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Kissinger liderou apoio dos EUA a ditaduras sul-americanas – 30/11/2023 – Mundo

“Para onde o Brasil se inclinar, toda a América Latina se inclinará”, discursou o ex-presidente americano Richard Nixon naquele dezembro de 1971, ao receber o então presidente do regime militar brasileiro Emílio Médici com toda a pompa na Casa Branca. O encontro selava o que viria nos anos seguintes: um alinhamento contra governos de esquerda e o comunismo na região.

Por trás da frase, estava Henry Kissinger, um dos diplomatas mais influentes do século 20 que morreu nesta quarta (29) aos 100 anos. Durante seus oito anos à frente da política exterior dos Estados Unidos, Kissinger foi o cérebro que articulou o apoio a algumas das ditaduras mais sangrentas do Cone Sul. Legitimou o regime brasileiro, impulsionou o golpe no Chile e acelerou a repressão na Argentina.

Quem diz é Matias Spektor, professor de relações internacionais da FGV e autor do livro “Kissinger e o Brasil”, que entrevistou o próprio pouco antes de lançar a obra pela editora Zahar, em 2009. “Obviamente ele sempre negou que seu apoio tenha feito diferença em relação aos direitos humanos. O argumento dele era que esses países já eram autoritários independentemente disso”, diz.

Com uma memória que impressionava, Kissinger morreu convicto de que acertou na avaliação que fez sobre o Brasil naquela época. “Ele me disse: eu sempre achei que o Brasil tinha mais poder do que o resto do mundo entendia. Ele acreditava que um país do tamanho do nosso tinha condições de exercer peso próprio nas relações internacionais.”

Além disso, o diplomata nutria uma relação afetiva com o país, que não existia nos casos do Chile ou da Argentina, diz Spektor. Desde sua tentativa de abrir um centro de estudos brasileiros na Universidade de Harvard, até as dezenas de cartas pessoais trocadas com o então chanceler Antonio Francisco Azeredo da Silveira e a paixão pelo futebol que o fez levar Pelé aposentado aos EUA.

O Brasil já vivia uma ditadura militar há quase quatro anos quando ele pegou nas rédeas da política exterior americana. O ano era 1969, início do período mais brutal de torturas, exílios e censuras para erradicar a militância comunista. O papel de Kissinger no caso brasileiro foi, então, legitimar essa repressão aos olhos do mundo, segundo o professor.

Em 1972, no entanto, com a luta armada suprimida e a ditadura já estabelecida, o poder mudou para as mãos do general Ernesto Geisel, e sua ideia de tornar o Brasil um aliado incondicional dos Estados Unidos fracassou. De perfil mais desenvolvimentista, o presidente Geisel ignorou sete convites para ir a Washington.

Foram dois os principais marcos da ruptura: ambos países se sentiram apunhalados pelas costas quando, por um lado, o Brasil apoiou a independência marxista de Angola e, por outro, Kissinger pessionou, sem sucesso, os alemães a não vender a tecnologia de enriquecimento de urânio ao programa nuclear brasileiro.

Já no Chile a história foi diferente. A eleição do socialista Salvador Allende em 1970 acendeu um alerta tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, que tiveram um papel direto no golpe. A essa altura, o país já recebia o grosso de exilados brasileiros que aproveitavam a liberdade de Santiago para denunciar crimes da ditadura brasileira.

“Kissinger ajudou a asfixiar a economia no governo Allende e financiou a oposição desde o início, para criar o caos e romper a legalidade”, diz Tiago Nery, pesquisador do Lab-Mundo da Uerj (Universidade Estadual do RJ), lembrando que o diplomata também é conhecido por ter tentado impedir a posse do presidente eleito.

“Kissinger escreve nas suas memórias da Casa Branca que a pior coisa que podia ter acontecido para a política dos EUA na América Latina foi a vitória eleitoral de Allende. No entendimento dele, foi mais grave que a chegada do Fidel Castro em Cuba, porque não era possível derrubá-lo de forma aberta, teria que ser de forma encoberta”, afirma Williams Gonçalves, professor titular de relações internacionais da Uerj.

A partir do golpe do ditador Augusto Pinochet, em 1973, Kissinger passou a apoiá-lo sistematicamente, o defendendo em organismos internacionais e bloqueando críticas às torturas. Quando a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) o informou de que Pinochet assassinaria o ex-chanceler de Allende, Orlando Letelier, em um ataque a bomba em Washington, ele nada fez.

Fonte: Folha de São Paulo

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