Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia de 2010 a 2018 e vencedor do Nobel da Paz em 2016, milita pela descriminalização do consumo e o fim da guerra às drogas, que considera uma batalha perdida.
Ele participou de eventos promovidos pela Comissão Global sobre Políticas para as Drogas, em Londres, poucos dias depois da divulgação do relatório anual da Escritório da ONU para Drogas e Crime (UNODC, a sigla em inglês), com dados que apontam o crescimento dos números de produção e consumo de drogas, além do surgimento de novas substâncias.
Santos ganhou o Nobel da Paz por ter realizado o acordo que pôs fim à guerra civil com a guerrilha de esquerda Farc, que durou cerca de 50 anos. Venceu a oposição de setores conservadores que se opunham ao entendimento. Desde que deixou o cargo, trabalha para vencer a resistência, dessa vez, dos conservadores que defendem a manutenção da criminalização do consumo de maconha, cocaína, heroína e uma lista cada vez mais longa de novas drogas sintéticas.
Depois de conferência na Chatham House, tradicional centro de estudos britânico dedicado à geopolítica, Juan Manuel Santos concedeu esta entrevista, que continuou no dia seguinte, durante a reunião anual da comissão, na sede das empresas de Richard Branson.
O sr. recebeu o Prêmio Nobel quando interrompeu o ciclo de violência na Colômbia, mas 15 anos depois vemos a violência se estabelecer novamente. O que está acontecendo?
O que concordamos no acordo de paz com as Farc foi toda uma gama de políticas precisamente para evitar o que estamos passando agora. Por que isso aconteceu? Simplesmente porque os dois governos que sucederam o acordo de paz não implementaram o que foi acordado.
Se você ler o acordo de paz de 320 páginas, verá muito claramente como deveríamos ter desenvolvido diferentes ações para manter a paz e evitar o que estamos passando. Mas, infelizmente, por razões políticas, no primeiro caso no governo passado e por incapacidade virtual no presente governo, as coisas não estão indo bem e estamos voltando a ter a violência.
Mas a questão agora é a política ou as drogas?
A questão agora não é política. A questão agora é uma competição entre bandos criminosos pelo controle do território. Eles estão lutando entre si. E parte do controle do território tem a ver com drogas porque eles controlam os corredores de exportação de cocaína, e estão lutando por esse controle.
Então, sim, tem a ver com drogas e tem a ver com brigas internas entre bandos criminosos, que não são politicamente motivados. Eles são motivados pelo lucro.
No passado, na geopolítica das drogas, os cartéis colombianos tinham o domínio da produção e distribuição para os Estados Unidos. Hoje, parece que os cartéis mexicanos têm a posição principal, controlando a exportação da Colômbia e da América do Sul.
Até certo ponto, mas se você analisar a composição dos cartéis da máfia, existem diferentes tipos de máfias com um mesmo objetivo, do México à Argentina. Eles são muito sofisticados, estão aumentando em poder, tornaram-se mais eficientes e, em muitos países hoje, são mais eficientes do que o Estado.
É por isso que tem que haver colaboração entre as nações da América Latina, para combater o crime organizado. Hoje, em minha opinião, o crime organizado é o problema número um, do México à Argentina, passando pelo Brasil e Colômbia.
Nesse período, a Colômbia relaxou a criminalização das drogas, a posse de maconha, por exemplo. E a violência voltou. Isso é um tiro pela culatra para suas propostas de descriminalização?
É um tiro pela culatra para as propostas de regulamentação do comércio e da produção de drogas, sim, porque as pessoas pensam que é consequência da descriminalização da posse de maconha, por exemplo, o que não é verdade.
O que aconteceu foi a falta de efetividade do Estado no combate aos bandos criminosos e os cartéis, que na nossa proposta nunca foram postos de lado. Isso deveria ser uma prioridade e foi relaxado. Portanto, a violência aumentou.
Outro fator nesta situação lamentável é a proposta do atual governo colombiano que eles chamam de “Paz Total”, que é fazer as pazes com organizações criminosas. Você não pode fazer as pazes com esses bandos sem ter um objetivo muito claro, ter muito claro qual estrutura legal você vai usar com eles.
Você não pode simplesmente sentar e dizer que declara um cessar-fogo e ver o que acontece, porque eles sempre aproveitarão isso para ganhar mais poder, para controlar mais território. E foi isso que aconteceu nos últimos três anos.
Qual é o papel dos cartéis brasileiros nessa nova conjuntura, da Colômbia e da América Latina?
Os cartéis brasileiros, como os cartéis colombianos, mexicanos e todos os que estão surgindo ou se fortalecendo, são cartéis que se tornaram multinacionais, muito sofisticados e estão ganhando cada vez mais poder. Você vê isso no Brasil, na Colômbia, México, Equador, Chile, Argentina. Em toda parte. E eles estão colaborando entre si, enquanto os países não.
Por isso essa batalha está perdida se não percebermos que temos que colaborar. Brasil e Colômbia, os governos e a polícia e o aparato investigativo, todos têm que colaborar para conter o crescente poder dos cartéis em toda a região.
No Brasil, o financiamento político por empresas foi proibido e isso abriu caminho para três financiadores ilegais: as igrejas, o jogo e as empresas de apostas e o tráfico. Nos EUA, empresas podem financiar campanhas e isso tem criado uma oligarquia. Qual é o melhor cenário para combater a influência ilegal na política?
É uma discussão muito antiga. Mesmo aqui na Inglaterra, lembro-me da mesma discussão trinta, quarenta anos atrás. Você permite que o dinheiro privado seja usado no financiamento de campanhas políticas ou o Estado deve ser o financiador? É como um pêndulo. Quando só tem dinheiro público, alguém diz que houve abuso pelos governos, que é preciso permitir dinheiro privado; quando você permite dinheiro privado, dizem que ele está corrompendo o establishment político, portanto, é o caso de proibi-lo.
O certo é ser prático e controlar a receita das campanhas políticas, porque é uma das fontes de corrupção, sem dúvida. Na Colômbia, há um controle relativamente bom, mas ainda temos muito dinheiro ilegal entrando em campanhas políticas. E as máfias da droga e os cartéis, são muito bons em infiltrar-se em campanhas políticas. Agora mesmo, nosso presidente está sendo investigado por isso. Portanto, esta é uma questão, novamente, de ter um sistema de controle eficiente.
Muitas autoridades dizem que passaram a defender a descriminalização das drogas depois de saírem dos cargos públicos. O que impede os políticos de verem a questão da mesma forma quando estão no poder?
A realidade política e a facilidade de usar essa questão para atacar qualquer ideia progressista. Eu sofri isso. E se você começar a propor algum tipo de regulamentação do mercado de drogas, será imediatamente acusado de ser brando com o crime.
Fui acusado quando era presidente de ser leniente com o crime. Lembro-me de ir a restaurantes e as senhoras gritarem comigo: “Presidente, você é louco. Você vai envenenar nossos filhos”. Porque era isso que meus adversários políticos diziam que eu estava propondo.
Tive que fazer reuniões com as mães em todo o país. E quando eu dizia: “Você é a favor de regulamentar o mercado de drogas?” Todo mundo respondia: “Não!” Então eu perguntava às mães: “Ouçam, você é mãe. Se sua filha ou filho for pego com drogas, consumindo drogas, você prefere que as autoridades levem sua filha ou filho para a prisão ou para uma instituição de saúde? Todos diziam: “Uma instituição para ajudá-los”. E eu disse, “É isso que estou propondo”. Então me perguntavam: “Por que você não explicou mais?”
Esta é uma questão muito difícil e sensível, facilmente explorada pelos radicais. Portanto, tem sido muito difícil propor politicamente. É por isso que hoje no mundo, nas Nações Unidas, as convenções não puderam ser modificadas. Ainda são as mesmas convenções que regulam o mercado mundial de drogas.
Além dos votos que os políticos punitivistas recebem, quem mais se beneficia com a guerra às drogas?
Os maiores beneficiários são os cartéis. São eles que estão ganhando dinheiro. E quanto mais proibido for o mercado, mais lucros eles obterão. Este é um fato comprovado. Eles são os principais interessados em que nada mude.
Se a descriminalização vai diminuir os preços, as drogas baratas serão mais acessíveis. Isso não cria um ciclo vicioso?
O consumo de drogas está presente na história da humanidade há séculos. Os gregos já consumiam drogas; os povos indígenas da América Latina também, a mastigação de coca é uma tradição muito antiga. Portanto, impedir as pessoas de consumir drogas tem sido impossível.
Agora proibir certos tipos de drogas torna seu comércio muito lucrativo. É isso que gera os cartéis e a criminalidade. E o problema vai piorar agora que estamos descobrindo drogas sintéticas, muito mais prejudiciais à saúde, mais fáceis de produzir e de transportar.
Portanto, temos um grande desafio. Se não regularmos, os problemas se multiplicarão exponencialmente no futuro, especialmente agora que eles estão usando inteligência artificial para produzir essas drogas sintéticas.
Raio-X | Juan Manuel Santos, 73
Formado em economia e administração, pela Universidade de Kansas, com mestrado na London School of Economics e na Universidade Harvard. Foi presidente da Colômbia de 2010 a 2018 e antes foi ministro de Defesa e da Fazenda. Em 2016, ganhou o prêmio Nobel da Paz por seus esforços nas negociações de um acordo de paz com as Farc.