spot_img
HomeEducaçãoFundação do PT lança curso para militantes dentro da Unicamp

Fundação do PT lança curso para militantes dentro da Unicamp

A Fundação Perseu Abramo (FPA) – braço de formação político-ideológica do Partido dos Trabalhadores (PT) – encerrou, na última segunda-feira (30), o primeiro de uma série de cursos de extensão previstos em um termo de parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O curso “Desenvolvimento, trabalho e políticas públicas” é a primeira atividade realizada a partir do convênio assinado entre a fundação petista e a universidade no final do ano passado. Oficializada pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Unicamp, a parceria prevê que professores da instituição ministrem as aulas, e a Fundação Perseu Abramo atue diretamente na organização dos cursos. O termo prevê a abertura de turmas direcionadas à formação de militantes até 2029.

O primeiro curso, entretanto, traz uma série de possíveis imoralidades administrativas. Um dos pontos é a promoção político‑partidária com bens ou espaço público. Além da exposição constante da marca e de representantes do partido, apoiadores notórios do PT são preletores do curso, e em parte das aulas há menções elogiosas a programas e membros da legenda.

O edital também prevê um filtro por alinhamento político: os candidatos devem enviar um vídeo de três minutos contando sua “trajetória de atuação profissional, sindical e política”.

Segundo os termos do edital, as 100 vagas da primeira turma seriam destinadas a “militantes, pessoas que atuam nas estruturas dos partidos políticos, candidatos, etc.”. Já o site da Fundação petista expressa claramente que o curso é destinado “à capacitação de filiados e militantes do PT, integrantes de movimentos sociais e servidores públicos”.

O custeio do curso é dividido entre a Perseu Abramo – que afirma ter assumido 50% do custo – e os próprios estudantes, cada um pagando R$ 395, além da taxa de inscrição.

“Curso vai ajudar o nosso partido” diz presidente da Perseu Abramo em aula inaugural

A aula inaugural do curso aconteceu na sede da Perseu Abramo, em São Paulo. Atrás da mesa onde representantes da fundação falavam aos estudantes, havia um amplo painel com uma imagem de Lula com apoiadores. Ao lado, diversos cartazes do Partido dos Trabalhadores e um pôster de Che Guevara.

Em sua fala, Paulo Tarciso Okamotto, presidente da Fundação Perseu Abramo, agradeceu aos “companheiros da Unicamp, que fizeram um esforço grande para fazer com que tivéssemos esse convênio” e mencionou a relevância, para o PT, da parceria com a universidade. “Quero convidar muitos companheiros do PT que possam fazer esse curso também, que eu tenho certeza que vai ajudar o nosso partido”, disse.

O representante da Unicamp presente na aula inaugural foi o professor de Economia Marcelo Manzano. Há anos o docente mantém colaboração com a fundação petista por meio de coordenação de seminários, aulas e participação em eventos, além de ser autor de vários livros publicados pela FPA.

Manzano é diretor do CESIT. O Instituto, que afirma ter como principal diretriz “aproveitar a experiência das lideranças sindicais nos estudos”, mantém estreita relação com entidades sindicais e ativistas de esquerda.

Líder do MST e presidente do IBGE estão entre os professores

Além dos docentes da Unicamp, a FPA convidou para ministrar as aulas uma série de figuras notórias da militância de esquerda no Brasil. Na aula inaugural, o convidado foi Marcio Pochmann, presidente do IBGE nomeado por Lula. Ex-professor da Unicamp, Pochmann já foi presidente da Perseu Abramo entre 2012 e 2020.

Ao longo de sua fala, ele enalteceu figuras clássicas do petismo, como Dilma e Lula, e elogiou políticas do partido. “É um privilégio uma fundação do PT oferecer um curso com a qualidade e com a profundidade num momento decisivo da história brasileira”, disse Pochmann em um discurso não limitado a uma análise técnica, mas se posicionando ideologicamente sobre assuntos como o capitalismo e o papel do Estado na economia.

Em outra aula, quem falou foi João Pedro Stédile, fundador e principal líder do Movimento Sem-Terra (MST). O ativista, que abordou a evolução da questão agrária no Brasil, deixou claro que a linguagem que usaria seria “a que nós utilizamos nos nossos cursos de formação da militância do MST e da Via Campesina”.

“Deram um nome pomposo para a minha aula. Tem uma vantagem nesses títulos pomposos, que o palestrante pode escolher falar o que ele quiser. E é isso o que eu vou fazer. Na prática eu acho que é essa, inclusive, a motivação de a fundação ter me incluído no curso”, disse.

Entre os demais professores convidados, alguns têm clara atuação em movimentos sociais ou organizações alinhadas à esquerda. Até a senadora Tereza Leitão (PT) consta como docente convidada.

João Pedro Stédile, fundador do MST, em aula do curso “Desenvolvimento, trabalho e políticas públicas” (Foto: Reprodução/YouTube/FPA)

Advogado aponta violação de princípios constitucionais em edital da Unicamp

Como explica o advogado Henrique Quintanilha, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), o uso de bens públicos para fins político-partidários fere o princípio da impessoalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, e pode configurar ato de imoralidade administrativa.

Outro ponto crítico do edital, segundo Quintanilha, é o cunho discriminatório no critério de seleção de candidatos, baseado no histórico de militância política. Para o jurista, a medida parece ter como objetivo impedir o acesso de candidatos com pensamento divergente da fundação organizadora.

“Isso, sem dúvidas, viola o princípio da impessoalidade da Administração Pública, mas também o princípio da não discriminação, um dos fundamentos do Direito, exigível inclusive de instituições privadas de ensino”, explica o advogado.

Quintanilha também questiona a informalidade do edital, que não menciona a legislação que o autoriza nem os atos administrativos que deveriam ter sido praticados pela Unicamp após aprovação nos órgãos internos de deliberação.

“Há evidente ausência da clareza esperada de um ato autárquico, o que viola os princípios da publicidade e da transparência – inafastáveis de qualquer ato administrativo, sobretudo quando envolvem o uso de patrimônio público”, conclui.

VEJA TAMBÉM:

  • “Metralhadora” de Pochmann mira classe média, empreendedores, agro e… o capitalismo todo
  • Devota de Krishna e pastor que defendeu Judas: os preletores do curso do PT sobre evangélicos

O que dizem Unicamp e Fundação Perseu Abramo

A Gazeta do Povo enviou uma série de perguntas à Unicamp e à Fundação Perseu Abramo. Parte delas – como a solicitação da grade curricular e a identificação de quem recebeu os pagamentos – não foi respondida por nenhuma das instituições.

A reportagem também solicitou o termo de convênio referente à parceria, com a descrição das tratativas. A assessoria de imprensa da Unicamp alegou não ter o documento e direcionou o pedido ao Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho. A solicitação foi feita também ao CESIT e à FPA, mas nenhuma delas enviou o termo.

Em resposta à Gazeta do Povo, a Perseu Abramo negou a existência de filtro ideológico para acesso ao curso e afirmou que “todos os requisitos técnicos do processo seletivo estão indicados no edital”. A fundação disse também que “o objetivo das aulas não tem absolutamente nada a ver com promoção político-partidária”.

Já o CESIT, da Unicamp, defendeu a legalidade do curso e informou que não houve repasse ou uso de recursos da instituição e que coube ao Instituto de Economia a oferta técnico-científica. Leia a nota na íntegra:

“O curso “Desenvolvimento, Trabalho e Políticas Públicas” é uma atividade de extensão universitária promovida pelo Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Seu conteúdo é de natureza acadêmica, elaborado por docentes da universidade, com foco em temas como desenvolvimento, transformações do trabalho e políticas públicas. A iniciativa é custeada integralmente pela instituição demandante — a Fundação Perseu Abramo (FPA) — não havendo repasse ou uso de recursos da Unicamp. Cabe ao Instituto de Economia a oferta técnico-científica, conforme sua missão institucional.

O Instituto de Economia conduz suas atividades de extensão com base no pluralismo institucional, atendendo demandas de diferentes entidades da sociedade civil, órgãos públicos e instituições, sem discriminação de natureza ideológica ou político-partidária. Todas as propostas são avaliadas segundo critérios técnicos e acadêmicos, conforme a legislação vigente. A continuidade deste ou de outros cursos dependerá do interesse da instituição demandante e da disponibilidade do CESIT, seguindo os trâmites e normas institucionais. O CESIT reafirma seu compromisso com a autonomia universitária, a liberdade de cátedra e o interesse público.”

Fonte: Gazeta do Povo

RELATED ARTICLES

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

- Advertisment -spot_img

Outras Notícias