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Escultura na Times Square gera reação racista – 23/05/2025 – Mundo

A escultura de bronze é propositalmente discreta: representa uma mulher negra anônima, vestida de forma casual, com expressão neutra e as mãos na cintura.

Mas assim que a estátua de 3,6 metros foi erguida no mês passado na Times Square, ela desencadeou um debate fervoroso —que reflete tanto uma antiga discussão sobre monumentos públicos quanto uma disputa política muito atual, em 2025, sobre diversidade e raça nos Estados Unidos.

Um colunista da Fox News questionou por que uma estátua de uma “mulher negra zangada” havia sido instalada na mesma cidade em que um polêmico monumento de Theodore Roosevelt foi removido alguns anos atrás. Um escritor do site conservador The Federalist descreveu a obra como uma “guerra cultural da esquerda”.

“É isso que eles querem que a gente aspire ser?”, perguntou o apresentador Jesse Watters, da Fox News, em seu programa. “Se você trabalhar duro, pode ser obeso e anônimo?” Ele concluiu: “É uma estátua do DEI” —sigla em inglês para diversidade, equidade e inclusão.

À medida que a discussão se intensificava, surgiram críticas de vários lados: de defensores da preservação de monumentos históricos; de pessoas que questionam se a obra recorre a imagens estereotipadas; e de críticos que a consideram mal executada e com mensagem superficial. Mas as redes sociais foram invadidas por comentários, muitas vezes anônimos, com racismo e sexismo explícitos.

Para o artista e os organizadores da exposição pública, a reação —por mais desagradável que seja— acaba justificando a existência da escultura, num momento em que o governo Trump e seus aliados têm como alvo qualquer iniciativa voltada a pessoas não brancas, rotulando tudo como DEI.

A obra, chamada Grounded in the Stars (“Com os pés no chão, entre as estrelas”), foi produzida em 2023 por Thomas J. Price, escultor britânico cujo trabalho nos últimos anos tem feito críticas diretas às tradições de monumentos públicos e retratos escultóricos.

A instalação foi feita em 29 de abril pela Times Square Alliance, organização que convida periodicamente artistas contemporâneos a expor obras na famosa praça. A peça ficará em exibição até 17 de junho.

Uma placa ao lado da escultura explica sua proposta: a obra desafia a ideia convencional de “quem deve ser imortalizado por meio de monumentos”. O texto também destaca o contraste da figura com os dois monumentos permanentes nas redondezas, “ambos brancos, ambos homens”.

“O que vimos foi um debate intenso, uma troca de ideias e um diálogo crítico bastante notável”, disse Jean Cooney, diretora do programa de artes da Times Square Alliance. “É exatamente o tipo de reação que você espera de uma obra de arte pública.”

Foi uma provocação oportuna. Embora os debates sobre monumentos estejam presentes nos EUA desde sua fundação, eles se intensificaram nos últimos anos com o fortalecimento de movimentos por justiça racial —e com as reações contrárias a esses movimentos.

Patricia Eunji Kim, historiadora da arte da Universidade de Nova York, afirmou que monumentos provocam envolvimento emocional porque levantam questões sobre o uso de recursos públicos, a configuração dos espaços coletivos e a forma como se projeta uma herança comum.

“Eu entendo por que há tanta reação negativa, pois os interesses em jogo são muito grandes”, disse Kim.

Mas os críticos de Grounded in the Stars talvez não tenham notado que a obra não é, tecnicamente, um monumento —pelo menos não no sentido tradicional.

Ela foi exibida pela primeira vez em 2023, em Los Angeles, na galeria internacional Hauser & Wirth, que atualmente abriga uma exposição com outras obras de Price em uma de suas unidades em Nova York. Segundo comunicado da galeria, as esculturas “amplificam corpos tradicionalmente marginalizados e questionam estruturas hierárquicas, convidando à reflexão sobre quem escolhemos celebrar na arte”.

Com seu bronze escuro, altura imponente e pose clássica, a escultura pode ser confundida com um monumento tradicional —mas é, na verdade, uma crítica aos próprios monumentos.

“Não existem mulheres negras notáveis que realmente existam e que valham a pena ser celebradas?”, escreveu David Marcus, colunista da Fox News. “Que tal uma Condoleezza Rice gigante, ou uma Simone Biles um pouco menor?”

Para alguns, a polêmica em torno da estátua também reflete a mudança de tom no discurso público durante o segundo mandato do presidente Donald Trump.

A sigla DEI se tornou alvo político na gestão Trump, e os esforços do governo para erradicar o conceito têm assumido formas inusitadas como a remoção temporária da biografia de Jackie Robinson do site do Departamento de Defesa.

Outros viram a onda de racismo contra a escultura como mais uma prova do clima cada vez mais hostil. No mês passado, uma mulher branca em Minnesota recebeu apoio público e quase US$ 1 milhão em doações depois de ter dirigido um insulto racial a uma criança negra num parquinho.

Na rede X (antigo Twitter), comentários sobre a obra de Price incluem caricaturas racistas geradas por IA, estereótipos ofensivos e ataques grotescos.

“Vivemos em um clima político em que o racismo explícito é desculpado abertamente, além do racismo sistêmico, e as pessoas se sentem encorajadas a dizer coisas racistas o tempo todo”, disse T. K. Smith, curador e historiador cultural de Atlanta.

A Times Square já havia sido palco de uma obra semelhante há seis anos: uma escultura monumental de Kehinde Wiley, artista famoso por retratar pessoas negras com estética aristocrática. A peça, Rumors of War (“Rumores de Guerra”), mostrava um homem negro de moletom e jeans montado heroicamente em um cavalo, no estilo de um monumento confederado.

“Não me lembro de uma única crítica negativa àquela obra”, disse Cooney, que também organizou essa exposição.

Alguns críticos da escultura são pessoas negras, que acusaram Price de reforçar estereótipos ou de apresentar uma imagem desrespeitosa das mulheres negras.

Mas Elma Blint, designer de joias do Brooklyn que visitou o local na sexta-feira, teve outra impressão. Disse que a figura parecia “todas as mulheres negras da minha família” e sugeriu que os detratores estavam incomodados com a ideia de uma mulher negra ocupando espaço.

Price, que não quis dar entrevista, comentou o debate por meio de uma tirinha publicada em sua conta no Instagram. No primeiro quadrinho, duas mulheres negras olham para a escultura.

“Adorei isso”, diz uma. “Ugh, eu odiei isso”, responde a outra.

Num ensaio de 2020 para a revista Time, Price escreveu que seu objetivo era mostrar “que, se você é uma pessoa negra retratada numa escultura, não precisa ser atleta, ou fazer pose, ou atender a uma expectativa”.

No mundo da arte, essa abordagem pode até parecer uma obviedade, e alguns avaliam que a ampla aceitação da obra ajuda a explicar seu sucesso comercial.

Mas nas ruas, como o debate revelou, a mensagem não é absorvida com tanta facilidade.

“Ele tocou num ponto sensível”, disse Smith. “Estamos lidando com feridas que ainda não cicatrizaram. E não podemos curá-las se não falarmos sobre elas.”

Fonte: Folha de São Paulo

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