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‘Kamalanomics’: uma agenda sólida de centro-esquerda – 19/08/2024 – Paul Krugman

Na sexta-feira (16), a vice-presidente Kamala Harris fez seu primeiro grande discurso sobre política econômica como candidata presidencial democrata. Foi, claro, muito diferente dos discursos “econômicos” e conferências de imprensa que Donald Trump realizou nas últimas semanas.

Para começar, Harris realmente delineou suas propostas econômicas, em vez de desviar para tópicos como quem reúne as maiores multidões e como moinhos de vento estão matando pássaros. Além disso, ela não parece ter dito nada demonstravelmente falso —um contraste acentuado com Trump, que mentiu ou distorceu os fatos cerca de duas vezes por minuto durante um evento em Mar-a-Lago.

Mas e quanto ao conteúdo? Os suspeitos de sempre estão alegando que Harris se revelou uma extremista de esquerda. Até alguns comentaristas econômicos moderados têm hiperventilado, dizendo que ela está essencialmente pedindo controle de preços, o que é estranho, porque ela não disse nada disso.

No geral, Harris assumiu uma posição moderadamente de centro-esquerda, não muito diferente da agenda original “Build Back Better” do presidente Joe Biden, que ele conseguiu implementar apenas em parte porque, em um Senado dividido igualmente, Joe Manchin teve um veto efetivo.

Então, vamos analisar o conteúdo, baseando-nos em uma ficha técnica divulgada pela campanha de Harris, que forneceu mais detalhes do que o próprio discurso.

A proposta mais importante e, a meu ver, a melhor, foi a restauração de um crédito fiscal ampliado para crianças, que a administração Biden implementou em 2021, mas expirou no início de 2022 porque os democratas não tinham maioria congressual grande o suficiente. Esse crédito reduziu significativamente a pobreza infantil enquanto esteve em vigor; Harris o complementaria com um crédito ainda maior para famílias com crianças com até um ano.

Vamos começar dizendo que o caso para combater agressivamente a pobreza infantil é esmagador, não apenas por razões morais —em um país rico, por que crianças que nascem em lares de baixa renda devem sofrer privações?— mas em termos econômicos: em média, americanos que crescem na pobreza têm pior saúde e rendimentos mais baixos como adultos do que aqueles que não crescem nessa condição, o que torna o combate à pobreza infantil um investimento no futuro da nação.

(Também vale notar que poderíamos ter expandido o crédito fiscal para crianças há apenas algumas semanas —embora não tanto quanto Harris deseja— mas os republicanos do Senado bloquearam o projeto de lei.)

Estou menos entusiasmado com as propostas de Harris sobre habitação, que combinam incentivos fiscais para construtores com assistência para pagamento inicial para compradores de primeira casa. Essas não são políticas ruins por si só. Mas o problema mais amplo da acessibilidade habitacional nos Estados Unidos é a zonificação e regulamentação que bloqueia a construção de novas unidades habitacionais. Infelizmente, essas barreiras à construção existem principalmente nos níveis estadual e local e estão fora do alcance de qualquer política federal politicamente plausível.

A propósito, um aspecto pouco notado do Projeto 2025 da Heritage Foundation é que, apesar de toda a retórica contra a burocracia e a regulamentação ambiental, seu plano “Mandate for Leadership” apoia totalmente o NIMBYismo (acrônimo para “Not In My Backyard” ou “não no meu quintal”, em português): “As localidades, e não o governo federal, devem ter a palavra final nas leis e regulamentos de zonificação, e uma administração conservadora deve se opor a quaisquer esforços para enfraquecer a zonificação de casas unifamiliares.” Perfure, baby, perfure —mas não construa habitação acessível.

Finalmente, sobre os preços: fiquei surpreso com quantos comentaristas crédulos, e não apenas à direita, afirmaram que Harris está pedindo controle de preços, fazendo-a parecer a segunda vinda de Richard Nixon, se não o próximo Nicolás Maduro.

O que ela realmente pediu foi legislação que proíba a exploração de preços em mantimentos. Obviamente, isso é um gesto político populista —uma maneira de oferecer algo aos eleitores irritados com os altos preços dos alimentos. Mas só porque algo é popular não significa que seja uma má ideia.

Não temos um plano detalhado de controle de preços de Harris, mas é improvável que seja mais agressivo do que um projeto de lei introduzido este ano pela Senadora Elizabeth Warren. E esse projeto de lei é surpreendentemente moderado —não muito diferente das leis anti-exploração de preços em vigor em muitos estados. Por exemplo, o Texas (sim, o Texas) proíbe muitas empresas de “exigir um preço exorbitante ou excessivo” em coisas como alimentos e combustíveis durante desastres.

Por que temos leis contra a exploração de preços? Principalmente porque os eleitores odeiam quando as empresas aproveitam a escassez para cobrar preços muito altos, mas também porque, quando não há limites de preços eficazes, as empresas às vezes agem para piorar a escassez. Alguns de nós ainda lembram da crise de energia da Califórnia, por volta de 2001, quando os produtores de energia reduziram a oferta para aumentar os preços da eletricidade.

O ponto é que você pode considerar razoável ter restrições legais à exploração de preços sem aceitar a visão popular, mas quase certamente errada, de que a ganância corporativa foi o principal motor da inflação recente. E para aqueles que comparam Harris a Nixon, que impôs controles de preços em 1971, lembrem-se de que Nixon também pressionou o Fed (Federal Reserve) para estimular a economia antes da eleição de 1972 —enquanto Harris deixou claro que respeita a independência do Fed.

Então, o que aprendemos sobre a economia de Harris? Ela é, como esperado, moderadamente de centro-esquerda. E para aqueles determinados a vê-la como comunista, desculpe, ela não é.


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Fonte: Folha de São Paulo

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