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Guerra Israel-Hamas: conflito aumenta ódio na Cisjordânia – 21/10/2023 – Mundo

Não há balas perdidas na Cisjordânia. A cada disparo, uma vítima. Os meninos que atiram pedras e queimam pneus na periferia de Ramallah dizem que se trata de um robô montado sobre um jipe das Forças de Defesa de Israel. “Ele nunca erra. Foi um robô que os americanos mandaram para eles, sempre acertam na perna“, disse Mohammad, alegados 20 anos, enquanto se escondia dos soldados israelenses atrás de um velho tanque para transportar combustível na tarde ensolarada da última sexta-feira (20).

Do alto de um monte que serve de fronteira entre palestinos e israelenses na parte leste de Ramallah, militares armados com rifles de precisão e metralhadoras observam os adolescentes tentando acertá-los com pedras atiradas com fundas. Soldados descem o monte e se aproximam dos jovens palestinos numa tentativa de mantê-los a distância. Volta e meia, atiram contra eles.

Mohammad, que pouco antes contava do tal robô, foi baleado na perna direita. Ao menos cinco meninos que jogavam pedras contra os soldados foram atingidos por munição letal, quase sempre nas pernas.

Ainda que violentas, as pequenas escaramuças entre os jovens palestinos e os soldados israelenses na Cisjordânia parecem brincadeiras infantis quando comparadas à brutalidade que tomou conta de Israel e da Faixa de Gaza nas últimas duas semanas.

As mortes se acumulam aos milhares, e imagens trágicas de ambos os lados do conflito correm as redes sociais palestinas e israelenses alimentando o ódio mútuo, cada vez mais profundo, mais enraizado.

Latifa, 87, não sai mais de sua casa no campo de refugiados de Am’ari. Passa o dia na cama, diante da televisão, acompanhando as cenas que chegam de Gaza. “Dessa vez é pior do que quando nos expulsaram de nossas terras. Naquela época não havia tantas bombas, não matavam as crianças, não matavam as mulheres como estão matando agora”.

Como muitos na Cisjordânia, Latifa descreve as cenas de brutalidade do Hamas como fabricadas por Israel e pelos Estados Unidos. “Jamais poderemos viver com eles, são animais.”

Não muito longe dali, na cidade fronteiriça de Metula, Yisrael Sendler, um ex-bailarino e agora enfermeiro, relembrava os efeitos que o massacre do Hamas no dia 7 de outubro provocou sobre ele quase com as mesmas palavras de Latifa. “Eu não sei mais o que vai acontecer. Nós não podemos mais viver com eles [palestinos]. Eles são como animais, eles não entendem.”

Sendler, 61, é gay e diz ser contra o governo de ultradireita liderado pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. “É tudo trágico, as coisas ficaram insustentáveis”, disse à reportagem em um hotel abandonado a poucas dezenas de metros da fronteira com o Líbano. Do outro lado, combatentes do Hizbullah patrulhavam a pequena estrada que margeia a cerca que separa os dois países.

Sendler e Latifa vivem na Cisjordânia ocupada por Israel. Ela, nos arredores de Ramallah, em um campo de refugiados. Ele, em um assentamento ilegal em Ariel. Apesar de não ser religioso, Sendler diz que se mudou para o assentamento porque os preços das casas são mais baratos, e o custo de vida, menor.

Latifa vive em Am’ari desde que sua família precisou deixar o vilarejo de Nahani em 1948. “Sonho todos os dias com os casamentos em nossa vila. Eram dias felizes.” Ela conta que um dia espera voltar para sua antiga vila, ainda que morta.

A menos de uma centena de quilômetros da casa de Latifa, médicos forenses seguem trabalhando nos restos mortais de centenas de israelenses e estrangeiros mortos no ataque do dia 7 de outubro. Oficiais israelenses convidaram jornalistas para acompanhar os trabalhos no principal instituto de identificação israelense, em Tel Aviv. Tentavam, de alguma maneira, encontrar um contrapeso na guerra de propaganda que toma conta das redes sociais com as imagens de terror que chegam de Gaza.

Sobre as mesas de necropsia, corpos em decomposição, mutilados, alguns dilacerados. Em outra sala, um conjunto de ossos humanos carbonizados, em que antropologistas forenses tentavam montar um macabro quebra-cabeça. “Aqui nessa mesa nos acreditamos que estão dois indivíduos, porque já encontramos três ossos do maxilar”,explicou Michal Peer, um dos membros da equipe.

Segundo os médicos, é bastante provável que muitos dos restos mortais jamais sejam identificados. No estacionamento, dezenas de corpos ensacados e identificados esperavam remoção. Fazia calor, e moscas se aglomeravam sobre os sacos pretos. O cheiro acre dos corpos em decomposição tomava conta de tudo.

Logo as sirenes soaram. Um novo ataque de Gaza foi detectado. Médicos, jornalistas e civis buscaram abrigo em um dos tantos bunkers espalhados pela cidade. Rastros de mísseis cortavam o céu azul da capital israelense. Duas explosões. Em poucos minutos, a vida voltava ao normal.

Na Mesquita de Ramallah já não havia espaço para ninguém durante as rezas do meio-dia de sexta-feira. Pelos alto falantes, o imã fazia um discurso duro, político e apaixonado. Não falava aos que estavam na mesquita. Falava aos moradores de Gaza. Relembrava a eles que o coração de todos os palestinos está em Gaza e que a morte dos inocentes se trata de martírio.

Ao fim do sermão, as ruas estavam cheias. Homens gritavam palavras de ordem. Bandeiras do Hamas surgiam por todo lado. Havia cânticos pedindo a saída de Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, que comanda partes da Cisjordânia.

Diferentemente do que que aconteceu na terça-feira logo após as notícias da explosão do hospital al-Ahli Arab em Gaza, não havia repressão por parte das forças de segurança locais. Bandeiras do Fatah, o partido de Abbas, juntavam-se à manifestação que percorria as ruas centrais de Ramallah.

Em Jerusalém já não há mais turistas nem peregrinos. A sexta-feira repleta de violência terminou calma nas ruelas da cidade antiga. No Portão de Damasco, uma da mais importantes e simbólicas da Cidade Antiga de Jerusalém, soldados israelenses revistavam jovens palestinos. Aos gritos expulsavam qualquer um que tentasse descansar nos degraus de acesso.

Fonte: Folha de São Paulo

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