Se a essência da tragédia grega é o herói ser derrotado por suas próprias falhas, Joe Biden se tornou o protagonista desta. Ele derrotou Donald Trump, enfrentou a Rússia, implementou mais reformas do que Bill Clinton e Barack Obama e deixou uma economia robusta.
Isso fez de Biden um herói para a esquerda americana. No entanto, a maioria de suas conquistas agora será apagada. Seu legado é o retorno de Trump.
Depois de Biden, o caos
Ele tem grande parte da culpa. A falha do herói trágico grego é sua arrogância. Na semana passada, Biden disse que poderia ter vencido a eleição de 2024 se tivesse permanecido na corrida. Isso apesar do fato de que apenas 27% dos americanos, em junho passado, acreditavam que ele tinha capacidade cognitiva para ser presidente novamente.
É provável que Trump tivesse alcançado uma vitória ainda mais expressiva. Qualquer que seja a responsabilidade de Kamala Harris, sua votação ficou apenas 1,5 ponto percentual abaixo da de Trump.
Muito ainda precisa ser revelado sobre o silêncio que cercou a diminuição das capacidades cognitivas de Biden. Embora ele tenha sido poupado de coletivas de imprensa e outros eventos não roteirizados, não era segredo em Washington que sua mente estava em declínio.
Os familiares e assessores de longa data do democrata devem assumir parte da culpa. Foi também uma falha da mídia. Os poucos jornalistas que tentaram expor o assunto arriscaram perder acessos e ser ostracizados pela esquerda nas redes sociais.
A responsabilidade final é de Biden
Se ele tivesse cumprido sua promessa de ser uma ponte de um mandato para a era pós-Trump, o partido Democrata teria tido tempo para encontrar um candidato mais forte do que Kamala Harris —alguém que pudesse se distanciar do que era impopular na economia de Biden.
Em vez disso, Biden ficou isolado e desconectado do público. Certamente, a maior mudança para Kamala nas eleições de novembro veio de eleitores que acompanhavam as notícias.
Enquanto isso, Trump conquistou com margens esmagadoras os votos dos eleitores menos informados, independentemente de raça, renda e gênero. Todos os americanos de bom senso estão com você, disse um apoiador a Adlai Stevenson, o candidato democrata derrotado duas vezes nos anos 1950. Sim, mas eu preciso de uma maioria, ele brincou.
Ninguém disse que a política era justa. Biden ajudou a garantir que a recuperação dos EUA pós-Covid fosse mais forte do que em qualquer outra grande economia. Mas um país nostálgico associou Trump à era pré-Covid. As pessoas culparam Biden pela inflação —e seu estímulo realmente ajudou a alimentá-la.
Os eleitores não lhe deram crédito pelo resto. A grande maioria dos americanos pesquisados pela Gallup esta semana disseram que os EUA perderam terreno em seis áreas durante o mandato de Biden. Estas foram a economia, dívida federal, imigração, desigualdade de renda, posição dos EUA no mundo e crime.
Em apenas uma área a maioria disse que houve progresso durante a presidência de Biden —”a situação para pessoas gays, lésbicas e transgênero”. Nenhum dado poderia capturar melhor a fraqueza de narrativa e liderança da administração Biden.
Até ele desistir em julho, Biden continuou insistindo na ameaça que Trump representava para a democracia, embora sua equipe soubesse há meses que a democracia não figurava entre as cinco principais preocupações dos eleitores.
Mas é a nobreza do herói falho que dá a Biden um final grego. Virtude e arrogância estavam presentes em suas tragédias pessoais.
Quando Biden era vice-presidente, seu patrimônio líquido era estimado em cerca de US$ 500 mil. Após quase meio século na vida pública, esse número pouco mudou. Nenhum americano bem informado achava que Biden fosse corrupto.
Mas ele fez vista grossa para seu filho, Hunter, que buscava monetizar o nome da família enquanto enfrentava um vício. Biden pagou um alto preço por essa indulgência. Como Otelo, Biden amou não sabiamente, mas demais.
Os ucranianos lembrarão de Biden com carinho.
O mesmo não pode ser dito dos palestinos.
Em meio aos escombros do pior número de mortes civis em anos, a Faixa de Gaza está repleta de munições americanas fornecidas por Biden. Ele acredita que estava agindo nobremente para evitar mais mortes e impedir uma guerra no Oriente Médio.
Ao manter os recursos militares de Vladimir Putin na Ucrânia, Biden pode também ter contribuído para a queda de Bashar al-Assad na Síria.
Mas grande parte do Sul Global vê Biden como um homem que falhou em defender os valores que prometeu.
Que Trump seja visto como uma versão diferente de Biden em grande parte do mundo —não como uma ruptura radical— pode ser o resultado mais difícil de todos.
Biden prometeu há quatro anos ser o “aliado da luz, não das trevas”. Ele quis dizer isso. Na despedida de Biden aos EUA, apenas ele saberá como é ceder o palco para Trump.