Blaise Metreweli foi nomeada a nova chefe do MI6, o Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido, tornando-se a primeira mulher a liderar a agência responsável pelo recrutamento de espiões no exterior desde sua fundação, há mais de um século.
Metreweli ocupa atualmente o cargo de chefe de tecnologia do SIS —um papel conhecido como Q, em referência à personagem responsável pelos dispositivos nos filmes de James Bond— e já desempenhou funções operacionais no Oriente Médio e na Europa.
Ela assumirá o posto em outubro, quando Richard Moore deixará o cargo após um mandato de cinco anos.
O primeiro-ministro Keir Starmer, que entrevistou os dois candidatos finais, elogiou a promoção de Metreweli como uma “nomeação histórica” em um momento em que o Reino Unido enfrenta ameaças em uma “escala sem precedentes”.
Metreweli disse estar “orgulhosa e honrada” por ter sido convidada a liderar o SIS, e que espera continuar seu trabalho “ao lado dos corajosos oficiais e agentes do MI6 e nossos muitos parceiros internacionais”.
Em uma entrevista concedida ao Financial Times há três anos —na qual foi identificada com o pseudônimo Ada para proteger sua identidade— Metreweli revelou que, desde a infância, ser espiã era o único trabalho que sempre desejou.
Uma autodeclarada nerd, contou que seu primeiro trabalho na área foi uma oportunidade de se envolver com a “ciência profunda” da tecnologia nuclear, além da tarefa de construir relações com agentes estrangeiros “que arriscavam suas vidas para compartilhar segredos conosco”.
Metreweli, que estudou antropologia em Cambridge, inicialmente se candidatou para trabalhar como diplomata antes de ser redirecionada para a carreira de inteligência no SIS.
Seu sobrenome é georgiano, refletindo sua herança do Leste Europeu. Colegas afirmam que ela fala árabe fluentemente e possui ampla experiência de trabalho no Oriente Médio, inclusive em zonas de guerra.
Durante sua carreira de 26 anos na inteligência, Metreweli também atuou no MI5 —a agência de inteligência doméstica do Reino Unido— como chefe da diretoria K, responsável por ameaças ao país vindas de Estados hostis como Rússia, China e Irã.
Sua especialização em Oriente Médio será particularmente relevante diante do atual conflito entre Israel e Irã. No entanto, os espiões britânicos estão lidando com uma série de outras ameaças concorrentes.
Em discurso feito em novembro, o chefe em fim de mandato, Richard Moore, disse que, em quase quatro décadas de atuação na inteligência, “nunca viu o mundo em um estado tão perigoso”. Ele citou o ressurgimento do Estado Islâmico, a postura mais agressiva da China e a instabilidade provocada pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Metreweli, 47, deveria assumir um cargo no exterior, mas agora permanecerá no Reino Unido para assumir a chefia, função conhecida pelo codinome C.
Um de seus maiores desafios será gerenciar as relações em transformação entre o SIS e a CIA — tradicionalmente sua agência aliada mais próxima —durante um período de interesses de segurança divergentes sob o governo do presidente Donald Trump.
Como o MI6 é uma organização secreta, a chefe é a única funcionária cujo nome é “reconhecido publicamente”, e a agência não divulga quantos empregados tem no Reino Unido ou em suas estações pelo mundo.
Metreweli, a primeira mulher a ocupar o cargo de C em 116 anos de história do SIS, reconheceu em sua entrevista de 2022 ao FT que ser mulher às vezes foi uma vantagem na hora de recrutar contatos em campo.
“No momento em que alguém decide se tornar um agente, é preciso fazer milhares de cálculos de risco, mas a pessoa não sabe exatamente como reagir emocionalmente”, disse. “Não existe um protocolo. Ironicamente, torna-se uma espécie de terra de ninguém.” Nesse espaço, segundo ela, mulheres têm facilidade em encontrar pontos em comum.
Ainda assim, a realidade demorou a alcançar a ficção de Hollywood —já se passaram 30 anos desde que Judi Dench interpretou pela primeira vez a chefe do MI6 no filme de James Bond “Golden Eye”.
O MI5 já foi liderado por duas mulheres: Stella Rimington, nomeada em 1992, e Eliza Manningham-Buller, que assumiu dez anos depois. Gina Haspel, primeira mulher a dirigir a CIA, foi nomeada em 2018.
Moore, que prometeu ser o último C escolhido a partir de uma lista exclusivamente masculina, defendeu abertamente a nomeação de uma mulher. Neste processo seletivo, três mulheres e um homem foram indicados para entrevistas.
Moore disse estar “muito satisfeito” com a nomeação de Metreweli, descrevendo-a como “uma agente de inteligência altamente capacitada, uma líder, e uma das nossas maiores especialistas em tecnologia”.
A histórica escassez de mulheres em cargos de liderança no SIS tem diminuído nos últimos anos. Três das quatro atuais diretoras-gerais abaixo de Moore são mulheres: Metreweli, outra responsável por operações e uma terceira pela estratégia.
Mulheres na agência ainda recebem, em média, 7,9% menos que os homens, segundo os dados mais recentes sobre disparidade salarial de gênero do SIS.
Meta Ramsay, que trabalhou como oficial de inteligência do SIS até se aposentar no início dos anos 1990, disse estar encantada com a nomeação de uma mulher como chefe do serviço.
Ramsay, uma das mulheres mais graduadas de sua geração, afirmou ao FT que o MI6 estava “começando a se tornar uma exceção estranha entre as agências nacionais de inteligência” por nunca ter tido uma mulher no comando.
Ela acrescentou que várias espiãs altamente qualificadas ocuparam cargos seniores ao longo dos anos, mas nenhuma chegou ao topo. “Finalmente, o teto de vidro foi quebrado”, declarou.
O nome de Metreweli permaneceu em grande parte fora do conhecimento público, embora ela tenha recebido o título de Comandante da Ordem de São Miguel e São Jorge (CMG) no ano passado por “serviços à política externa britânica”.
Um registro da Companies House também a identifica como coproprietária de uma empresa imobiliária que parece administrar um único imóvel em Pimlico, Londres, do outro lado do rio da sede do MI6. Essa, no entanto, não é sua residência atual, segundo pessoas próximas.
O Financial Times informou na semana passada que o processo de seleção para a nova chefe do MI6 havia sido reduzido a duas candidatas: uma da própria agência e outra do Ministério das Relações Exteriores.
Elas eram Metreweli —embora o FT tenha optado por não revelar seu nome à época— e Barbara Woodward, representante permanente do Reino Unido na ONU e ex-embaixadora na China.