“Harvard perdeu o rumo”. Assim Trump sintetiza o momentum na rede social na qual desfila sua visão de país e de mundo. “Harvard tem contratado todos os wokes, esquerdistas radicais, idiotas e cérebros de passarinho, apenas capazes de ensinar o fracasso para estudantes e líderes do futuro.”
A publicação, com direito a muitas letras maiúsculas, reage ao posicionamento da tradicional universidade americana frente à lista de deveres prescrita pelo chefe da Casa Branca em troca da manutenção de fundos federais.
Até o mundo acadêmico americano se surpreendeu com a reação de Harvard, sintetizada de forma altiva por seu reitor, Alan Garber: “A universidade não abrirá mão da sua independência nem dos seus direitos constitucionais.” Ele avisou também que “nenhum governo, seja ele qual for, pode ditar o que as universidades devem ensinar, quem elas devem contratar e em que áreas de estudo e pesquisa devem seguir”. Harvard parece não ter perdido o rumo, mas pintou-se para guerra.
O intervencionismo de Trump nas universidades deixa transparecer aquele improviso que leva ao jeito tosco de fazer as coisas –pedra de toque do seu segundo mandato. Sabe-se agora que antes da resposta de Garber vir a público, a instituição havia recebido uma primeira lista de deveres, um tanto anódina, com ordens que incluem o veto ao uso de máscaras no campus. Harvard pediu explicações. Dias depois, chegou a resposta, superando em muito os esclarecimentos. Era a lista do cabresto. Ajoelha ou não tem dinheiro.
A reação de Harvard, sob o peso de um congelamento imediato da ordem de US$ 2 bilhões, importa muito. Trata-se de uma instituição privada com 389 anos de história, que hoje depende em parte do financiamento do governo. Seu orçamento total se compõe de doações filantrópicas, receitas com alunos e com educação continuada, patrocínios e investimentos múltiplos.
A instituição tem como seguir em frente, defendendo-se das retaliações de Trump. Fora isso, resta a constatação de que a vida não ficou mais fácil para Columbia (NY) e Northwestern (Chicago), duas universidades que optaram por negociar com o governo em troca da preservação de fundos. Novas condições para o financiamento aterrissam na mesa de reitores, depois que o caminho da intrusão foi aberto.
Em artigo corajoso intitulado “Apaziguar Trump não é a resposta”, Dhananjay Jagannathan, do Departamento de Filosofia de Columbia, descreve o risco de desmoronamento moral e institucional da universidade ao se submeter ao presidente americano. Foi escrito para o meio acadêmico. Para o professor, a estratégia de apaziguamento de Columbia (ceder agora, deixar a poeira baixar e se recuperar depois) não contabiliza os estragos.
Jagannathan entende que a ofensiva de Trump se dá sobre três pilares: semear rachas no meio universitário, aterrorizar os vulneráveis e suprimir o espaço da divergência. E a questão maior, garante, não é Gaza, nem o movimento pró-Palestina, mas demolir a ideia de que a universidade é um fórum legítimo para debater este e outros temas.
Ainda que as prisões recentes de alunos de Columbia, incluindo a de Mahmoud Khalil, com green card e visto permanente, tenham sido tratadas com estardalhaço, Gaza pode ser pano de fundo. O que se vê hoje em Columbia é o medo, o sentimento de que batidas em dormitórios do campus podem virar rotina e que estudantes internacionais se tornam indesejados. Mesmo os americanos filhos de imigrantes, como Jaganatthan, passam a integrar uma cidadania de segunda classe nesse ambiente.
E onde a tesoura de Trump corta a fundo, de forma seletiva? Nas escolas médicas, nos laboratórios científicos e nos departamentos de saúde pública. Desde o início do governo, o National Institutes of Health anuncia cortes nessas áreas contra “a igualdade marxista, o transgenderismo (sic) e as políticas visando pactos ambientais”.
E por quê? Quem visitar o site de uma organização ultraconservadora chamada The Heritage Foundation, de onde saíram o programa de campanha de Trump e o sombrio Projeto 2025, constatará que as semelhanças nem de longe são meras coincidências.