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Até que ponto a crise da China é assustadora? – 22/08/2023 – Paul Krugman

As dificuldades econômicas dos anos posteriores à pandemia levaram a intensos debates intelectuais e políticos. Uma coisa sobre a qual quase todo mundo concorda, porém, é que a crise pós-Covid tem muito pouca semelhança com a crise financeira mundial de 2008.

No entanto, a China —a maior ou segunda maior economia do planeta, a depender do critério de avaliação que você adote— certamente parece estar oscilando à beira de uma crise que se parece muito com o que o resto do mundo enfrentou em 2008.

Não tenho confiança suficiente em minha compreensão da China para julgar se ela conseguirá conter seu momento Minsky, o ponto em que todos subitamente percebem que uma dívida insustentável é, de fato, insustentável. Na verdade, não estou certo de que qualquer pessoa —incluindo as autoridades chinesas— saiba a resposta a essa pergunta.

Mas acho que é possível responder a uma pergunta mais condicional: Se a China tiver uma crise ao estilo de 2008, esta vazará de forma significativa para o resto do mundo, especialmente os Estados Unidos? E quanto a isso a resposta é claramente não. Por maior que seja a economia chinesa, os Estados Unidos têm pouquíssima exposição financeira ou comercial aos problemas da China.

Antes que eu trate desse assunto, vamos falar sobre os motivos para que a China em 2023 se assemelha às economias do Atlântico Norte, tanto os Estados Unidos quanto a Europa, em 2008.

A crise de 2008 foi provocada pelo estouro de uma enorme bolha imobiliária transatlântica. Os efeitos do estouro da bolha foram ampliados pelo desordenamento financeiro, especialmente pelo colapso dos “bancos paralelos” —instituições que agiam como bancos, criavam o risco do equivalente a uma corrida aos bancos, mas em geral não eram regulamentadas e não contavam com a rede de segurança oferecida aos bancos convencionais.

Agora é a vez da China, cujo setor imobiliário parece ainda mais inchado do que o das nações ocidentais no período que antecedeu 2008. A China também tem um setor bancário paralelo grande e altamente problemático. Além disso, tem alguns problemas específicos, principalmente as enormes dívidas dos governos locais.

A boa notícia é que a China não é como a Argentina ou a Grécia, nações que devem grandes somas a credores estrangeiros. A dívida em questão aqui é, em essência, dinheiro que a China deve a si mesma. E, em princípio, deveria ser possível para o governo nacional resolver a crise por meio de alguma combinação de resgate de devedores e redução no saldo a receber pelos credores.

Mas será que o governo da China é competente o suficiente para gerenciar o tipo de reestruturação financeira de que a economia do país precisa? Será que as autoridades têm determinação ou clareza intelectual suficientes para fazer o que precisa ser feito?

Preocupo-me especialmente com esse último ponto. A China precisa substituir o investimento imobiliário insustentável por uma maior demanda de consumo. Mas algumas reportagens sugerem que as principais autoridades continuam a desconfiar dos gastos “supérfluos” dos consumidores e tampouco aceitam a ideia de “capacitar as pessoas a tomar mais decisões sobre como gastam seu dinheiro”. E o fato de que as autoridades chinesas estejam respondendo à possível crise pressionando os bancos a emprestar mais não é tranquilizador, já que isso significa basicamente seguir o mesmo caminho que levou a China à situação atual.

Portanto, é possível que a China tenha uma crise. Se isso acontecer, como nos afetará?

A resposta, até onde posso dizer, é que a exposição dos EUA a uma possível crise na China é surpreendentemente baixa.

Quanto os Estados Unidos têm investido na China? O investimento direto —que envolve controle— na China e em Hong Kong é de cerca de US$ 215 bilhões. O investimento em portfólio —basicamente ações e títulos— é de um pouco mais de US$ 300 bilhões. Portanto, estamos falando de cerca de US$ 515 bilhões no total.

O número pode não parecer pequeno, mas, para uma economia tão grande como a nossa, na verdade é. Basta um dado para comparação. No momento, há muitas preocupações sobre os imóveis comerciais nos Estados Unidos, especialmente os edifícios de escritórios, que provavelmente enfrentarão uma redução permanente na demanda devido ao crescimento do trabalho remoto. Bem, os edifícios de escritórios dos Estados Unidos valem atualmente cerca de US$ 2,6 trilhões, ou cerca de cinco vezes o nosso investimento total na China.

Por que uma economia enorme atraiu tão pouco investimento americano? Basicamente, eu diria que é porque, dada a arbitrariedade da política chinesa, muitos investidores em potencial temem que o país seja uma espécie de armadilha para insetos: Você pode entrar, mas talvez não seja capaz de sair.

E quanto à China como mercado? A China é um grande protagonista do comércio mundial, mas não compra muito dos Estados Unidos —apenas cerca de US$ 150 bilhões em 2022, menos de 1% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). O efeito seria maior para países que vendem mais para a China, como Alemanha e Japão, e haveria algum efeito de ricochete nos Estados Unidos em termos de nossas vendas para esses países. Mas o efeito geral ainda assim seria pequeno.

Uma crise econômica na China pode até ter um pequeno efeito positivo sobre os Estados Unidos, pois reduziria a demanda por matérias-primas, especialmente petróleo, e, como resultado, possivelmente reduziria a inflação.

Nada disso significa que devamos acolher a possibilidade de uma desaceleração na economia chinesa ou nos vangloriarmos dos problemas de outra nação. Mesmo que por motivos puramente egoístas, devemos nos preocupar com o que o regime chinês pode fazer para distrair seus cidadãos dos problemas internos que enfrenta.

Porém, em termos econômicos, parece que estamos diante de uma possível crise interna da China, e não de um evento mundial ao estilo de 2008.

Tradução de Paulo Migliacci


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Fonte: Folha de São Paulo

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