Sentado em um apartamento em Manhattan, Nova York, decorado com cartazes e faixas pedindo sua libertação, Mahmoud Khalil relembrou o momento, 105 dias antes, em que agentes de imigração à paisana o algemaram no saguão do prédio.
“Todas as informações e panfletos de ‘Conheça seus direitos’ que eu li e com os quais me familiarizei foram inúteis”, disse Khalil. “Não existem direitos em situações assim”, afirmou. “Parecia um sequestro.”
Khalil, 30, formado pela Universidade Columbia e residente permanente nos Estados Unidos, foi o primeiro manifestante estudantil detido pelo governo do presidente Donald Trump. Na sexta-feira (20), após passar mais de três meses detido em Jena, Louisiana, ele foi libertado sob fiança.
O ativista viajou quase a noite toda para voltar a Nova York e, na noite de sábado (21), falou publicamente, pela primeira vez, sobre a prisão e os planos agora que está livre.
Ele afirmou que, se o objetivo de Trump era suprimir vozes pró-Palestina, “falhou completamente”. Na prisão, disse ter recebido centenas de cartas de pessoas cujo interesse pela causa palestina foi despertado por seu caso.
Citando a suposta promessa de Trump a doadores durante a campanha de 2024, de “atrasar a causa palestina em décadas“, Khalil afirmou que o presidente fez o oposto. “Na verdade, ele adiantou o movimento em 20 anos”, disse.
Em nota, a porta-voz da Casa Branca, Abigail Jackson, afirmou que o caso de Khalil “não é sobre liberdade de expressão”.
“Trata-se de indivíduos que não têm direito de estar nos EUA, se alinhando a terroristas do Hamas e organizando protestos em grupo que tornaram os campi universitários inseguros e hostis a estudantes judeus”, disse ela. As acusações de que Khalil apoiava o Hamas não foram confirmadas na Justiça.
“O governo Trump não hesitará em responsabilizar Khalil e outros que imitem suas táticas”, declarou Jackson. O governo ainda busca deportá-lo, enquanto seu caso segue tramitando na corte de imigração.
Tricia McLaughlin, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, afirmou que Khalil deveria “autodeportar-se” usando um aplicativo do governo para agendar sua saída dos EUA.
Khalil nunca foi acusado de nenhum crime. Em vez disso, o secretário de Estado, Marco Rubio, invocou uma lei pouco usada da metade do século 20 para deportá-lo com base na acusação de que ele teria minado a política externa dos EUA. O governo argumentou que ele contribuiu para a disseminação do antissemitismo ao participar dos protestos universitários.
Mas Khalil, palestino nascido em um campo de refugiados na Síria, rejeita a ideia de que protestar contra Israel seja, por si só, antissemita.
“Eu não estava fazendo nada antissemita”, disse. “Estava, literalmente, defendendo o direito do meu povo. Estava defendendo o fim de um genocídio. Estava defendendo que as mensalidades que outros estudantes e eu pagamos não fossem investidas em fabricantes de armas. O que há de antissemita nisso?”
Mesmo com poucas horas de sono, Khalil falou fluentemente ao relatar sua história pessoal.
Ele nasceu e foi criado em um pequeno campo de refugiados no sul de Damasco, filho de pais palestinos, e disse que foi ensinado a exercer seu direito à liberdade de expressão —mesmo em um país com um regime repressivo, ao qual ele se opunha. Fugiu da Síria para o Líbano uma semana após completar 18 anos, ao saber que dois amigos haviam sido sequestrados por agentes do então ditador Bashar al-Assad.
Estudou ciência da computação na Universidade Libanesa Americana, em Beirute. Em 2016, conheceu Noor Abdalla, americana descendente de sírios, por quem se apaixonou.
Por volta de 2022, começou a se candidatar para matrículas em universidades nos EUA. Khalil não idealizava os EUA, mas acreditava que o país tivesse instituições sólidas e um Estado de Direito robusto —e que sua fala seria protegida.
“Vim para cá com um entendimento claro sobre liberdade de expressão“, afirmou. “Mesmo quando se trata da Palestina. Nunca imaginei que defender a Palestina me levaria à prisão.”
Khalil se matriculou em Columbia em janeiro de 2023. Mesmo antes dos ataques terroristas do Hamas a Israel, em 7 de outubro daquele ano, já percebia o que chamava de discriminação contra palestinos. Quando tentou organizar uma palestra com um representante da Human Rights Watch sobre o que chamou de apartheid em Israel, disse que a universidade dificultou o processo.
No 7 de Outubro, afirmou ter clareza sobre a posição da universidade. Em 2024, quando estudantes montaram um acampamento em um gramado do campus, ele negociou com a direção em nome dos manifestantes, que protestavam contra uma guerra que, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, já matou mais de 55 mil pessoas no território palestino.
“Columbia está profundamente comprometida em combater todas as formas de assédio e discriminação no campus e em garantir que todos os estudantes se sintam seguros e acolhidos”, disse um porta-voz da universidade.
Naquele semestre, à medida que protestos e contraprotestos se intensificavam, Khalil começou a temer por sua segurança. Embora não haja registro público de que ele tenha expressado apoio ao Hamas — responsável por ataques que mataram mais de 1.200 pessoas—, sites pró-Israel passaram a retratá-lo como “pró-Hamas” por usar frases como “do rio ao mar.”
Nesse meio-tempo, Khalil se casou com Abdalla, agora dentista, e solicitou residência permanente. Em 2024, ela engravidou e, em novembro, o green card de Khalil foi aprovado.
Seu medo aumentou após Trump vencer as eleições. Depois que o presidente assinou um decreto prometendo combater o antissemitismo nos campi, grupos como Canary Mission e Betar voltaram a atacá-lo nas redes.
Em 8 de março, Khalil voltava de um jantar com Abdalla. Segundo documentos judiciais, ao destrancar a porta do prédio, dois homens à paisana os seguiram para dentro. Khalil foi informado de que estava sendo preso e Abdalla, grávida de oito meses, foi ameaçada de prisão. “Pedi para ver um mandado”, lembrou. Os agentes não mostraram nenhum.
Todo o episódio o lembrou dos agentes do regime sírio, que agem fora da lei. “Foi exatamente isso que me fez fugir.”
Inicialmente, os agentes afirmaram que seu visto de estudante havia sido cancelado —algo que não fazia sentido, já que ele era residente permanente. Achava que seria libertado assim que esclarecessem o erro. Mas, cerca de cinco horas depois, foi apresentado à decisão de Rubio de que ele era uma ameaça à política externa dos EUA.
“Foi muito irônico. Eu literalmente ri”, contou. “O que eu fiz para ser uma ameaça à política externa dos Estados Unidos? Abalei a relação dos EUA com Israel? Porque não parece.”
Khalil foi levado para Nova Jersey e depois de volta a Nova York, informado apenas de que seguiria para o aeroporto JFK. Achava que seria deportado. Só ao embarcar soube que seu destino era a Louisiana, a mais de 1.600 km de casa.
Em Jena, afirmou ter dividido um quarto com mais de 70 homens. Não tinha privacidade e não sabia o que o aguardava. Estava angustiado com sua mulher e o filho prestes a nascer.
Sentiu alegria ao ver outros estudantes pró-Palestina serem libertados. Mas pensava sobretudo em Abdalla, antes e depois do nascimento do filho, em 21 de abril. Seus pedidos para assistir ao parto foram negados.
“Sei o quanto Noor queria que eu estivesse ao lado dela”, disse, com a voz embargada. Tentou se preparar emocionalmente para a ausência, “mas nunca foi o suficiente.”
“Nada neste mundo pode compensar o tempo que perdi com minha família e por não ter presenciado o nascimento do meu filho.”
No fim de maio, o juiz federal de Nova Jersey Michael Farbiarz considerou que a lei usada por Rubio era provavelmente inconstitucional. Neste mês, o juiz impediu que o governo Trump mantivesse Khalil detido com base nela e, na sexta-feira, concedeu liberdade sob fiança.
Khalil afirmou que estar livre não representa justiça. “Estou livre”, disse, “mas os que me fizeram passar pelo inferno ainda estão soltos e, na verdade, fortalecidos.”
Ele pretende retomar imediatamente sua militância pelos direitos dos palestinos e dos imigrantes. “Não acho que o que aconteceu comigo vá me impedir”, afirmou. “Isso só reforçou minha convicção de que o que estamos fazendo é o certo.”