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Como Israel enganou os EUA sobre seu programa nuclear – 25/06/2025 – Mundo

“Lembre-se: o Irã não pode ter armas nucleares. Muito simples. Não precisa aprofundar. Eles simplesmente não podem ter armas nucleares.” (Donald Trump a repórteres, em 17 de junho de 2025)

“Os líderes iranianos devem entender que eu não tenho uma política de contenção; eu tenho uma política para impedir que o Irã obtenha uma arma nuclear.” (Barack Obama ao Comitê de Assuntos Públicos EUA-Israel, em 4 de março de 2012)

“Acredito que eles queiram ter a capacidade, o conhecimento, para fabricar uma arma nuclear. E sei que é do interesse do mundo impedir que isso aconteça.” (George W. Bush a repórteres, em 17 de outubro de 2007)

Desde que o programa de enriquecimento de urânio do Irã foi revelado em 2002, presidentes americanos vêm dizendo estar determinados a impedir que o país construa uma arma nuclear. O Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) desde 1970, o que obriga os países não nucleares a não desenvolverem armas atômicas e a aceitarem inspeções internacionais regulares.

Mas o xá Mohammad Reza Pahlavi, antes de ser deposto na revolução de 1979, também se ressentia das tentativas dos EUA de conter suas ambições nucleares. Autoridades americanas suspeitavam que ele queria a bomba. Apenas cinco anos após sua queda, a república islâmica iniciou um esforço secreto para produzir material físsil tanto para usinas quanto para armas nucleares.

A exposição do programa iraniano deu início a um jogo de gato e rato de negociações e inspeções, que culminou no acordo internacional de 2015 liderado pelos EUA, no qual o Irã foi proibido permanentemente de adquirir armas nucleares e aceitou restrições e monitoramento adicionais por tempo indefinido. Como muitos acordos complexos, esse foi criticado como insuficiente (especialmente por Israel). Em 2018, Trump retirou os EUA do acordo e prometeu negociar um melhor.

Nunca o fez —e aqui estamos: no sábado (21), Trump ordenou bombardeios às instalações nucleares do Irã, juntando-se à ofensiva israelense que já durava uma semana contra cientistas e infraestrutura nuclear iranianos.

Mas esta não é uma lição de história sobre o programa do Irã —é sobre o de Israel. E sobre como Jerusalém também enganou autoridades americanas sobre suas intenções. Se o Irã seguiu um manual de dissimulação nuclear, foi Israel quem escreveu o original.

Segundo estimativas de 2021 da Federação de Cientistas Americanos, Israel possuía cerca de 90 ogivas nucleares, que poderiam ser lançadas por aviões, mísseis balísticos terrestres e possivelmente mísseis de cruzeiro lançados do mar.

As origens

David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, decidiu em meados da década de 1950 que o país precisava de uma arma nuclear como apólice de seguro contra seus vizinhos árabes. Nos anos 1950 e 1960, Israel obteve em segredo a tecnologia e os materiais necessários para desenvolver armas nucleares, enganando repetidamente os Estados Unidos (e outros países) sobre suas reais intenções.

Após a crise de Suez de 1956, provocada pelo fechamento do canal pelo Egito, autoridades francesas sentiram-se em dívida com Israel por não cumprirem suas promessas no fracassado episódio, segundo a Jewish Virtual Library. Em segredo, a França ajudou Israel a construir o reator de Dimona no deserto de Negev, com planos para uma planta subterrânea de reprocessamento químico que não foram nem sequer documentados.

Quando os franceses começaram a recuar e exigiram que Israel interrompesse a construção, os israelenses propuseram um acordo: a França ajudaria a concluir o projeto e não exigiria inspeções internacionais em troca de garantias israelenses de que não haveria fabricação de armas nucleares.

Ao mesmo tempo, a Noruega forneceu água pesada —usada para moderar reações nucleares— após receber garantias de que os objetivos de Israel eram pacíficos.

O encobrimento

Quando a inteligência americana descobriu, no fim dos anos 1950, a instalação secreta no deserto, autoridades israelenses mentiram à embaixada dos EUA, dizendo que se tratava de uma fábrica têxtil. Quando essa explicação se revelou falsa, ofereceram outra: um centro de pesquisa metalúrgica que não teria capacidade de reprocessamento químico.

Em dezembro de 1960, Ben-Gurion revelou a existência do complexo em um discurso no Knesset (o Parlamento de Israel), dizendo que o reator de 24 megawatts levaria quatro anos para ficar pronto e que era “destinado exclusivamente a fins pacíficos”.

O recém-eleito presidente americano John F. Kennedy, alarmado com a proliferação nuclear, pressionou Israel por inspeções regulares em Dimona. Em 1961, uma equipe americana concluiu que o local não tinha os equipamentos necessários —como uma instalação de reprocessamento de plutônio— para fabricar armas. Ainda assim, os EUA exigiram inspeções periódicas para tranquilizar países árabes, como o Egito.

Registros diplomáticos obtidos pelo National Security Archive da Universidade George Washington mostram que Israel protelou ou adiou as inspeções até que Kennedy enviou, em julho de 1963, uma mensagem dura ao novo premiê Levi Eshkol (a carta fora originalmente escrita para Ben-Gurion, que renunciou antes de recebê-la).

O apoio dos EUA a Israel, escreveu Kennedy, “poderia ser seriamente comprometido se parecesse que não era possível obter informações confiáveis sobre um assunto tão vital para a paz quanto o esforço nuclear de Israel”. Ele exigia que cientistas americanos tivessem acesso irrestrito a todas as áreas do complexo de Dimona.

Um mês depois, Eshkol respondeu reiterando o uso pacífico da planta. Em 1964, uma nova equipe americana afirmou não haver capacidade bélica no local. Mas os inspetores estavam enganados: presumiam que não havia planta de reprocessamento, quando na verdade ela existia, construída sob o reator. Israel criou paredes falsas em torno dos elevadores que levavam à instalação subterrânea.

O livro The Samson Option, de Seymour Hersh (1991), detalha o esquema: “Uma sala de controle falsa foi construída em Dimona, com painéis e instrumentos programados por computador simulando a operação de um reator de 24 megawatts (como Israel afirmava ter). Técnicos israelenses ensaiaram extensivamente para não cometer deslizes diante dos americanos. O objetivo era convencê-los de que não existia nem era possível haver reprocessamento químico ali.”

O pacto Nixon-Meir

Em 1968, a CIA concluiu que Israel já tinha armas nucleares —bem quando era finalizado o Tratado de Não Proliferação. Autoridades americanas consideraram que já era tarde demais para forçar Israel a recuar.

Em uma reunião privada em 26 de setembro de 1969, o presidente Richard Nixon e a primeira-ministra israelense Golda Meir selaram um acordo secreto: Israel não testaria nem reconheceria oficialmente seu arsenal nuclear, e os EUA deixariam de exigir visitas a Dimona e de pressionar Israel a assinar o TNP. Um memorando do então conselheiro de segurança nacional Henry Kissinger indica que Nixon pediu a Meir que Israel não introduzisse armas nucleares de forma visível na região.

Em 1979, um satélite americano (Vela 6911), projetado para monitorar o cumprimento do Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares, detectou um possível teste nuclear perto da costa da África do Sul. O presidente Jimmy Carter e outras autoridades suspeitaram que se tratava de um teste israelense, o que violaria o pacto Nixon-Meir.

Leonard Weiss, então assessor do Congresso, escreveu em 2011 que os governos Carter e Reagan ignoraram ou minimizaram informações de inteligência que apontavam para Israel. “O peso das evidências de que o evento do Vela foi um teste nuclear israelense, com ajuda da África do Sul, parece esmagador”, afirmou Weiss, citando diários de Carter e análises de especialistas. Mas Israel nunca reconheceu o teste oficialmente, e alguns especialistas continuam céticos quanto à conclusão e à possibilidade de um encobrimento.

Em resumo

Israel enganou até mesmo seu maior aliado, os Estados Unidos, sobre suas ambições nucleares, acreditando que uma bomba atômica seria sua apólice de seguro contra inimigos vizinhos.

As ações de Israel não justificam as do Irã —mas a incapacidade dos EUA de conter o projeto israelense mostra como é difícil conter a proliferação nuclear. E a aceitação final do arsenal israelense alimenta há mais de meio século acusações de duplo padrão no Oriente Médio.

Enquanto isso, o Irã está em uma vizinhança perigosa, cercado por países (Rússia, Índia, Paquistão e Israel) que possuem armas nucleares. Assim como o xá, os aiatolás que o depuseram parecem ter buscado sua própria garantia. E se um dia houver mudança de regime no Irã, não há garantias de que novos líderes não buscarão armas nucleares —mesmo que todas as instalações atuais sejam destruídas.

Fonte: Folha de São Paulo

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