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Israel tem direito a defesa, mas ações extrapolam limites – 12/12/2023 – Mundo

Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, em 1945, o trauma era tão grande que a guerra foi proibida. A Carta das Nações Unidas dizia que, dali em diante, seus Estados-membros passariam a “resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos”.

Para isso, o documento trazia em seu capítulo 6º uma receita de “solução pacífica de controvérsias”. Mas, por via das dúvidas, também apresentava no capítulo seguinte as ações a serem adotadas em casos de “ameaça à paz e atos de agressão”. Ou seja, a guerra seria proibida, mas haveria exceções.

A primeira exceção prevê que um Estado-membro agredido leve a questão ao Conselho de Segurança, único órgão do mundo capaz de autorizar o uso legítimo da força nas relações internacionais. A segunda exceção prevê que, enquanto o Conselho de Segurança não analisa o caso, o Estado agredido pode se defender.

Tudo isso se refere às relações entre Estados. Acontece que Israel é um Estado-membro da ONU desde 1948, mas quem o agrediu em 7 de outubro foi o Hamas, um grupo que controla o que um dia viria a ser um Estado palestino jamais criado como tal.

Nenhuma dessas singularidades impede a aplicabilidade das leis, mas torna o debate intrincado.

Para quem busca na guerra analogias de uma briga entre duas pessoas, tudo pode parecer muito simples: quem apanha deve ter o direito de revidar. O direito internacional é, no entanto, mais cheio de voltas. Há uma espécie de ritualização e codificação das coisas, em uma tentativa de transformar briga em luta, como acontece nos esportes de combate.

Especificar qual seria a natureza legal da resposta israelense determinaria o tipo de lei aplicável a esse contexto e, como consequência, os parâmetros para um futuro e ainda hipotético julgamento das infrações que forem cometidas nessa guerra —os chamados crimes de guerra.

Voltando à analogia com os esportes: é preciso determinar se o jogo em curso é de futebol ou de handebol, para saber se uma mão na bola é falta. Tudo pode parecer um debate jurídico frívolo quando há mais de 7.000 crianças mortas, mas é assim que o setor funciona.

Esse intrincado debate sobre o direito de defesa de Israel está dividido em dois grupos. Nenhum deles nega o direito de defesa israelense. A divergência é sobre o regime jurídico que enquadra os contornos legais da resposta israelense ao Hamas.

De um lado, há um grupo de juristas que entende que, por ser uma “potência de ocupação” nos territórios palestinos, Israel poderia tomar medidas para se proteger do Hamas, mas não poderia mover uma guerra, como está movendo em Gaza.

A principal expoente dessa corrente é a italiana Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados. Para ela, “o direito de autodefesa só pode ser evocado quando um Estado é ameaçado por outro Estado”, mas “Gaza não é uma entidade por si só. É parte de um território ocupado”. Por isso, Israel não pode evocar direito de autodefesa contra um território que ele mesmo ocupa.

A relatora não detalha que tipo de medida Israel poderia tomar. Mas, o que se desprende desse pensamento é que, como potência de ocupação, Israel poderia ter movido ações de menor intensidade do que os bombardeios aéreos e o uso de artilharia sobre áreas densamente povoadas. Seria fácil para Israel, como potência de ocupação, proteger-se do Hamas, se quisesse apenas isso, em vez de buscar uma espécie de vingança punitiva e exemplar contra Gaza.

Do lado contrário, Israel argumenta que já não é mais potência de ocupação em Gaza, desde que devolveu o controle aos palestinos, em 2005. Essa afirmação colide, no entanto, com um parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça de 2004.

Embora o parecer tenha sido emitido um ano antes da saída israelense, os motivos elencados no documento para caracterizar Israel como potência de ocupação seguem vigentes: controle dos limites aéreo, marítimo e terrestre de Gaza, com restrição à livre circulação de bens e pessoas –vide a anuência que o Brasil tem de buscar de autoridades israelenses quando tenta retirar de Gaza seus cidadãos.

Além da questão da ocupação de Gaza, o lado israelense recorre ainda a um raciocínio semelhante ao dos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001: ao classificar o Hamas de “grupo terrorista”, busca dar o máximo de amplitude a suas ações militares, que passam a ser dirigidas não a um Estado inimigo, mas a todos aqueles que Israel acusa de serem terroristas.

A questão é, neste caso –assim como foi na “guerra ao terror” de George W. Bush–, quais os limites dessa defesa irrestrita contra “o terrorismo”, pois também os civis palestinos, o Jihad Islâmico, o Hezbollah, os rebeldes houthis do Iêmen e o governo iraniano podem entrar na conta da autodefesa israelense, assim como Iraque entrou na conta da autodefesa americana depois de Bush ter atacado o Talibã no Afeganistão.

Fonte: Folha de São Paulo

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