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Congresso do Paraguai reforça machismo vigente no país – 28/06/2025 – Sylvia Colombo

O Paraguai é um dos países mais machistas da região. Sob a predominância histórica do conservador Partido Colorado, o país apresenta índices alarmantes de violência de gênero, além de números altos de mortalidade materna vinculada a abortos clandestinos e à exploração de crianças no trabalho doméstico.

Mesmo com a lei permitindo o aborto em três situações (estupro, inviabilidade fetal e risco à vida da mãe), o acesso ao recurso é dificultado, levando meninas de 10 a 14 anos a serem obrigadas a continuar gestações resultadas de estupros. A ONU já advertiu o país sobre a gravidade da situação.

Neste ano, duas votações do Congresso provocaram reação da oposição e de organizações que atuam pela defesa dos direitos das mulheres e das crianças. Uma delas foi a rejeição, em maio, do projeto de lei que criminalizaria o chamado “criadazgo”. Trata-se de uma tradição aberrante no país na qual famílias pobres do interior mandam seus filhos para serem criados como serviçais em casas de famílias endinheiradas nas cidades. Em troca, as crianças são matriculadas em escolas.

Segundo dados oficiais, atualmente existem 60 mil crianças e adolescentes em situação de “criadazgo” —grande parte deles do sexo feminino. A própria Unicef já se manifestou contra esse sistema brutal. Apesar das críticas internas e externas, a maioria dos parlamentares paraguaios não considera a prática irregular.

O senador colorado Gustavo Leite defendeu que se votasse contra a lei que eliminaria o “criadazgo” com as seguintes palavras: “Essa é uma lei antinatural e antiparaguaia. O Paraguai não pode se dobrar a interesses estrangeiros. Nós precisamos ser um pouco mais patriotas”.

A segunda votação do Congresso foi mais simbólica, mas igualmente polêmica. O Parlamento aprovou uma homenagem à figura da irlandesa Eliza Lynch (1833-1886), determinando a transferência de seus restos mortais ao Panteão Nacional dos Heróis, no qual estão depositados os de seu companheiro, Francisco Solano López (1827-1870), ex-líder paraguaio que deu início à sangrenta Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), contra Brasil, Argentina e Uruguai.

Figura que divide opiniões, Solano López conta com a aprovação de parte da sociedade, que o vê como um herói nacional por defender a soberania do país. Outros o enxergam como responsável por um conflito que dizimou grande parte da população masculina do Paraguai.

Lynch não escapa ao julgamento da sociedade. Por um lado, é considerada uma mulher transgressora, pois não se divorciou do primeiro marido antes de ir viver ao lado de López no Paraguai. Também é admirada por trazer professores europeus para enriquecer a educação local. Mas também coleciona críticas negativas. Afinal, esteve ao lado de López e o incentivou nas atrocidades então cometidas.

Ou seja, no mesmo momento em que o Congresso se nega a proteger milhares de meninas submetidas a condições de escravidão, prefere enaltecer, como símbolo da mulher paraguaia, uma figura estrangeira que foi conivente com o sangue derramado na guerra.

Enquanto Lynch vira emblema de heroísmo, o país falha em reconhecer o papel das mulheres que de fato reconstruíram o Paraguai após a guerra.

No fundo, o que está em disputa não é apenas a memória de uma personagem do século 19, mas a persistência de um modelo social em que a mulher, para ser reverenciada, deve antes ser silenciada, domesticada ou morta.


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Fonte: Folha de São Paulo

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