Na Administração da Seguridade Social (SSA), advogados, estatísticos e outros funcionários de alto escalão da agência estão sendo enviados da sede, em Baltimore, para escritórios regionais para substituir veteranos processadores de pedidos que foram demitidos ou aceitaram indenizações do governo Trump.
Mas a maioria dos recém-chegados não sabe como fazer o trabalho, o que leva a um tempo de espera mais longo para americanos idosos e com deficiência que dependem desses benefícios, segundo duas pessoas familiarizadas com a situação. Questionado sobre as mudanças, um funcionário da SSA disse por e-mail que os funcionários transferidos “têm vasto conhecimento sobre nossos programas e serviços”.
No Serviço de Receita Federal (IRS), a internet ficou tão instável desde que o presidente Donald Trump ordenou que trabalhadores remotos voltassem aos escritórios superlotados que os funcionários estão recorrendo a pontos de acesso pessoais, travando seus computadores no auge da temporada de processamento de impostos, disseram dois funcionários do IRS à Reuters. O órgão não respondeu a um pedido de comentário.
Quase cem dias após o que Trump e o bilionário da tecnologia Elon Musk chamaram de missão para tornar a burocracia federal mais eficiente, a Reuters encontrou 20 casos em que os cortes de pessoal e financiamento levaram a gargalos de compras e aumento de custos; paralisia na tomada de decisões; tempos de espera mais longos para o público; funcionários públicos com salários mais altos preenchendo empregos subalternos e uma fuga de talentos científicos e tecnológicos.
“O Doge [Departamento de Eficiência Governamental, na sigla em inglês] não é um exercício sério”, disse Jessica Riedl, pesquisadora do Manhattan Institute, um think tank fiscalmente conservador que apoia a simplificação do governo. Ela estima que o departamento tenha economizado apenas US$ 5 bilhões (cerca de R$ 28,3 bilhões) até o momento e acredita que acabará custando mais do que economiza.
Os exemplos anteriormente não divulgados abrangem 14 agências governamentais e foram descritos em entrevistas da Reuters com dezenas de funcionários federais, representantes sindicais e especialistas em governança.
Embora esses relatos não forneçam um quadro abrangente do projeto do Doge de Musk para reduzir drasticamente o custo e o tamanho da burocracia federal, eles revelam danos colaterais resultantes dos esforços para tornar a extensa burocracia federal mais eficiente.
Em resposta a perguntas sobre o impacto dos cortes do Doge na eficiência do governo, o porta-voz da Casa Branca, Harrison Fields, disse em um comunicado que a equipe de Musk “já modernizou a tecnologia do governo, preveniu fraudes, simplificou processos e identificou bilhões de dólares em economias para os contribuintes americanos”.
Fields não ofereceu exemplos de melhorias nos sistemas de computadores do governo ou na eficiência da força de trabalho.
Economizando bilhões
Musk confirmou na terça-feira (22) que se afastará no próximo mês de seu papel de supervisão do Doge. Seu mandato de 130 dias como funcionário especial do governo expiraria no fim de maio. Ele disse que continuará a ajudar Trump a reformar o governo, mas não em tempo integral. Seu papel reduzido deixa o futuro do Doge em dúvida, mas especialistas em governança disseram acreditar que os cortes de custos continuarão.
Musk e seus tenentes até agora forneceram poucas evidências concretas sobre como o governo está operando de forma mais eficiente como resultado das demissões em massa e contratos governamentais rescindidos.
Equipes que se infiltraram em uma série de agências governamentais e seus sistemas de computadores operam em grande sigilo, disseram funcionários do governo à Reuters.
Um site do Doge que fornece atualizações regulares sobre o que afirma ter economizado aos contribuintes americanos –US$ 160 bilhões até o momento (R$ 907 bilhões)– está repleto de erros e correções.
A Casa Branca forneceu à Reuters exemplos de economias de custos, incluindo: descoberta de mais de US$ 630 milhões (R$ 3,5 bilhões) em empréstimos fraudulentos feitos pela Administração de Pequenas Empresas a solicitantes com mais de 115 anos e menos de 11 anos em 2020-2021; US$ 382 milhões (R$ 2,1 bilhões) em pagamentos fraudulentos de desemprego pelo Departamento do Trabalho desde 2020; e redução de US$ 18 milhões (R$ 102,1 milhões) em custos de locação na Agência de Proteção Ambiental ao transferir funcionários de um prédio em Washington.
A Reuters não conseguiu verificar independentemente esses números.
O Doge não respondeu aos pedidos de comentário. Em uma entrevista a Bret Baier, da Fox News, em 27 de março, Musk disse que sua equipe é cuidadosa na forma como faz cortes, admite e corrige erros, e descobriu quantidades surpreendentes, em suas palavras, de desperdício e fraude.
Não pode comprar gelo seco
Em sua campanha para cortar custos, o Doge diz ter cancelado quase 500 mil cartões de crédito do governo. Colocou um limite de US$ 1 em muitos outros e centralizou a tomada de decisões em algumas sedes de agências. Isso significa que gerentes em alguns escritórios regionais não podem comprar suprimentos básicos.
Em um centro do Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional, um cientista levou um mês para obter autorização para comprar US$ 200 (R$ 2.268) em gelo seco para preservar amostras de urina, uma compra geralmente feita em um supermercado local. Como o governo proibiu muitos funcionários de fazer compras, um colega em outro escritório regional que ainda possui um cartão de crédito do governo pagou pelo gelo seco, mas ele teve que ser enviado ao laboratório –a um custo adicional de US$ 100 (R$ 1.134), de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto.
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, que supervisionam o instituto, não responderam a um pedido de comentário.
O Doge e a Casa Branca também proibiram muitas agências de se comunicarem com fornecedores externos enquanto interrompem milhares de contratos federais.
Uma das vítimas da proibição: um instrumento de análise química de quase US$ 500 mil (R$ 2,83 milhões) em uma instalação do CDC em Cincinnati, que ficou inativo por meses porque os cientistas não podem agendar treinamento com o fornecedor para começar a usar a máquina, de acordo com uma pessoa familiarizada com a situação. O CDC não respondeu.
Na Administração da Seguridade Social, em um período de quatro dias na primeira semana de março, os sistemas de computadores falharam 10 vezes. Como um quarto da equipe de TI da agência pediu demissão ou foi demitida, está demorando mais tempo para colocar os sistemas online novamente, interrompendo o processamento de solicitações, disse um trabalhador de TI à Reuters.
Poucos contestam que os sistemas de computadores da SSA são antigos, frequentemente falham e precisam de atualização. Musk disse a Baier que os sistemas de computadores da agência estão falhando: “estamos consertando”.
Ajuda humanitária cortada
Até agora, as pessoas mais afetadas pelos esforços do Doge foram os beneficiários de ajuda externa. Desde sua fundação no primeiro dia de Trump na Casa Branca, o departamento praticamente fechou a Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que fornece ajuda aos necessitados do mundo, cancelando mais de 80% de seus programas humanitários. Quase todos os funcionários da agência serão demitidos até setembro, e todos os seus escritórios no exterior serão fechados, com algumas funções absorvidas pelo Departamento de Estado.
No país, a reforma do governo resultou na demissão, renúncias e aposentadorias antecipadas de 260 mil funcionários públicos, de acordo com uma contagem da Reuters.
Mais de 20 mil trabalhadores em período probatório –recém-contratados ou recentemente transferidos– foram demitidos em fevereiro. Após decisões judiciais, foram reintegrados, mas a maioria foi mandada para casa com pagamento integral. A maior parte agora está sendo demitida novamente após novas decisões judiciais.
Trump e Musk disseram que o governo dos EUA está assolado por fraudes e desperdícios. Poucos funcionários públicos e especialistas em governança contestam que medidas de eficiência podem ser tomadas, mas dizem que já existem pessoas dentro da burocracia federal tentando economizar o dinheiro dos contribuintes. No entanto, alguns desses escritórios foram alvo de cortes pelo Doge.
Em janeiro, Trump demitiu 17 inspetores-gerais, cuja missão como vigilantes do governo inclui reduzir desperdícios e fraudes.
Christi Grimm, que foi demitida como inspetora-geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, disse à Reuters que havia identificado US$ 14,5 bilhões (R$ 82,2 bilhões) –”dinheiro vivo esperado para voltar ao Tesouro dos EUA”– ao longo de três anos a partir de auditorias e investigações de fraude.
No mês passado, o Doge eliminou uma das poucas unidades governamentais encarregadas de simplificar a tecnologia em todo o governo federal, uma equipe de 90 membros conhecida como 18-F.
Waldo Jaquith, que trabalhou para o 18F de 2016 a 2020, disse que a equipe economizou para o Pentágono US$ 500 milhões (R$ 2,83 bilhões) durante um único projeto de três dias, depois de descobrir que dois departamentos estavam inadvertidamente fazendo o mesmo trabalho.
A Reuters não conseguiu verificar independentemente esse número.
“O 18F funcionava exatamente como Musk e sua equipe fingem querer que o governo funcione. Mas quando sua equipe o encontrou, eles o destruíram”, disse Jaquith.
O 18F foi considerado “não crítico” por Thomas Shedd, um nomeado de Trump na Administração de Serviços Gerais, em um e-mail para a equipe no mês passado.