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Derrota de Trump poderia estabilizar a política dos EUA – 04/09/2024 – Mundo

Existem eleições presidenciais sem importância nos EUA. Se Bill Clinton tivesse perdido para Bob Dole em 1996, ou George W. Bush para John Kerry no outro lado do milênio, não há razão para acreditar que hoje viveríamos em um mundo muito diferente. Portanto, quando eu sugerir que o dia 5 de novembro de 2024 é um momento decisivo na história, não responde com: “Os jornalistas sempre dizem isso.”

Qual é o argumento para a importância singular desta eleição? Se Donald Trump perder, há uma chance subestimada de que os Estados Unidos e sua política se estabilizem por uma geração. Estabilizar não significa tornar-se Luxemburgo. A polarização persistirá. Mas a ideia geral de que o trumpismo durará mais do que Trump —que é apenas o rosto e a voz de forças sociais mais profundas, capazes de abalar a república por décadas— está mais instável do que quatro anos atrás.

Até o momento, a lição de 2024 é que o populismo americano considerará Trump terrivelmente difícil de substituir. Em janeiro, Ron DeSantis, que combinava a essência da plataforma de Trump com a competência executiva, desistiu das primárias republicanas, pois não havia se saído bem o suficiente para sequer se cacifar para 2028.

Em julho, JD Vance conquistou o título não apenas de companheiro de chapa, mas de herdeiro do movimento Maga [Make America Great Again, torne a América grande de novo]. Desde então, nada sugere que ele esteja à altura do desafio. Vivek Ramaswamy é outro que pode se perguntar se o melhor momento de sua carreira pública já passou.

Outros que tentarão nos próximos anos (Tucker Carlson, talvez) se depararão com o mesmo problema, que é o fato de Trump ter superpoderes políticos quase exclusivos dele. Eu conto três.

O mais óbvio é a qualidade de estrela. Em qualquer país, um ou dois e, às vezes, zero políticos por geração têm essa qualidade. Forçada a se apresentar sem um líder carismático para distrair os eleitores, a agenda da extrema direita é rústica demais.

Além disso, há o que podemos chamar de custo emocional irrecuperável. Para os eleitores que se comprometeram com Trump por volta de 2016, e que pagaram um preço por isso entre amigos, parentes ou parceiros de luta nas mídias sociais, abandoná-lo é uma derrota pessoal. Um novo líder, por mais fiel que seja às suas ideias, não pode simplesmente herdar esse apoio. Daí vem essa energia de “você não é o meu papai” sempre que alguém tenta sucedê-lo.

A última e mais contraditória das vantagens de Trump é sua suposta incompetência. Alguns republicanos dizem a si mesmos que ele é muito indeciso e caótico para causar danos irreparáveis (e, até 6 de janeiro de 2021, essas pessoas até que tinham razão). Um político que combine pontos de vista trumpistas com controle operacional perderia e ganharia apoio, assustaria ao mesmo tempo que impressionaria.

Observe aonde quero chegar: a quase irrelevância das ideias. O mais chocante em relação a Trump nunca foi o fato de ele poder “atirar em alguém” na rua sem perder seus apoiadores. Muitos demagogos do passado poderiam ter afirmado o mesmo. Se Trump representa algo novo, é o fato de que ele pode adotar quase qualquer linha em quase todas as questões —a imigração pode ser a única exceção— sem perder eleitores.

Qual de seus fãs antivacina se importa com o fato de ele ter recomendado a vacina contra a Covid-19? As ditaduras da década de 1930, que são a lente errada com a qual analisar Trump, tinham causas: comunismo, nacionalismo e assim por diante. O fenômeno Trump é muito menos doutrinário e, portanto, muito menos transferível para outro líder.

Não se pode levantar a tese de uma estabilização pós-Trump, entretanto, sem que você pareça pouco intelectual. As elites ocidentais não são marxistas, se isso significar que estão ansiosas pelo fim do capitalismo, mas são marxianas, no sentido de que sua visão do que faz o mundo girar tende a não enfatizar os indivíduos. Supostamente, forças maiores estão no comando. Uma cultura na qual é normal se referir ao “lado errado da história” ou à “trajetória da história” acredita implicitamente que os eventos já foram meio roteirizados.

A ascensão de Trump ao poder foi uma façanha pessoal ou foi historicamente definida por décadas de desindustrialização, fronteiras porosas e outras provocações que exigiam uma revolta eleitoral? Ambos, sem dúvida: é preciso um indivíduo notável para se aproveitar de tendências estruturais.

O avanço do populismo em outras democracias sugere que algo profundo está acontecendo. No final, porém, especialmente em um sistema presidencialista, o indivíduo é o catalisador, e os populistas americanos não têm outro no horizonte.

Muitos conservadores que detestam Trump estão relutantes em votar em Kamala Harris. Em vez de convencê-los a votar em uma mulher que, é verdade, não passou por nenhum escrutínio público ainda, os democratas deveriam argumentar que o prêmio não é apenas quatro anos de trégua para a República, mas possivelmente muito mais. Talvez outro Trump seja inevitável. Mas os eleitores podem obrigar a história a procurar por um.

Fonte: Folha de São Paulo

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