O governador da Califórnia, o democrata Gavin Newsom, intensificou a iniciativa para erradicar acampamentos de pessoas em situação de rua, ao convocar centenas de cidades e condados a proibirem efetivamente acampamentos de barracas em calçadas, ciclovias, parques e outros locais públicos.
A gestão de Newsom arrecadou e gastou dezenas de bilhões de dólares em programas para abrigar pessoas em situação de rua em moradias e promover tratamentos. A nova medida marca uma abordagem mais dura para um dos aspectos mais visíveis da crise de pessoas sem-teto. O governador criou um modelo de decreto que as cidades do estado podem adotar para proibir novos acampamentos e remover os existentes.
A Califórnia abriga cerca de metade da população de pessoas sem-teto e que não estão em abrigos nos Estados Unidos, um resultado do clima mais ameno e da brutal crise habitacional do estado. No ano passado, um recorde de 187 mil pessoas estavam em situação de rua, segundo o Instituto de Políticas Públicas da Califórnia. Dois terços viviam em barracas, carros ou ao ar livre.
Newsom não pode forçar as cidades a aprovarem seu modelo de proibição, mas sua emissão coincide com a liberação de mais de US$ 3 bilhões (cerca de R$ 16,9 bilhões) em fundos habitacionais controlados pelo estado que as autoridades municipais podem usar para implementar seu modelo.
Embora não seja uma obrigação, o apelo para proibir acampamentos em todo o estado por um dos democratas mais conhecidos do país sugere uma mudança na abordagem do partido em relação à situação de rua.
Outrora um defensor combativo de políticas liberais e um crítico do governo de Donald Trump, Newsom tem testado as posições de seu partido, a ponto de destacar ideias de apoiadores de Trump em seu podcast. Por tradição, a abordagem democrata para acampamentos enfatizou moradia e tratamento financiados pelo governo e desaprovou o que alguns chamam de criminalização da situação de rua.
O modelo de decreto que Newsom quer que as cidades adotem não especifica penalidades criminais, mas proibir acampamentos de pessoas sem-teto em propriedade pública tornaria um criminoso aquele que realizar a prática.
O formato é baseado no protocolo do estado para impedir acampamentos de pessoas sem-teto em terras e rodovias estaduais. Tornaria explicitamente ilegal “construir, colocar ou manter em propriedade pública qualquer estrutura semipermanente”.
Também proibiria acampar em propriedade pública por mais de três dias ou noites consecutivos em um raio de cerca de 60 metros de um único local. Também tornaria ilegal “sentar, dormir, deitar ou acampar em qualquer rua pública, estrada ou ciclovia, ou em qualquer calçada de maneira que impeça a passagem”.
A norma exige que as cidades “façam todos os esforços razoáveis” para oferecer abrigo ou moradia e dar às pessoas em situação de rua pelo menos 48 horas de aviso antes de remover um acampamento e armazenar adequadamente quaisquer pertences que sejam movidos.
As cidades decidiriam por conta própria quão severas devem ser as penas, incluindo prisões ou multas para aqueles que as violarem. A orientação emitida pelo estado diz que ninguém “deve enfrentar punição criminal por dormir ao ar livre quando não tem outro lugar para ir”.
A frustração com a persistência da situação de rua tem aumentado, tanto dentro do governo quanto entre muitos californianos.
Embora o contingente sem-teto da Califórnia —assim como sua população geral— continue sendo o maior do país, dados federais divulgados em janeiro mostraram um aumento de 3% desse grupo no estado em 2024, um ritmo menor que os mais de 18% da média dos EUA. O número de veteranos de guerra sem ter onde morar diminuiu.
Mas os acampamentos, que proliferaram durante a pandemia de Covid-19 à medida que o distanciamento social esvaziou espaços públicos, continuam sendo um problema generalizado no sul da Califórnia, na área da baía de São Francisco e na região de Sacramento. E uma aparente desconexão surgiu entre muitos dos políticos eleitos e os moradores irritados com o poder público.
Quase 40% do eleitorado do estado, há décadas sob controle do Partido Democrata, disseram estar tão cansados de assentamentos miseráveis tomando parques e bloqueando calçadas que apoiavam a prisão de pessoas acampadas em situação de rua se elas recusassem abrigo, de acordo com uma pesquisa de abril realizada pela Politico e pelo Centro Jack Citrin de Pesquisa de Opinião Pública da Universidade da Califórnia, Berkeley. Ao mesmo tempo, uma sondagem complementar no estado mostrou que quase metade dos líderes políticos e funcionários eleitos da Califórnia se opunham a abordar acampamentos com aplicação da lei.
Anteriormente, tribunais federais haviam decidido que punir pessoas por dormir em propriedade pública era “cruel e incomum” e, portanto, inconstitucional. Esse cenário jurídico mudou no ano passado após uma decisão da Suprema Corte que autorizou governos a punir pessoas por dormir em parques, calçadas e outras áreas públicas.
A gestão Newsom aproveitou rapidamente a decisão da Suprema Corte, ordenando que agências estaduais começassem a remover de forma digna acampamentos de parques estaduais e viadutos de rodovias, e instando as cidades a fazerem o mesmo em jurisdições locais.
Algumas o fizeram, abordando acampamentos com diferentes graus de compaixão e agressividade.
O financiamento estadual que o governador liberou junto com sua iniciativa totaliza US$ 3,3 bilhões (cerca de R$ 18,6 bilhões) em dinheiro controlado pelo estado para expandir moradia local e tratamento para pessoas sem-teto com problemas graves de saúde mental e comportamental.
“Não há mais desculpas”, disse Newsom em um comunicado que acompanha o decreto. “Líderes locais pediram recursos, entregamos o maior investimento estadual da história. Eles pediram clareza legal, os tribunais entregaram. Agora, estamos dando a eles um modelo que podem colocar em prática imediatamente, com urgência e humanidade, para resolver acampamentos e conectar pessoas a abrigos, moradia e cuidados.”
Defensores de pessoas em situação de rua criticaram a iniciativa. “Infelizmente, Newsom e Trump estão usando o mesmo manual fracassado”, disse Jesse Rabinowitz, porta-voz do Centro Nacional de Direito para Pessoas em Situação de Rua. “Não seremos enganados por essa abordagem retrógrada, e continuaremos a pressionar por soluções reais para a situação de rua, como moradia e serviços.”
Autoridades locais mostraram-se céticas, acusando Newsom de exagerar o financiamento estadual de programas para lidar com a situação de rua.
“Mais da metade foi para habitação, não para pessoas em situação de rua”, disse Jeff Griffiths, um funcionário do Condado de Inyo que é presidente da Associação de Condados do Estado da Califórnia, sobre os estimados US$ 27 bilhões (cerca de R$ 152,5 bilhões) que a administração Newsom disse ter gastado na questão da situação de rua. “Quanto dessa habitação foi realmente construída?”, diz Griffiths.