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EUA: Com Kamala, democratas trocaram medo por otimismo – 13/08/2024 – Charles M. Blow

Na terça-feira passada (6), durante o discurso de estreia de Tim Walz como companheiro de chapa da candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris, ele a agradeceu por “trazer de volta a alegria”.

Foi só então que percebi plenamente o quanto a alegria tem gerado a eletricidade por trás da candidatura presidencial de Kamala. Não por causa de alguma posição política específica que a atual vice-presidente tenha tomado —ela não está articulando propostas que diferem substancialmente das do presidente, Joe Biden. No entanto, ela está se permitindo ser o recipiente para a energia progressista reprimida.

Eu subestimei o quanto os eleitores democratas haviam sofrido danos emocionais nos últimos três anos e meio —não por causa da administração Biden, mas pelas intermináveis guerras culturais— e como esses danos se solidificaram em um tipo de depressão eleitoral.

O movimento Black Lives Matter atingiu seu pico e depois diminuiu, enquanto a reação cultural a ele (e ao chamado “movimento woke“) se tornou uma indústria em crescimento. O projeto de reforma policial em âmbito federal não apenas fracassou, mas a ideia também se tornou radioativa. A legislação federal de direitos de voto estagnou e muitos estados correram para promulgar novas restrições aos eleitores.

Em todo o país, vários estados buscaram restringir os direitos LGBTQIA+, sufocar o ensino da história negra e restringir a liberdade dos manifestantes. A Suprema Corte derrubou Roe vs. Wade, decisão que garantiu o direito ao aborto nos EUA em 1973, e desmantelou a ação afirmativa nas admissões universitárias. Além de tudo isso, há uma guerra na Faixa de Gaza —sim, apoiada pela administração Biden— que muitos jovens progressistas, em particular, veem como inadmissível.

Enquanto ainda estava na corrida de 2024, a campanha de Biden apresentou aos democratas a opção de continuar protegendo a democracia americana. Essa era uma descrição precisa dos riscos, mas também uma mensagem negativa que dependia de uma atitude defensiva e do medo.

De uma só vez, porém, quando Biden se retirou e os democratas se uniram em torno de Kamala, uma nova possibilidade nasceu. Com ela, eleitores receosos de outro mandato do ex-presidente Donald Trump puderam trocar o medo pelo otimismo. Os democratas agora tinham algo pelo que lutar tanto quanto tinham contra o que lutar.

No ano passado, quando Biden se preparava para anunciar sua candidatura à reeleição, Terrance Woodbury, sócio-fundador da consultoria HIT Strategies, cuja pesquisa inclui a sondagem do sentimento dos eleitores negros, me disse algo que ficou comigo —os eleitores negros jovens (os homens negros jovens em particular) são menos receptivos a mensagens políticas de medo e perda e mais receptivos a mensagens de ganho e empoderamento.

Eleger mais uma pessoa negra para a Presidência, que também seria, é claro, a primeira mulher e a primeira presidente asiático-americana, seria uma oportunidade para demonstrar ganho e empoderamento, não apenas para os eleitores negros, mas para toda a coalizão democrata —para todo o país. É uma chance de fortalecer uma crença progressista fundamental: que a diversidade beneficia a sociedade como um todo.

Os republicanos criticaram Kamala como uma candidata de DEI (acrônimo para diversidade, equidade e inclusão), jogando com a sigla para diversidade, equidade e inclusão, usada no meio corporativo, para insinuar que ela não conquistou sua posição.

Mas, em grande parte, os democratas estão entusiasmados com Kamala porque ela é altamente qualificada e, por acaso, também é uma mulher não branca. Eles reconhecem que ela representa tudo o que há de bom em DEI, que não se trata da concessão de privilégios, mas de seu desmantelamento.

E foram as mulheres negras que lideraram a carga inicial que gerou tanto entusiasmo por Kamala; se você conquista as mulheres negras, conquista a alma do Partido Democrata. Os políticos democratas modernos tentam aproveitar esse poder há décadas: John F. Kennedy, por exemplo, organizou o “Kennedy Tea”, festas de chá para mulheres negras, durante sua campanha de reeleição para o Senado, e, como observa o blog de sua biblioteca presidencial, ele foi reeleito em 1958 com quase 74% dos votos, com percentagens maiores em muitos distritos negros.

O entusiasmo é contagiante. Agora há entusiasmo em toda a base eleitoral democrata, e isso só é reforçado com Walz como candidato a vice-presidente do partido.

Ele é o epítome de um guerreiro feliz; ele é a figura paterna, o soldado, o treinador e o homem comum franco. Ele oferece a mesma coisa que Biden ofereceu a Barack Obama e Tim Kaine ofereceu a Hillary Clinton: ele é um homem branco tiozão, cabelos grisalhos e tudo, pronto para copilotar uma mudança de poder demográfico. De fato, mesmo na última vez, quando Biden estava no topo da chapa, escolher Kamala como a número 2 apoiava a mesma ideia.

As chapas Biden-Kamala e Kamala-Walz foram e são pontes que nos levam de bom grado e alegremente a um futuro mais inclusivo. E, por enquanto, pelo menos, a positividade incansável da campanha Harris-Walz desorientou Trump e os republicanos. Seus esforços para retratar Kamala como uma progressista “de São Francisco” perigosa e assustadora, até agora, fracassaram.

Eles construíram uma campanha baseada em concorrer contra um homem velho; agora Trump é o candidato mais velho. Eles tentaram desqualificar Kamala como uma leve piada; agora sua risada é emblemática da empolgação que ela trouxe para a campanha. Trump escolheu concorrer com JD Vance, cujas primeiras semanas na corrida foram um fracasso total; Kamala escolheu Walz, a personificação da autenticidade.

Esta eleição permanecerá uma batalha real, mas os democratas descobriram que a amargura não é necessária. A corrida foi reformulada como um concurso entre o alto astral de Kamala e a visão sombria de Trump.


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Fonte: Folha de São Paulo

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