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Historiador do Hamas prevê grupo mais popular após ataques – 14/10/2023 – Ilustríssima

[RESUMO] Um dos principais estudiosos do Hamas, o palestino-britânico Azzam Tamimi diz em entrevista à Folha que os ataques contra Israel desde 7 de outubro são reações a décadas de opressão e que aumentarão o apoio ao grupo entre árabes e muçulmanos ao redor do mundo. Defensor de um islã democrático e moderado, ele comenta as origens do Hamas e também critica o movimento por apresentar informações falsas ou deturpadas em carta de princípios.

O conflito com Israel vai aumentar a popularidade do Hamas na Palestina, no mundo árabe e entre os muçulmanos de todas as partes, prevê o palestino-britânico Azzam Tamimi, estudioso da história do grupo e influente liderança da comunidade islâmica do Reino Unido.

Em que pesem as atrocidades dos atos terroristas do dia 7 de outubro, Tamimi afirmou à Folha que as ações não foram vistas dessa forma pela maioria dos militantes (como ele) ou mesmo simpatizantes da causa palestina, sobretudo porque são interpretadas como reação a décadas de opressão, mas também por causa da mortífera resposta israelense —que define como “loucura” do premiê Benjamin Netanyahu, “um político corrupto e fracassado”.

“Claro que alguns consideram esses atos condenáveis ou terroristas, mas outros os veem como heroicos e audaciosos. Esta é uma guerra de libertação que já dura 75 anos. Desde 1948, o estado que os sionistas criaram sobre os restos das casas palestinas, chamado Israel, não parou de atormentar os palestinos e cometer todo tipo de crimes de guerra contra eles”, disse Tamimi, em entrevista por e-mail.

“O povo vietnamita era considerado terrorista pelos americanos, Nelson Mandela era considerado terrorista pelo regime do apartheid e seus apoiadores, como Margaret Thatcher e Ronald Reagan, e o movimento de resistência argelino era considerado terrorista pelas autoridades coloniais francesas. Se uma parte inflige dor à outra, é natural que a vítima tente retribuir.”

Doutor em ciência política pela Universidade de Westminster, em Londres, Tamimi é autor de um livro sobre a história do Hamas —“Hamas – Unwritten Chapters” (capítulos não escritos), que nos EUA foi publicado com o título “Hamas: A History from Within” (uma história de dentro)—, bem como da biografia “Rachid Ghannouchi: A Democrat Within Islamism” (um democrata dentro do islamismo), sobre o tunisiano que liderou a Primavera Árabe naquele país.

Defensor de um islã democrático e moderado, Tamimi é também fundador do Institute of Islamic Political Thought e presidente do canal de TV árabe Al Hiwar (transmitido a partir de Londres).

Nascido em Hebron, na Cisjordânia, Tamimi desdenha do Fatah, o partido no poder da Autoridade Palestina e que controla aquele território, e afirma que só o Hamas tem credibilidade.

“Acredito que isso [os ataques e o conflito] aumentará a popularidade do Hamas entre os palestinos, os árabes, os muçulmanos e amantes da liberdade ao redor do mundo. O Hamas hoje é equivalente ao CNA [Congresso Nacional Africano, partido de Nelson Mandela] durante os dias de luta contra o apartheid na África do Sul. Quanto ao Fatah, acredito que Oslo o matou”, comenta, em alusão ao acordo de paz entre Israel e Palestina celebrado em 1993 com mediação dos EUA e que, para ele, só ampliou a opressão colonial nos territórios palestinos.

“O que antes era a principal causa árabe, ou seja, a Palestina, foi completamente ignorado ou esquecido. Agora, o Hamas está trazendo a causa de volta à tona, algo que a maioria dos palestinos aprecia. O que resta do Fatah é apenas o nome e algumas anedotas.”

Não significa que Tamimi apoie inteiramente o Hamas. Ele é crítico, por exemplo, da chamada Carta de Princípios do grupo. “O estado de Israel não é sagrado. No entanto, em meu livro, critico a antiga Carta do Hamas, publicada em 1988, por não distinguir entre judeus e sionistas.”

Segundo ele, líderes do Hamas reconhecem esse erro, assim como o equívoco de explicar o conflito sob o prisma de uma conspiração judaica global baseada nos “Protocolos dos Sábios de Sião”, uma teoria conspiratória apócrifa e falsa.

“Sugiro em meu livro como uma nova Carta alternativa deveria ser. Somente em 2017 eles apresentaram um novo documento, mas não anularam o anterior. A Carta do Hamas não tem sido útil e realmente contém material que é anti-islâmico e falso”, afirma. “Publiquei declarações e entrevistas com figuras proeminentes do Hamas que concordaram comigo nisso. No entanto, a política interna os impediu de dar o passo correto de declarar a Carta original defeituosa e apresentar uma nova.”

Sigla para o Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas surgiu em dezembro de 1987, durante a primeira Intifada (revolta palestina contra a ocupação israelense), a partir da Irmandade Muçulmana da Palestina. “A razão foi a situação precária em Gaza na época. A Irmandade Muçulmana era uma organização popular focada principalmente em educação religiosa e reforma social. A nova geração do movimento não estava satisfeita, pois as condições sob ocupação pioravam a cada dia.”

À medida que as autoridades de ocupação israelenses respondiam com mais violência a manifestações de palestinos, declara Tamimi, os militantes passaram a retrucar na mesma moeda: primeiro, atacando com facas soldados israelenses, depois roubando deles rifles ou os sequestrando.

Isso marcou o nascimento da ala militar do Hamas, as Brigadas Izziddin Al-Qassam, batizadas em homenagem a um clérigo sírio que se juntou à causa palestina e foi morto em 1935 pelos britânicos que ocupavam então a região.

O assassinato de fiéis palestinos pelo colono judeu Baruch Goldstein na mesquita de Al-Ibrahimi em 25 de fevereiro de 1994 foi o marco para o Hamas passar a cometer atentados suicidas. A tática, conta Tamimi, foi abandonada quando o Hamas começou a fabricar foguetes caseiros –e mais tarde drones e outras ferramentas.

“Mas a eficiência com a qual conseguiu penetrar ou paralisar a vigilância eletrônica de Israel foi surpreendente, bem como o sigilo com o qual a operação foi conduzida. Isso mostra que a inteligência israelense não conseguiu se infiltrar nas unidades que estavam se preparando para a operação há meses. Isso apesar da existência de muitos espiões dentro da Faixa de Gaza trabalhando para Israel ou para a Autoridade Palestina em Ramallah.”

Tamimi conta, no entanto, que os ataques em si não foram exatamente uma surpresa, mas sim sua extensão e a vulnerabilidade israelense. “Imaginava que em algum momento a coisa explodisse, pelas condições desumanas, que se deterioravam rapidamente tanto na Cisjordânia quanto na Faixa de Gaza, mas não esperava que o Hamas alcançasse essa escala nem que Israel fosse tão frágil e vulnerável.”

O estudioso islâmico reputa como propaganda israelense as notícias de que mulheres foram estupradas e crianças foram mortas nos ataques. “Os combatentes do Hamas nunca cometeriam tais atos, pois são proibidos no islã.”

O autor diz que tem dúvidas sobre a entrada do Líbano ou da Síria no conflito ou da escalada para uma guerra regional. “Claro que tudo é possível, mas esses países têm os seus próprios cálculos. Não conheço qualquer acordo entre o Hamas e qualquer um dos países para intervir a fim de aliviar a pressão sobre Gaza.”

E opina que nem uma aniquilação definitiva da Faixa de Gaza deteria a causa palestina. “Este cerco traz mais dor, mais sofrimento e mais derramamento de sangue —até que não haja mais. Mesmo que eles matem líderes do Hamas, enfraqueçam o movimento ou até o destruam, e isso resulte em número muito alto de palestinos mortos e feridos, a resistência renascerá enquanto a ocupação continuar.”

Mas a médio e longo prazo, projeta Tamimi, o conflito deverá desencadear uma reconfiguração no mundo árabe semelhante, “se não maior”, à de 2011 com a Primavera Árabe. “Hoje, o povo árabe, do Atlântico ao Golfo, apoia a Palestina e chora por Gaza, mas pode fazer muito pouco porque os regimes sob os quais está submetido são tirânicos e corruptos; alguns são até sionistas. Assim, as massas árabes, se não hoje, então em algum lugar num futuro próximo, se libertarão do jugo do despotismo e lutarão por sua liberdade e dignidade. Isso acabará por servir à causa palestina.”

Indagado se o Brasil poderia de algum modo influir no tabuleiro diplomático do conflito, ele afirmou: “O Brasil é um país grande e pode ter influência. Poderá ser uma boa ideia se juntar a alguns dos melhores regimes da região, como Turquia ou Catar, para melhorar a situação para os palestinianos”.

Azzam Tamimi era amigo de Jamal Khashoggi, o jornalista saudita esquartejado que se tornou símbolo da luta por um islã mais democrático. “Jamal sempre foi um defensor dos direitos palestinos, assim como apoiou fortemente a Primavera Árabe. Se estivesse vivo, teria usado a sua caneta e suas conexões para tentar ajudar a causa palestina. Que Deus abençoe sua alma.”

Fonte: Folha de São Paulo

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