi formar a Corporação de Assistência Metropolitana, liderada por Felix Rohatyn, um banqueiro que, ó, meus sais, acreditava em bom governo! A operação de resgate e pressão sobre Washington, com ajuda dos sindicatos, chegou até a reta final, a horas da abertura dos bancos e da decretação da falência.
“Drop Dead City”, dirigido por Peter Yost e por Michael Rohatyn, filho de Felix, tem muito a oferecer para quem se surpreende com a ascensão meteórica do socialista Zohran Mamdani, defensor de mais gastos públicos. É uma crônica sobre o poder positivo de governar —mas sem sem descuidar das contas públicas.
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