A historiografia mais saborosa é aquela que junta pontas que imaginávamos bem separadas. Por exemplo, a designação de duque de Essex na história da monarquia britânica.
Quem primeiro ostentou o título foi o príncipe Augustus, um tio da rainha Vitória. Era bonito e sedutor. Casou-se duas vezes sem pedir autorização ao rei, como exigia a regra da época. Aderiu à maçonaria e se mudou para Portugal, onde a rainha dona Maria foi afastada do trono por problemas mentais. O mesmo aconteceria então em Londres com o rei George 3º, pai de Augustus.
O atual duque de Essex é o príncipe Harry, marido da ex-atriz americana Meghan Markle. O primeiro dos duques foi espirituoso e brilhante, enquanto o atual é discreto e socialmente apagado.
Quem os descreve é Kenneth Maxwell, historiador britânico e especialista no século 18 ibérico –o que abarca de Tiradentes ao Marquês de Pombal. Acadêmico formado em Cambridge e criador do centro de estudos brasileiros em Harvard, Maxwell também se tornou cronista, com ensaios publicados pela revista Second Line of Defense. Seus textos têm um estilo culto e sedutor.
“Kenneth Maxwell on Global Trends” foi publicado no ano passado no Reino Unido pela Amazon, e não tem ainda tradução programada para o português. O livro traz 111 textos escritos de 2011 a 2023.
Mas voltemos a Lisboa, com o príncipe dom João já regente e governando no lugar da mãe. Um dos afilhados de Pombal se chamava Rodrigo de Souza Coutinho, ministro da Marinha e do Ultramar. Ele contratou como secretário um jovem brilhante saído de Coimbra, o brasileiro Hipólito da Costa —o mesmo que depois criaria em Londres o “Correio Braziliense”, considerado o primeiro jornal da mídia brasileira. Hipólito chegou a ser convidado para ser o primeiro embaixador do Brasil independente na Inglaterra, mas não assumiu o cargo por sua morte repentina, em setembro de 1823.
Kenneth Maxwell evoca em outra crônica o filho e sucessor da rainha Vitória, Edward 7º, que reinou de 1901 a 1910. Sua vida como herdeiro esperando pelo trono foi bem mais excitante que a de seu descendente, o atual rei Charles 3º. O príncipe Albert Edward, diz o historiador, tinha um exagerado apetite gastronômico e sexual. E como era também obeso, mandou construir uma cadeira reforçada na qual namorava suas amantes.
Uma delas, Alice Keppel, foi a bisavó de Camilla, a atual rainha consorte. Coincidência: com a amante, Albert Edward traiu sua mulher, a princesa Alexandra da Dinamarca. Charles, como amante de Camilla —eles se casaram só depois– traiu lady Di, que, já divorciada, morreu em Paris. A propósito, morreu no mesmo acidente de automóvel o namorado dela, Dodi Al-Fayed, filho do empresário egípcio Mohamed Al-Fayed. Ele comprara na França a casa em que viveram o tio-avô da rainha Elizabeth, Edward 8º, e sua mulher, Wallis Simpson, uma divorciada americana. Foi por ela não ser nobre e solteira que o rei abdicou do trono em 1936.
Mas Maxwell percorre assuntos mais densos que a nobreza britânica. Há, por exemplo, um texto sobre a Guerra da Crimeia, de 1853, e seus 300 mil mortos. Ingleses e franceses se associaram aos otomanos e à Sardenha contra o expansionismo russo. Um banho de sangue sem verdadeiros vencedores. Pela primeira vez o telégrafo permitia o acompanhamento “imediato” dos jornais, e o uso inédito da fotografia dava às reportagens uma sensação de realismo.
Pulando no tempo, o historiador analisa Donald Trump semanas antes de sua posse, em 2017. A mídia tradicional já tinha por ele grande desconfiança, mas ele conseguia dialogar com seus eleitores pelas redes sociais. Não era algo inédito. Nos Estados Unidos, o prefeito de Nova York Fiorello La Guardia e o presidente Franklin Roosevelt fizeram o mesmo.
Trump, no entanto, teve à disposição a internet. E na época um problema de peso: a acusação de que tivera a ajuda encoberta de Vladimir Putin para derrotar a democrata Hillary Clinton.
Em crônica mais historiográfica, Maxwell discorre sobre as relações de Brasil e EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O partido nazista tinha em solo brasileiro 2.900 membros e era o maior fora da Alemanha. Mas Berlim agiu com burrice ao afundar barcos brasileiros, como o Baependy, em agosto de 1943, matando 320 passageiros.
Na política de boa vizinhança houve a intensa tradução de escritores brasileiros no mercado americano, entre eles Euclides da Cunha e Jorge Amado. Um clima que ajudou a entrada do Brasil no conflito e o envio à Itália de 23.334 militares, dos quais 447 foram mortos em combate.
Maxwell diz que o governo brasileiro sentiu-se melindrado por não ter ganho uma única e pequena fatia do bolo político que os aliados dividiram entre os vencedores.