A Ucrânia executou no último domingo (1º) uma das operações assimétricas mais extraordinárias da história militar moderna. Usando drones de visão em primeira pessoa (FPV, na sigla em inglês) fabricados domesticamente e lançados de dentro do território da Rússia, Kiev fez um ataque coordenado contra várias bases aéreas militares, alcançando até a Sibéria oriental, a fronteira com a Mongólia e o Ártico.
Conhecida como “Operação Teia de Aranha”, os ataques destruíram ou danificaram de forma grave cerca de 20 aeronaves estratégicas, incluindo bombardeiros com capacidade nuclear e aviões de alerta antecipado; Kiev afirma que o número real pode chegar a 41.
Apenas dois dias depois, na terça-feira (3), o Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) atacou novamente – desta vez detonando explosivos subaquáticos e danificando a Ponte de Kerch, a artéria ferroviária e rodoviária crítica que conecta a Rússia à Crimeia ocupada.
A mensagem de Kiev não podia ter sido mais clara: podemos ser muito menores e –pelo menos no papel– mais fracos, mas podemos atacar com força e alcançar alvos distantes, dentro da Rússia.
Usando drones produzidos internamente por menos do que o custo de um iPhone, a Ucrânia destruiu bombardeiros estratégicos avaliados em mais de US$ 100 milhões cada –muitos dos quais são quase impossíveis de substituir devido às sanções e à base industrial degradada da Rússia. Trata-se de uma operação que pode mudar as regras da guerra moderna.
Tão significativo quanto o dano material é o que os ataques revelaram: que uma nação pequena, mas determinada e inovadora, pode implantar tecnologia barata, escalável e descentralizada para desafiar um inimigo muito maior e convencionalmente superior –e até mesmo degradar elementos da capacidade de segundo ataque de uma superpotência nuclear. As lições repercutirão globalmente, de Taipé a Islamabad.
Talvez o maior impacto do golpe da Ucrânia seja desafiar a presunção estratégica central que tem guiado o pensamento de Vladimir Putin por mais de três anos: que o tempo está a seu favor. Desde o início da invasão, o presidente russo apostou em superar a Ucrânia desgastando suas defesas, drenando o apoio ocidental e esperando que os ventos políticos em Washington e na Europa mudassem. Essa suposição tem sustentado sua recusa em negociar seriamente.
Mas o sucesso das operações de drones e sabotagem da Ucrânia desafia essa teoria de vitória. Mostra que a Ucrânia não está apenas sobrevivendo a uma guerra de atrito; está mudando o campo de batalha e expandindo os custos da guerra contínua para a Rússia de maneiras que o Kremlin não antecipou.
Essa mudança é importante, especialmente no contexto diplomático. O momento da campanha de drones –apenas 24 horas antes de uma rodada direta de negociações entre autoridades russas e ucranianas em Istambul– dificilmente foi coincidência.
As ações de Kiev foram projetadas para sinalizar que a Ucrânia não está negociando de uma posição de fraqueza e não será coagida a aceitar um acordo ruim. Embora a própria reunião de Istambul tenha sido previsivelmente infrutífera –durando pouco mais de uma hora e reforçando a irreconciliabilidade dos posicionamentos dos dois lados– o fato de o Kremlin ter comparecido logo após um constrangimento tão notório sugere que pode estar começando a perceber que Kiev tem cartas para jogar e que continuar a guerra traz riscos para a Rússia.
Isso pode não ser suficiente para trazer a Rússia à mesa de negociações de boa-fé, mas poderia torná-la mais aberta a acordos limitados. Certamente, um acordo de paz permanente continua tão distante quanto antes. Kiev continua a pressionar por um cessar-fogo incondicional que a Rússia rejeita de imediato.
Em Istambul, Moscou propôs duas alternativas igualmente inaceitáveis: ou Kiev se retira dos territórios reivindicados pela Rússia ou aceita limites em sua capacidade de se armar, incluindo a interrupção da ajuda militar ocidental.
Mas o tipo certo de pressão dos Estados Unidos, coordenada com os aliados europeus, poderia agora ter uma chance melhor de extrair um acordo de primeira fase –seja um cessar-fogo de 30 dias, um corredor humanitário ou uma troca de prisioneiros– que poderia então se transformar em algo maior e mais duradouro.
Ao mesmo tempo, os ganhos da Ucrânia aumentam os riscos de uma escalada perigosa. A postura de dissuasão da Rússia foi erodida. As linhas vermelhas de Putin –sobre a ampliação da Otan, o uso de armas ocidentais, ataques dentro da Rússia– foram cruzadas repetidamente sem consequências sérias.
Isso o faz parecer fraco, mas também aumenta o risco de que ele se sinta compelido a escalar o conflito de forma mais dramática para restaurar sua credibilidade interna e externa.
A resposta imediata da Rússia aos ataques recentes será mais do mesmo: bombardeios indiscriminados e mais pesados contra cidades e infraestruturas ucranianas. Mas uma possibilidade mais sombria é que, encurralado e humilhado, Putin possa considerar um ataque nuclear tático.
O limiar para um passo tão extremo é alto –principalmente porque a China, parceira global mais importante da Rússia, opõe-se fortemente ao uso de armas nucleares.
Esse cenário continua improvável, mas menos do que antes de 1º de junho. E Putin está encorajado pela crença de que o Ocidente –particularmente os Estados Unidos de Donald Trump– teme o confronto militar direto mais do que qualquer coisa. Se ele avaliar que a posição da Rússia na guerra está se tornando insustentável ou que sua dissuasão convencional está desmoronando, seu cálculo pode mudar.
A Ucrânia acaba de lembrar ao Kremlin –e ao mundo– que pode moldar eventos, não apenas reagir a eles. Isso não a coloca no caminho da vitória nem põe fim à guerra.
Mas ao mostrar que tem influência e que Moscou tem mais a perder do que pensava, a Ucrânia alterou a equação estratégica e abriu uma estreita janela para a diplomacia –mesmo que o desfecho continue tão difícil de prever quanto antes. A alternativa é um conflito mais profundo e imprevisível que se torna mais perigoso quanto mais tempo se arrasta.
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