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Gaza: Palestinos assumem risco de morrer para ter comida – 28/06/2025 – Mundo

Uma atividade passou a ditar a vida dos moradores de Gaza em guerra: a busca diária por comida, tarefa cada vez mais difícil e perigosa desde a adoção de um sistema de distribuição de ajuda supervisionado por Israel. A responsável é a controversa Fundação Humanitária de Gaza (FHG), cuja atuação em apenas quatro pontos do território palestino é amplamente vista como insuficiente.

“As pessoas precisam caminhar quilômetros e quilômetros para receber sua ração de alimento dentro de gaiolas, atravessando centros militares, sob condições bélicas”, diz à Folha o ativista Abed Al-Wahab Hamad, 29, que vive na Cidade de Gaza.

Gerente regional da Juhoud, uma organização de desenvolvimento rural e social que atua nos territórios palestinos desde 2003, Hamad se refere aos corredores formados por cercas de arame pelos quais milhares têm de passar para conseguir algum mantimento. A superlotação torna a operação caótica, e tumultos com mortes por disparos de forças israelenses têm sido frequentes.

A situação, segundo Hamad, é desesperadora. “As pessoas vão a esses locais [centros da FHG] e assumem o risco para poder alimentar seus filhos. É horrível, cruel. Continuam a ir, embora saibam que podem ser mortas por tiros e drones israelenses.” Ele afirma que os aparelhos “pairam 24 horas no céu de Gaza como abutres circulando e disparando rajadas contra civis que estão com fome e não têm escolha”.

No sistema anterior, coordenado pela ONU, havia cerca de 400 pontos de distribuição espalhados pelo território que equivale a um quarto da área do município de São Paulo. Agora, três dos quatro pontos operados pela FHG estão no sul de Gaza —o que entidades humanitárias internacionais veem como um deslocamento forçado, pois militares israelenses praticamente esvaziaram o norte com ordens de retirada de civis devido a operações contra o Hamas.

Com o fim do cessar-fogo entre Tel Aviv e a facção terrorista, em março deste ano, o governo de Binyamin Netanyahu bloqueou totalmente a entrada de ajuda humanitária no território palestino. Foram 78 dias sem a entrada dos caminhões de suprimentos até então organizada e operada pelos órgãos das Nações Unidas. Sob pressão internacional, em 19 de maio, o premiê liberou parcialmente o acesso.

Uma semana depois, a FHG, apoiada pelo governo dos Estados Unidos, passou a comandar as ações humanitárias em Gaza. O novo sistema foi rejeitado tanto pela própria ONU —que afirmou não corroborar com entidades que considera não isentas— quanto por centenas de organizações de direitos humanos.

O porta-voz do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Ricardo Pires, afirmou à Folha que “o sistema extenso e a coordenação entre diversos parceiros [da ONU] estão sendo deixados de lado”.

Com a instauração da FHG, Israel cerceou a possibilidade de órgãos internacionais atuarem. “Nossas equipes continuam em Gaza, prontas para retomar a entrega em larga escala de suprimentos e serviços essenciais. Temos estoques significativos para entrar assim que o bloqueio for suspenso”, disse o porta-voz.

O Unicef se diz preocupado “com a proposta do uso de reconhecimento facial como pré-requisito para o acesso dos civis à ajuda. Segundo Pires, “isso vai contra os princípios humanitários por utilizar o monitoramento de beneficiários para fins de inteligência e militares”. O objetivo da medida, de acordo com Israel, seria evitar que membros do Hamas se infiltrem e roubem mantimentos, o que a facção nega fazer.

O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) chamou o sistema operado pela FHG de “sentença de morte para pessoas que apenas tentam sobreviver”. Até quinta-feira (26), ao menos 549 pessoas morreram, 3.799 ficaram feridas e outras 39 desapareceram perto dos centros de distribuição da entidade, de acordo com o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas. Os órgãos da ONU falaram em ao menos 410 mortes nessas circunstâncias.

A reportagem tentou, sem sucesso, contato com a FHG, que não tem site nem disponibiliza canais oficiais à imprensa. A entidade não havia se pronunciado, até este sábado (28), sobre as mortes; em paralelo, acusou o Hamas de ter matado ao menos oito de seus trabalhadores em um ataque em meados de junho. Já o governo de Israel justificou repetidas vezes os disparos durante as ações de distribuição de comida como forma de advertência e resposta ao que seriam ações de roubo ou ameaças do grupo terrorista.

As forças de Tel Aviv abriram uma investigação na última sexta (27) para apurar se militares do país atiraram contra palestinos desarmados nas filas da FHG. Reportagem do jornal israelense Haaretz, crítico ao governo de Netanyahu, ouviu de soldados e oficiais em Gaza que havia ordens superiores para disparar contra civis, mesmo quando não havia situação clara de risco.



A fundação montou os locais de distribuição em lugares próximos às zonas controladas por Israel, e é por isso que as pessoas são empurradas para as zonas militares, e são mortas

Hamad afirma que a disparada do preço dos alimentos com a guerra força os moradores de Gaza a buscarem a FHG. “As pessoas aqui pagam pelo menos US$ 20 (R$ 110) por um quilo de farinha. Uma família média de cinco ou seis pessoas precisa de pelo menos dois quilos, o que equivale a aproximadamente US$ 40 (R$ 220). E tem de ser pago em dinheiro.”

Esta é outra dificuldade, segundo o ativista, porque Israel bloqueia a entrada de dinheiro em espécie desde o início do conflito. “As pessoas trocam dinheiro por uma porcentagem mais alta [com aqueles que ainda possuem notas ou moedas], cerca de 45% além do valor original”, afirma. Com isso, um saco de farinha —e somente farinha, sem água ou qualquer outro item— pode custar algo em torno de R$ 160 para a população geral.



Então, ou eles vão para as armadilhas de morte, como os locais de distribuição da FHG, ou morrem de fome

Para além da dificuldade em conseguir suprimentos, a escassez se agrava também pela destruição dos campos que, antes da guerra, eram destinados à produção de alimentos. Segundo dados do programa de Alimentação e Agricultura da ONU, ao menos 83% das terras cultiváveis e das fontes de água para uso agrícola foram danificados pelos ataques e, com isso, menos de 5% das áreas próprias para cultivo são atualmente viáveis. Hamad conta que, por isso, 1 kg de tomate custa aproximadamente US$ 15 (R$ 82).

A privação decorrente dessa conjuntura é a pior já observada no território desde o início da guerra. Pelos dados da Global Wash Cluster (GWC), ao menos 93% das pessoas enfrentam insegurança hídrica. A mesma porcentagem de pessoas está nos níveis crítico, emergencial ou catastrófico de fome, segundo a Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC). Caso o cenário persista, a projeção é que 100% da população estará nessa situação até setembro.

Fonte: Folha de São Paulo

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