O desmonte das universidades americanas promovido por Trump está redesenhando a geopolítica acadêmica. A crise nos EUA abre uma janela rara: o Brasil poderia se tornar um polo de atração para cientistas e dar um salto na internacionalização da pesquisa. Mas o que temos feito diante dessa oportunidade?
Nas primeiras décadas do século 20, entre a ascensão dos regimes totalitários e o fim da Segunda Guerra, milhares de acadêmicos perseguidos deixaram a Europa. O principal destino foi os Estados Unidos, que, em pouco tempo, criou políticas públicas para acolher e dar condições de trabalho a esses exilados. Foi assim que nomes como Albert Einstein, Hannah Arendt e Claude Lévi-Strauss encontraram refúgio e ajudaram a consolidar a ciência norte-americana como potência global.
Pouco mais de 80 anos depois, Trump avança a passos largos para desmontar esse legado. Em apenas quatro meses de governo, Trump já congelou mais de US$ 6 bilhões em verbas federais para universidades como Harvard, Cornell, Columbia e Princeton. O propósito justo de combater o antissemitismo se tornou uma maneira para atacar a liberdade acadêmica.
Além disso, propôs cortes drásticos de até 40% no orçamento de agências como os Institutos Nacionais de Saúde, paralisando pesquisas em áreas cruciais como câncer, HIV e saúde mental. Essas medidas resultaram em demissões em massa, suspensão de bolsas e fechamento de laboratórios.
Conversei com mais de uma dezena de pesquisadores que atuam nos Estados Unidos. Todos eles pediram anonimato com receio de represálias diretas. O clima de perseguição contra pesquisadores estrangeiros tem feito com que estudantes de pós-graduação e professores repensem seus planos e já comecem a buscar alternativas de trabalho longe daquele país.
O efeito Trump sobre a academia americana é um terremoto de três ondas.
A primeira atinge os pesquisadores estrangeiros, sufocados por políticas migratórias hostis e ameaças de deportação. A segunda abala os próprios cientistas americanos, que, diante do desmonte do financiamento e da censura ideológica, começam a buscar refúgio em outros países. A terceira muda o centro de gravidade da ciência global: os EUA, antes destino por excelência, tornam-se um lugar menos seguro, menos livre e, sobretudo, menos desejado.
Os efeitos já estão sendo sentidos.
Segundo The Economist, 18% dos graduados que vivem nos EUA desejam emigrar, um índice superior ao de qualquer outro país do top 5 da ciência global. A revista Fortune mostrou que, no primeiro trimestre de 2025, os americanos representaram 8,5% dos candidatos estrangeiros a empregos no Reino Unido, um aumento de 2,4 pontos percentuais em relação ao mesmo período do ano anterior.
De olho nesse movimento, a França acaba de lançar o programa “Safe Place for Science” (Lugar Seguro para a Ciência), que visa a acolher cientistas baseados nos EUA que se sintam ameaçados pelas novas políticas de governo. Com orçamento de 15 milhões de euros, oferece contratos de até três anos, até 600 mil euros em financiamento por projeto, assistência à relocação e pleno suporte institucional, garantindo liberdade acadêmica, continuidade das pesquisas e integração a redes científicas na França.
Caso o Brasil queira se posicionar como protagonista na ciência global, é hora de agir. Temos universidades de excelência, centros de pesquisa vibrantes e cientistas de altíssimo nível. O CNPq até lançou iniciativas como o programa “Conhecimento Brasil”, que busca repatriar talentos, oferecendo bolsas e recursos para pesquisa. Mas é pouco.
Enquanto a França investe milhões com metas claras de acolhimento e continuidade, o Brasil aposta em iniciativas fragmentadas e subfinanciadas, sem articulação estratégica. Para transformar essa crise internacional em chance concreta, é essencial investir de forma robusta em ciência.
Objetivamente, em pouco mais de uma década, o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação despencou mais de 60%. Se nem Trump ousou tanto em seus cortes, imaginar que o Brasil possa se tornar um polo de atração científica nesse cenário é, hoje, uma contradição. Mas ainda há tempo.
Se o governo Lula quiser projetar o Brasil no mapa da ciência global, o momento é agora. Não é preciso competir com potências como a França, mas escolher áreas estratégicas, apostar em redes internacionais, proteger nossas instituições e mostrar ao mundo que aqui há espaço para a liberdade de pesquisa.