Uma juíza federal acusou o governo de Donald Trump de agir com má-fé ao ignorar ordens para levar de volta aos Estados Unidos o imigrante salvadorenho Kilmar Armando Abrego Garcia, deportado do território americano no mês passado de forma ilegal e a despeito de sofrer risco de tortura em seu país.
Trata-se de mais um capítulo do embate entre Executivo e Judiciário americano relacionado à política de Trump que visa deportar migrantes. A tensão voltou a aumentar na noite de terça, quando a juíza Paula Xinis, responsável pelo caso, acusou o governo de não cumprir com suas obrigações judiciais.
“Os réus não responderam de boa-fé, e a recusa em fazê-lo só pode ser vista como descumprimento deliberado e intencional”, escreveu a juíza. A falta de respostas, acrescentou ela, “reflete uma evasão das obrigações fundamentais de instrução”.
Xinis determinou um novo prazo-limite, encerrado às 19h (de Brasília), para que o governo apresentasse informações que embasassem o argumento de que não é possível levar Garcia volta aos EUA. Não foi divulgado, porém, se as autoridades cumpriram tal medida.
Os advogados do governo Trump dizem que os EUA não têm capacidade de interceder junto ao governo de Nayib Bukele e negociar a liberação de Garcia. Mas essa justificativa é alvo de questionamentos, principalmente sob a ótica de que o líder salvadorenho é aliado próximo de seu homólogo americano.
“Os réus sabem, pelo menos desde a semana passada, que este tribunal exige demonstrações legais e factuais específicas […]. No entanto, eles continuaram a se basear em afirmações padronizadas. Isso acaba agora”, afirmou a juíza Xinis ao estabelecer o novo prazo para o envio das informações.
Xinis ordenou na semana passada que quatro funcionários do governo Trump prestassem depoimentos. Também exigiu que eles compartilhassem documentos e respondessem a perguntas por escrito dos advogados de Garcia.
Mas a defesa do homem deportado de forma ilegal acusa o governo de desrespeitar essa diretriz. Segundo eles, as autoridades não estão “produzindo nada substancial” sob o argumento de que não têm poder para garantir o retorno do salvadorenho.
O caso de Garcia é um dos mais emblemáticos relacionado a deportação de migrantes. Ele foi mandado de volta a El Salvador em março, mesmo tendo residência legal nos EUA e a despeito de sofrer risco de tortura em seu país. O caso foi parar nos tribunais, e a Suprema Corte ordenou no último dia 10 que ele volte ao território americano, numa decisão que é considerada a maior derrota judicial do atual governo.
No dia seguinte à decisão da mais alta instância judicial americana, Xinis já havia demonstrado irritação com a falta de respostas do governo, sugerindo que as autoridades estavam fazendo pouco caso. Ela disse que o processo de deportação foi “ilegal desde o início”, descrevendo-o como preocupante. Desde então, ela têm pressionado as autoridades a fazerem atualizações diárias sobre o caso.
A defesa da Casa Branca diz que Garcia é integrante da facção criminosa MS-13 e, embora tenha reconhecido que ele fora enviado erroneamente a El Salvador, insiste que o Judiciário não tem competência para interferir no caso e “trazer um membro de uma organização terrorista estrangeira de volta ao território americano”. O erro, diz o governo, foi o destino de Garcia, não o processo de expulsão.
Para Xinis, entretanto, a acusação de que Garcia integra uma facção “não tem qualquer base, consistindo apenas nos fatos de que [o imigrante] usava um casaco com capuz e que um informante o acusou de pertencer ao MS-13 de Nova York, cidade onde nunca morou”. Os advogados de Garcia, contratados por sua família, dizem ainda que o salvadorenho viveu por anos nos EUA sem ter sido acusado de crimes.