spot_img
HomeMundoComo Thomas Crooks foi de bom aluno a atirador de Trump -...

Como Thomas Crooks foi de bom aluno a atirador de Trump – 20/07/2024 – Mundo

Para Thomas Crooks, o lar de idosos nos subúrbios de Pittsburgh, onde ele servia refeições e lavava pratos por US$ 16 (R$ 89) por hora, era apenas mais um canto solitário de uma vida quase invisível. Ele era educado, mas distante, segundo um ex-colega, almoçava sozinho na sala de descanso e raramente falava com alguém.

Mas, na semana passada, enquanto a região oeste da Pensilvânia se preparava para o espetáculo barulhento de sediar um comício para o ex-presidente Donald Trump, Crooks se aproximou de seus chefes com um pedido, disseram autoridades policiais: ele queria folga no sábado.

Ele disse a eles que tinha algo importante para fazer.

Foi uma das poucas pistas que surgiram até agora de que o graduado em ciências da engenharia de 20 anos estava planejando se tornar um assassino político. Uma semana depois de Crooks abrir fogo no comício e ser morto pelo Serviço Secreto, sua ideologia e motivos continuam sendo uma questão intrigante para investigadores e pessoas que cruzaram seu caminho.

Em dezenas de entrevistas, ex-colegas de classe, professores e vizinhos disseram que ainda não conseguiam assimilar suas lembranças de Crooks —um adolescente desajeitado e inteligente que gostava de mexer com computadores e passava seus fins de semana jogando videogame— com a imagem do atirador de cabelos compridos no comício, armado com o rifle AR-15 de seu pai enquanto subia em um telhado e mirava no ex-presidente. Trump sofreu um ferimento na orelha, dois espectadores foram feridos e um foi morto.

“É aí que estou tendo dificuldade; eu vi fotos horríveis de um indivíduo com quem fiquei a 15 centímetros de distância, apertando sua mão, chamando-o na aula”, diz Xavier Harmon, que via Crooks quase diariamente na aula de tecnologia da computação que ele lecionava em uma escola técnica.

Muitos dos jovens que atacaram escolas, cinemas, supermercados e igrejas nos últimos anos insinuaram de forma deliberada ou não intencional sua raiva, fantasias violentas ou planos antes de seus ataques —um fenômeno que os pesquisadores chamam de “vazamento”.

Investigadores descobriram o que agora poderia ser visto como sinais preocupantes: o telefone do atirador mostrou que ele leu notícias sobre o adolescente que matou quatro estudantes na Escola Secundária de Oxford, em Michigan. Crooks recebeu vários pacotes, incluindo vários marcados como “material perigoso”, nos últimos meses. Ele pesquisou “grande transtorno depressivo” em um celular encontrado posteriormente em sua casa.

Crooks também pesquisou uma lista bipartidária de figuras políticas, incluindo Trump, o presidente Joe Biden e o procurador-geral Merrick Garland, disseram autoridades do FBI aos membros do Congresso. Ele também buscou as datas do comício de 13 de julho de Trump em Butler, Pensilvânia, bem como a Convenção Nacional Democrata em Chicago.

E, no mais recente detalhe a surgir, autoridades federais disseram na sexta-feira (19) que acreditam que Crooks voou com um pequeno drone sobre o local do comício no dia do tiroteio, em uma tentativa de vigiar a cena.

Os investigadores não encontraram, no entanto, evidências de que Crooks tivesse fortes convicções políticas ou uma motivação ideológica.

Especialistas que estudam as histórias de atiradores afirmam que a imagem emergente de Crooks se assemelha mais a um atirador de escola do século 21 do que a um John Wilkes Booth [o assassino de Abraham Lincoln].

“Quando alguém ataca um presidente, nosso instinto é dizer: ‘isso deve ter motivações políticas'”, diz James Densley, um dos fundadores do Violence Project, que compilou um banco de dados abrangente de ataques a tiro. “O que podemos estar vendo aqui é: isso foi alguém com a intenção de perpetrar violência em massa, e ele escolheu um comício político.”

O comício que ele escolheu foi anunciado no início de julho no terreno da Feira Agrícola de Butler, a apenas uma hora de carro da cidade natal de Crooks, Bethel Park, uma cidade suburbana de classe média branca, onde o atirador passou quase toda a sua vida.

Ele nasceu em 2003, cresceu em uma modesta casa de tijolos vermelhos e é filho mais novo de uma família politicamente mista. Ele frequentou escolas locais, e se formou na Escola Secundária de Bethel Park em 2022 e em um colégio comunitário local, onde obteve um diploma de associado em ciências da engenharia, em maio.

Crooks era um republicano filiado, embora os registros mostrem que ele doou US$ 15 (R$ 83,30) para uma causa progressista no dia da posse de Biden, em janeiro de 2021. Comprovantes de votação mostram que sua mãe é democrata, e seu pai e irmã mais velha são libertários.

Os pais de Crooks, Matthew e Mary, são conselheiros profissionais licenciados, e entrevistas e registros comerciais sugerem que eles trabalham em casa pelo menos desde a pandemia.

Kelly Little, 38, afirma que nunca conversou com a família, apesar de morar em frente a eles. Seu filho, Liam Campbell, 17, diz que pegava o ônibus com Crooks e notou que ele sempre foi muito reservado.

“Ele não falava com ninguém, e ninguém falava com ele”, diz. “Ele parecia ser o tipo de pessoa que não gostava de iniciar conversas com quem não conhecia. Ele parecia nervoso”. Não está claro como e quando Crooks se interessou por armas, mas seu pai possuía mais de uma dúzia de armas de fogo, incluindo o rifle semiautomático usado no ataque.

Anthony Pusateri, membro da equipe de tiro do Bethel Park High School de 2018 a 2020, lembrou que Crooks havia tentado entrar para a equipe, muito provavelmente quando era um estudante do segundo ano, mas era um atirador ruim e não foi aceito na equipe.

“Ele simplesmente não atirava bem o suficiente”, diz Pusateri.

Ele tinha pouca presença nas redes sociais, mas a camiseta que usava no dia do ataque ao comício era vendida pelo Demolition Ranch, um canal do YouTube sobre armas de fogo, popular no mundo online dos guntubers, entusiastas de armas que postam análises e explicações de armas de fogo, bem como vídeos deles mesmos atirando em melancias ou bonecos balísticos.

Ex-colegas afirmam que, no ensino médio, Crooks era distante, mantinha-se isolado e era zombado por sua higiene e odor corporal. Segundo eles, o atirador andava pelos corredores com a cabeça baixa e expunha pouco sobre si mesmo na aula ou nas redes sociais.

Mas outros insistem que Crooks não era intimidado e não era isolado, e lembram dele acompanhado de um pequeno grupo de amigos. Eles dizem que ele nunca provocou preocupações. Jim Knapp, seu antigo orientador, afirma que Crooks costumava sentar sozinho no almoço e mexer no celular, mas que estava contente em fazer isso.

Os funcionários da escola dizem que Crooks não teve problemas disciplinares no ensino médio e foi enviado para detenção uma vez, no oitavo ano, por mascar chiclete, de acordo com registros escolares divulgados na sexta-feira. Ele raramente faltava à escola, e os professores observaram que ele participava das aulas e tinha interesse em aprender.

Na maioria das tardes durante seu segundo e terceiro ano do ensino médio, Crooks pegava um ônibus para frequentar o programa de tecnologia da computação no Centro Steel para Carreira e Educação Técnica. A escola atrai centenas de estudantes do sudeste do condado de Allegheny que fazem aulas de reparo automotivo, cosmetologia e outras áreas focadas em empregos.

Se ele estava frequentemente sozinho em sua escola regular, parecia mais à vontade em suas aulas no Centro Steel. Crooks interagia com seus colegas e “queria fazer parte do grupo”, diz Harmon.

Para Harmon, Crooks “estabeleceu o padrão” para a academia. Ele raramente tirava notas baixas em testes e se saía tão bem durante jogos de perguntas rápidas que Harmon diz ter mudado as regras para permitir que outros alunos tivessem a chance de responder.

Em uma declaração autobiográfica que Crooks escreveu para sua seleção na Sociedade Técnica Nacional na primavera de 2021 como um estudante do terceiro ano do ensino médio, Crooks disse que tinha um interesse antigo em construir coisas e que ele e seu pai haviam construído um computador juntos em 2017.

Seus interesses, escreveu Crooks, “são altamente variados e incluem tecnologia da computação, engenharia, história e economia”.

Ele se formou com uma média acumulada de 4.047, de acordo com registros escolares. Sua turma de cerca de 300 alunos aplaudiu e comemorou quando seus amigos cruzaram o palco juntos, pessoalmente e sem máscaras após anos de interrupções da pandemia. Quando o nome de Crooks foi chamado para receber o diploma, ele foi aplaudido.

Ele não foi longe após a formatura. Depois da faculdade comunitária, ele planejava se matricular neste outono na Universidade Robert Morris, nos arredores de Pittsburgh.

Mas, à medida que o verão começou, seus planos mudaram.

Em 7 de julho, seis dias antes do comício político, Crooks observou o local do evento planejado. Na sexta-feira, véspera do evento, ele passou a maior parte do dia no estande de tiro, de acordo com o que os pais disseram aos investigadores. No sábado, ele foi à loja Home Depot às 9h30 para comprar uma escada, comprou 50 munições à tarde e dirigiu-se ao comício. No Hyundai Sonata que ele dirigiu para o evento, os investigadores disseram que ele deixou para trás dois dispositivos explosivos rudimentares, várias pentes de munição para o rifle que ele usou, um colete à prova de balas e o drone que pode ter sido usado mais cedo no dia.

O lar de idosos onde ele trabalhava afirmou ficar espantado ao saber da notícia. Crooks havia dito a eles que voltaria ao trabalho no domingo.


Emily Cochrane
, Steve Eder
, William K. Rashbaum
, Amy Julia Harris
, Jack Healy
e Glenn Thrush

Fonte: Folha de São Paulo

RELATED ARTICLES

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

- Advertisment -spot_img

Outras Notícias