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Mãe Hilda de Jitolú, a matriarca do Ilê Aiyê – 16/07/2024 – Bianca Santana

Em 1988, quando uma educação afrocentrada ou antirracista ainda não estava no imaginário brasileiro, uma mulher preta que nunca frequentou a escola abriu sua casa, em Salvador (BA) para educar crianças e adolescentes gratuitamente.

“Todos os meus filhos estudaram, ninguém parou de estudar pra trabalhar, porque eu nunca permiti. Então via as crianças da comunidade sem escola e tinha muita vontade de ver uma nova realidade pra elas. Abri as portas do meu terreiro para a educação”, contou a mãe Hilda de Jitolú para sua neta Valéria Lima, em 2007.

A Escola Mãe Hilda foi a primeira ação educativa do bloco afro Ilê Aiyê, fundado por seu filho Vovô junto com amigos do bairro do Curuzu, em 1974. Suas filhas Hildemaria e Hildelice, que se formou pedagoga e é diretora escolar até hoje, foram as primeiras professoras. O então secretário estadual de Educação Edivaldo Machado Boaventura doou cadeiras e mobiliários. E o Ilê Aiyê arcava com os demais custos.

Com princípios éticos e filosóficos do candomblé jeje, o projeto pedagógico se fundamentava nas culturas afro-brasileira e africana. A escola funcionou até 2004 no barracão do Acé Jitolu e desde então continua nos projetos educativos do Ilê Aiyê, que inaugurou sua sede —a Senzala do Barro Preto—, em 2003, também na ladeira do Curuzu. Sede que abrigou na noite de ontem, 15 de julho, o lançamento da biografia de Mãe Hilda, escrita por sua neta Valéria Lima.

“Contar a história de Mãe Hilda é buscar minha própria ancestralidade. É entender como foi a vida dessa mulher que nasceu no início do século passado, num contexto tão diferente do nosso e com muito mais dificuldade, e inspirar as próximas gerações”, me disse Valéria. Dete Lima, filha de Mãe Hilda e mãe de Valéria, agradece a seus ancestrais e aos voduns pelo lançamento do livro. “Ela está radiante de alegria”, disse, sobre a Mãe Hilda.

O livro “Mãe da Liberdade: a trajetória da Ialorixá Hilda Jitolu, matriarca do Ilê Aiyê” é fruto da pesquisa realizada por Valéria entre 2012 e 2014, como parte de seu mestrado na UFBA (Universidade Federal da Bahia). A edição do livro, da Ogum’s Toques Negros, contou com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, que deixou a versão digital para download gratuito em seu site.

Christiane Gomes, coordenadora de projetos da fundação, explicou que registrar e disseminar a história da mãe de santo é estratégico. “As mulheres negras têm um projeto político para este país. E isso não é de hoje. A trajetória de Mãe Hilda e de muitas ialorixás nos aponta um caminho concreto de defesa da comunidade em uma ação política marcada pela coletividade”, afirma Cristiane. “É a essência do feminismo negro antes mesmo que ele ganhasse o conceito e os estudos que vieram mais tarde. Uma prática que antecede o conceito.”

No evento de lançamento, Vovô contou que o bloco se chamaria “Black Power”, mas Mãe Hilda alertou para os riscos do nome naquele 1974. “Eu disse ‘mãe, nós vamos fazer um bloco só de negros’. Ela perguntou se as mulheres poderiam sair também. Combinou com as vizinhas que precisavam nos acompanhar porque se os filhos fossem presos, elas seriam também. A gente nem estava atento que era ditadura, regime militar.” Mas Mãe Hilda estava.

Assim como já esperava por Abdias Nascimento, quando ele chegou à sua casa, em 1980, pedindo que ela acompanhasse a primeira expedição à Serra da Barriga, território do Quilombo de Palmares.

“Fui porque o homem era de Santo, Zumbi era filho de Ogum”, contou Mãe Hilda mais de uma vez. Para Valéria, confirmou que havia sido avisada em sonho sobre as obrigações necessárias para Babá Zumbi dos Palmares, antes mesmo que Abdias chegasse à sua casa.

No posfácio do livro, conto da emoção de ter subido a Serra da Barriga em 20 de novembro de 2023, com a Coalizão Negra por Direitos, ao lado de Valéria, neta de Mãe Hilda, filha de Dete Lima, que tem cumprido com tanto compromisso o papel assumido por nossa geração de cuidar da memória negra.

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Fonte: Folha de São Paulo

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