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‘Migração não está crescendo ‘, diz sociólogo Hein de Haas – 07/01/2024 – Mundo

Quando se fala em migração, a maioria das pessoas parece pensar que se trate de algo que exige uma posição a favor ou contra. Essa é a primeira concepção sobre o tema que Hein de Haas desfaz em sua obra “How Migration Really Works” (como a migração realmente funciona), uma espécie de guia para o que o autor chama de “a questão mais divisória da política”.

“Nenhuma pessoa séria perguntaria a um economista se ele é a favor ou contra a economia ou os mercados. Ou a uma geógrafa se é a favor ou contra a urbanização. A um agrônomo se é a favor ou contra a agricultura. Mesmo assim, essa é a forma que os debates sobre migração são geralmente conduzidos, particularmente pela mídia e pelos políticos”, escreve De Haas.

Para o sociólogo e geógrafo, a migração simplesmente é. No livro, sem tomar partido de um dos lados, demonstra que a migração nos acompanha desde sempre. “É algo tão antigo como a humanidade”, afirma De Haas, em entrevista à Folha.

Por causa da polarização no debate, porém, as pessoas assumem um lado automaticamente. “Aqueles que se dizem a favor da migração exageram os benefícios, e as pessoas contrárias exageram que é a maior ameaça da nossa sociedade. Não há espaço para dados, e isso significa que as políticas falham porque não estão baseadas no conhecimento real.”

O livro, lançado na Inglaterra em novembro, ganhará edição portuguesa em 2024, mas não há ainda previsão de uma versão brasileira. É dividido em 22 capítulos, cada um deles com o título do que o autor considera mitos sobre o tema. O primeiro trata do suposto crescimento da migração. Há recordes em números absolutos —migrantes eram pouco menos de 100 milhões em 1960 e chegaram a quase 250 milhões em 2017. No entanto, a população mundial era de 3 bilhões em 1960 e 7,6 bilhões em 2017. São aproximadamente 3% de migrantes lá ou cá, uma marca “surpreendentemente estável”, diz De Haas.

O sr. descreve a sacada que teve para seu livro quando estava no palco durante um debate. O mediador pediu ao público que levantasse as mãos quem “estivesse a favor da migração, como o sociólogo Hein de Haas aqui presente”. Por que acha que ele tenha pensado assim? Todas as sociedades são migrantes. Você não pode ter zero migração. Então, em uma visão científica, diria que a migração é inevitável. Muitos jornalistas e políticos interpretam isso como ser pró-migração. Mas esse não é o ponto. O ponto é que não se pode evitar. Se tentar parar isso, sabemos que as pessoas irão de qualquer jeito.

Na visão do sr., pessoas que pensam que a migração pode ser um problema ou uma solução estão sendo simplistas. Na direita, vemos que muitos políticos criam esse medo da imigração em massa, como um bode expiatório. Culpam os imigrantes por problemas na economia, salários baixos ou problemas com moradia, criminalidade. E é muito conveniente para os políticos, porque eles simplesmente colocam a culpa no estrangeiro e desviam a atenção das políticas que causaram esses problemas, que não têm nada a ver com a imigração.

E a esquerda? Do outro lado do debate estão os políticos, economistas e ativistas que nos dizem que a migração não é um problema, mas uma solução para problemas como a escassez de mão de obra e o envelhecimento da população. Argumentam que necessitamos de migrantes para impulsionar o crescimento e para rejuvenescer as nossas sociedades. Nesta visão, a diversidade que a imigração traz não é uma ameaça, mas sim uma coisa boa, pois estimula a inovação e a renovação cultural. Afirmam também que a migração beneficia o crescimento nos países de origem devido às enormes quantias de dinheiro que os migrantes enviam de volta.

E? Ambos os lados representam visões parciais, simplistas e mesmo totalmente enganosas sobre a migração. Nenhuma delas resiste às evidências.

Qual é o recado mais importante de seu livro? O primeiro é que não há necessidade de pânico. Toda a ideia de que a migração está acelerando, saindo do controle, que cada vez mais pessoas vão ilegalmente e que isso é como uma crise por causa da guerra, pobreza ou mudanças climáticas, tudo isso simplesmente não é respaldado pelas evidências. Acho que essa é a mais importante, porque é usada tanto pela esquerda quanto pela direita. A direita política usará essa imagem para dizer, ‘olhe, precisamos de mais controles, precisamos ter mais cercas, precisamos de mais abrigos de guerra, precisamos controlar ainda mais a fronteira’. Na esquerda, você ouvirá outros argumentos. ‘Precisamos fazer algo sobre as mudanças climáticas, precisamos tornar os países pobres mais ricos, então as pessoas não migrarão.’ Mas as pessoas e as organizações de refugiados exageram os números. Eles são destinados a atrair atenção, financiamento. É realmente interessante que essa ideia seja compartilhada por todas as ideologias.

Exageram? É um daqueles mitos em que todo mundo parece acreditar. Se você olhar para os números, é um quadro muito mais estável: 3% da população mundial é migrante, e essa porcentagem tem se mantido surpreendentemente estável nas últimas cinco décadas. Isso não nega que a migração possa causar problemas em nível local, é claro. Mas realmente não há necessidade de pânico.

A que outras conclusões o sr. chega em sua obra? Na Europa, há essa impressão de que a esquerda é a favor da migração e que a direita é contra a migração. Os dados na verdade não mostram isso. O que está acontecendo nos EUA é uma ilustração perfeita. O que você realmente vê são políticos falando duramente sobre imigração e fazendo isso para ganhar votos. Mas os mesmos políticos toleram totalmente que os imigrantes trabalhem, mesmo os imigrantes sem documentos. No meu livro, mostrei que a chance de ser processado como empregador por empregar imigrantes ilegais é praticamente zero. Há uma enorme demanda de trabalho nos Estados Unidos. O número de vagas foi de mais de 10 milhões em 2023. É um recorde. Então, há uma grande lacuna entre a retórica e a realidade. Na verdade, os governos permitem e toleram o trabalho ilegal.

Um dos capítulos do livro questiona a percepção de que “o mundo está enfrentando uma crise de refugiados”. Não estamos, então? Não. Se você olhar para os números em longo prazo, não há aumento na migração de refugiados. Os refugiados representam cerca de um décimo dos 3% de migrantes, ou seja, 0,3% da população mundial. Nos anos 1990, por exemplo, eles estavam um pouco acima desses 0,3%. Em 2021, estavam abaixo. A crise de refugiados é uma crise de falta de vontade política para abrigar refugiados.

Outro capítulo vai contra a ideia de que “a emigração é uma fuga desesperada da miséria”. Sim, essa é uma imagem muito comum. O problema é que os mais pobres dos pobres não podem migrar ou, se migram, é por curtas distâncias. A imigração internacional é cara. É como um recurso, um investimento. As pessoas o fazem pelo bem-estar de longo prazo de suas famílias, o que significa que os mais pobres são excluídos disso. Você precisa de dinheiro, de algumas conexões. Se você tem um diploma, ajuda. Então, para resumir, se os países pobres se tornarem um pouco mais ricos e mais bem educados, mais pessoas poderão migrar e estarão dispostas a migrar. As capacidades e aspirações para migrar aumentarão. Esta é a razão pela qual a maioria dos migrantes vem de países de renda média, não de países de baixa renda.

E quanto à compreensão de que “os conservadores são mais rigorosos com a imigração”? Comparamos governos de direita e de esquerda e tentamos medir se as políticas de imigração dos governos de direita são mais restritivas do que as dos governos de esquerda, porque muitas vezes temos essa impressão. Na prática, não encontramos nenhuma diferença significativa nesse campo entre direita e esquerda. Se você se move para a direita, especialmente para a extrema direita, a retórica fica cada vez mais dura, mas na realidade isso não se traduz em política real. Pode-se ver isso na Itália, onde agora há uma primeira-ministra de direita que está permitindo números recordes de migrantes, ou mesmo nos Estados Unidos. Sob Trump, poucos empregadores foram processados por empregar imigrantes ilegais. Isso prova essa grande lacuna entre o discurso e a prática.

Raio-X | Hein de Haas, 54

Sociólogo e geógrafo, o holandês está lançando seu oitavo livro sobre migração. Seus primeiros trabalhos focaram o fluxo africano e, mais recentemente, o impacto migratório na Europa e no resto do mundo. Trabalhou no Marrocos e no Reino Unido e atualmente é professor de sociologia da Universidade de Amsterdã.

Fonte: Folha de São Paulo

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