Qualquer trégua no Oriente Médio é frágil, mas a anunciada por Irã e Israel se complica ainda mais por uma mudança de poder em Teerã provocada pela guerra. Uma nova geração de generais assumiu o controle e passou a ter mais influência que os clérigos —algo que não ocorria desde a Revolução de 1979. Embora tenham interesse em recuperar a economia, esses militares não agem com cautela. Sua postura agressiva deve influenciar os rumos estratégicos do país mesmo após o fim da guerra.
Donald Trump não fala mais em mudança de regime, como dizia dias atrás, mas a liderança iraniana já passou por uma transformação crucial. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, tem 86 anos, e há anos se especula sobre sua sucessão. Agora, a guerra acelerou a transferência de poder para o braço militar do regime, a Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC).
Nos primeiros dias de combate, Khamenei desapareceu de cena, isolado por segurança —como o imã oculto do xiismo—, e delegou as decisões a um novo conselho dominado pela IRGC, segundo aliados e opositores. “O país está, na prática, sob lei marcial”, afirmou um observador. Mesmo que Khamenei retorne de seu bunker, pode ter dificuldade para recuperar o controle.
Com o avanço da IRGC, sua elite foi transformada pelos assassinatos israelenses. Sumiram os comandantes veteranos que adotavam a chamada “paciência estratégica” —contiveram o fogo após o assassinato de Qassim Suleimani em 2020 (em ataque autorizado por Trump) e mesmo após as ofensivas israelenses contra Hamas e Hezbollah em 2024.
A morte desses líderes abriu espaço para uma nova geração mais agressiva, que busca restaurar o orgulho nacional. “A posição maximalista ganhou força”, diz um acadêmico próximo aos reformistas. Ele afirma que, antes da guerra, havia debates internos sobre abandonar a postura anti-Israel. Agora, “todos são linhas-duras”.
Essa mudança geracional se soma a uma nova coesão dentro do complexo militar-industrial iraniano, até então marcado pela desconfiança e disputas. Há um ano, o regime enfrentava brigas internas.
Empresários, militares e ideólogos competiam pelo controle da IRGC. Os linhas-duras expulsaram pragmáticos de órgãos do Estado. Facções rivais se acusaram mutuamente pela morte do presidente em um misterioso acidente de helicóptero em 2024. Mas, durante os 12 dias de guerra neste mês, todos se uniram contra o inimigo externo.
A nova configuração de poder também reverteu o humor popular. Os bombardeios israelenses, pensados para fomentar o dissenso e desestabilizar o país, acabaram provocando uma onda de nacionalismo que estreitou a distância entre governantes e governados. Ninguém atendeu aos apelos de Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, ou de Reza Pahlavi, o herdeiro filho do xá deposto, por uma revolta popular.
A admiração inicial pela força militar israelense se transformou em revolta conforme os ataques se ampliaram e as mortes aumentaram. O desprezo pela fragilidade da IRGC deu lugar ao orgulho diante de sua rápida recomposição. Cidadãos que haviam fugido voltaram a Teerã mesmo com os bombardeios em curso. Presas políticas, mães de manifestantes executados e celebridades no exílio divulgaram mensagens conclamando a defesa do Irã.
Um ex-funcionário que se tornou dissidente disse que a estratégia de Netanyahu acabou saindo pela culatra.
Não está claro se essa unidade recém-conquistada sobreviverá ao cessar-fogo. Muitos iranianos sonham com um novo pacto social que reduza a religiosidade do regime. O aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da revolução de 1979, alertou contra a entrada da IRGC na política, temendo que acabassem com sua teocracia.
Com os clérigos confinados aos seminários, pode haver um afrouxamento das normas. Nos últimos dias, a TV estatal mostrou mulheres com os cabelos parcialmente descobertos. Os iranianos também acolhem com cautela o experimento dos linhas-duras com a desescalada. A IRGC controla vastos setores econômicos no Irã e, por isso, tem interesse em estabilidade e maior acesso ao mercado global.
Com o fim da guerra, muitos iranianos devem lamentar os bilhões gastos em conflitos e no programa nuclear. A desconfiança dos militares em relação ao diálogo com os EUA dificulta a saída do isolamento. A memória de líderes depostos após negociarem com o Ocidente reforça entre iranianos a narrativa da traição, ainda central na política externa do país.
A guerra encorajou os novos generais iranianos, que podem aumentar a repressão e reforçar seu arsenal. O regime não dá sinais de abandonar o programa nuclear, e líderes já indicam a intenção de seguir com a produção. O Parlamento discute sair do tratado de não proliferação, enquanto parte do urânio pode ter sido movida para locais secretos. Um grupo defende abertamente a construção de uma bomba.
A persistência do Irã em seu programa nuclear mantém vivo o risco de novos ataques dos EUA e de Israel —o que, por sua vez, leva o regime a ver a bomba como seguro definitivo. O mundo externo frequentemente presumiu que o autoritarismo iraniano vinha do domínio clerical.
Agora, os militares querem uma reconstrução nacional. Resta saber se conseguirão romper o ciclo de paranoia e insegurança que levou o Irã e seu povo a um estado de ruína. A nova era de paz e prosperidade que Trump costuma prometer ainda parece distante.
“Texto da The Economist, traduzido por Tatiana Cavalcanti, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com“