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Leão 14 deverá temperar continuidade com moderação – 08/05/2025 – Mundo

Ao menos por enquanto, a escolha do americano Robert Francis Prevost como o papa Leão 14 parece indicar que os cardeais realizaram com sucesso uma delicada quadratura do círculo durante o conclave.

Uniram a experiência de décadas no catolicismo periférico latino-americano ao papel de “insider” da burocracia do Vaticano, num pacote que inclui ainda, é claro, a cidadania americana e a pertença à ordem religiosa dos agostinianos.

As primeiras manifestações do novo pontífice diante da multidão em Roma reiteraram, de forma lenta e deliberada, vários dos pontos-chave do papado de Francisco, em especial nos últimos anos da trajetória de seu antecessor argentino.

Leão 14 começou pedindo paz, usando as palavras de Jesus nos Evangelhos, num mundo em que, como argumentava Francisco, estaria acontecendo uma “Terceira Guerra Mundial aos pedaços”. Falou de uma Igreja capaz de construir pontes e que não pode ficar isolada em si mesma, e que pense especialmente “nos que mais sofrem”.

Fez questão de se dirigir em espanhol aos seus antigos fiéis da diocese peruana de Chiclayo, onde foi bispo até dois anos atrás. E usou, por fim, outra das palavras de ordem de Francisco: sinodalidade, um aparente palavrão em “catoliquês” (e encarado com horror por parte da hierarquia eclesiástica).

A sinodalidade promovida por Francisco defende uma visão mais horizontal dos debates dentro do catolicismo, envolvendo consultas mais frequentes aos fiéis leigos e maior autonomia para as igrejas de cada local em termos pastorais, ainda que sem comprometer a centralidade do papa como instância maior de qualquer decisão.

Por fim, não se pode negligenciar o simbolismo da escolha do nome. Pouco mais de 120 anos depois da morte de Leão 13, um pontífice volta a adotar a designação do que poderíamos chamar de primeiro papa 100% moderno.

O predecessor de Leão 14, afinal, foi o primeiro a ser filmado —é fácil encontrar as imagens na internet, inclusive colorizadas— e o inaugurador do atual magistério social da Igreja com a encíclica “Rerum Novarum”, de 1891.

Leão 13 condenou o socialismo revolucionário, mas fez questão de frisar que todos tinham direito a salário digno, boas condições de trabalho e proteção sindical. A doutrina foi aprofundada pelos papas do século 20, confirmando o que parece ser a ênfase social do pontificado que começa agora.

São muitos os sinais, portanto, de continuidade com o papado de Jorge Bergoglio. Mas, é claro, Prevost não escolheu ser “Francisco 2º”, e isso, por si só, também é significativo.

Há razões para acreditar que a retórica e a substância de continuidade serão temperadas com moderação e, provavelmente, com menos montanhas-russas de emoção do que as que marcaram o pontificado anterior.

Uma reclamação bastante comum que aparece em relatos de especialistas sobre as entranhas do Vaticano, por exemplo, é a de que Francisco não dedicou tempo e cuidado suficientes para a reforma da Cúria (a burocracia da Santa Sé), além de diminuir o espaço de participação dos cardeais, apesar de seu foco na sinodalidade.

Prevost, além de ter experiência de sobra com o funcionamento da Cúria, também defendeu o emprego da sinodalidade como forma de amainar a polarização que também tem afetado o funcionamento da Igreja.

O vaticanista americano John Allen Jr., profundo conhecedor dos cardeais seus conterrâneos, destaca ainda a formação de Leão 14 na área de direito canônico, a “legislação” que rege o catolicismo. Isso poderia acalmar as dúvidas dos conservadores sobre a possibilidade de mudanças bruscas demais na prática pastoral e na doutrina.

Allen destaca ainda, porém, que o novo pontífice, ao longo de sua carreira, ainda não deu sinais claros de sua visão pessoal sobre temas que têm dividido a hierarquia nos últimos anos, como as bençãos para casais do mesmo sexo ou a presença de mulheres em cargos de relevo na Igreja.

Tudo isso ainda está no ar. O que não parece estar no ar, porém, é como um papa americano reagirá ao governo Trump. Postagens de Prevost em redes sociais deixaram claro que ele reprova a ofensiva anti-imigração do republicano, bem como o catolicismo integrista e radical de seu vice, JD Vance.

Se Trump esperava um pouco de refresco depois de Francisco, deve estar decepcionado.

Fonte: Folha de São Paulo

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