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“As três ondas do Ministro Barroso”

Jornalista Rodolfo Borges:

“Luís Roberto Barroso introduziu sua defesa da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impôs às plataformas de rede social mais responsabilidade sobre os conteúdos publicados por seus usuários, feita no Gilmarpalooza, com uma teoria sobre ‘três ondas que não são muito boas, nem para o espírito, nem para a causa da humanidade’.

O presidente do STF ignorou que três de seus colegas votaram contra a decisão de derrubar parcialmente o artigo 19 do Marco Civil da Internet ao dizer que ‘é impossível alguém discordar desses consensos a que nós chegamos’, mas é a teoria das três ondas que deixa mais claro o que levou o Supremo a ampliar o controle sobre as redes sociais.

As três ondas mencionadas por Barroso são ‘de negatividade’, de ‘polarização radical’ e de ‘perda da civilidade’. O ministro usou a crise fiscal do governo Lula para explicar a primeira onda:

‘Ninguém enxerga nada de bom em coisa nenhuma. Aumentou o PIB? Temos uma crise fiscal. Subimos cinco casas no IDH? Temos uma crise fiscal. Estamos na menor taxa de desemprego da história? Temos uma crise fiscal. Temos a população, hoje, mais da metade em classe média? Temos uma crise fiscal. Temos uma crise fiscal, precisamos cuidar dela, mas é preciso não fechar os olhos para as coisas boas que acontecem.’

A segunda onda, da ‘polarização radical’, foi explicada assim:

‘Ideias divergentes sempre existiram, e sempre existirão, e é bom que seja assim. Bastar a si mesmo é a melhor solidão, escreveu Vinícius de Moraes. Porém, o que existe de grave é a perda do senso comum. A radicalização impede que as pessoas concordem até naquilo que é natural e óbvio.’

Sobre a terceira e última onda, da ‘perda da civilidade’, Barroso disse o seguinte:

‘A terceira onda negativa que existe no mundo é a da perda da civilidade, essa ideia de que quem pensa diferente de mim só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa obscura. A vida não é assim.’

Há, nas palavras de Barroso, uma certa idealização de como o mundo já foi. A ‘negatividade’ apontada pelo presidente do STF faz parte do dever cívico de prestar atenção e fiscalizar o poder.

A crise fiscal mencionada pelo ministro não é nada trivial, porque boa parte das ‘coisas boas’ que Barroso mencionou para provar seu ponto, como o aumento do PIB, ocorrem exatamente às custas da saúde fiscal –  e, consequentemente, do futuro –  do país.

O governo gasta mais do que devia, empurra o crescimento econômico artificialmente, o que faz a inflação subir e demanda do Banco Central a elevação da taxa básica de juros, que faz disparar o endividamento do governo.

As críticas do presidente do STF à ‘polarização radical’ e à ‘perda da civilidade’ são válidas, porque as redes sociais de fato proporcionam ambiente para isso, ao envolver praticamente todo mundo no debate, mas revelam certa candidez de Barroso.

Esse é, de certa forma, o mundo real, com o qual autoridades como os ministros do STF, acostumadas à civilidade dos palácios, tomaram contato graças às redes sociais.

Obviamente que o debate público demanda um mínimo de civilidade, e, por isso, talvez os juízes da Suprema Corte não devessem gastar tanto tempo lendo as caixas de comentários por aí, porque elas não merecem tanta atenção e porque sua influência não é tão grande quanto eles imaginam.

Os ministros do STF puseram nas redes sociais a culpa pela tentativa de golpe de Estado no país, e, portanto, como destacou Barroso no evento promovido por Gilmar Mendes em Lisboa, decidiram responsabilizar as plataformas por conteúdos interpretados como crimes de ‘condutas e atos antidemocráticos’.

O presidente do STF defendeu a decisão dizendo que o critério para julgar esse tipo de conteúdo não é ‘aberto e subjetivo’, porque ‘a legislação aprovada, aliás, no governo passado, define o que é crime contra o Estado democrático de direito, que é golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito, tipos penais definidos na legislação’.

O STF condenou nas últimas semanas, pelos crimes mencionados por Barroso, uma cabeleireira que pichou a estátua da Justiça com batom e um homem que furtou uma bola, porque esses dois atos ocorreram em 8 de janeiro de 2023, quando uma turba vandalizou a Esplanada dos Ministérios, o que foi interpretado pela maioria dos ministros do STF como parte de uma tentativa de golpe de Estado.

Quem define, no fim das contas, portanto, são os ministros do STF, e é por isso que eles deveriam se preocupar em não complicar as coisas ainda mais, ao tratar de um assunto tão delicado sem a expertise necessária.

É inegável que as redes sociais têm impactos palpáveis no mundo real e que colaboraram para o acirramento da disputa política em todo o planeta, mas também não se pode negar que é bem melhor ouvir todo mundo do que calar alguns grupos específicos sob a ingênua expectativa de que eles sumirão.

Mesmo com as melhores das intenções, regular as redes sociais sem ter competência para tanto é se arriscar a limitar a possibilidade do debate público.

E essa também não é uma onda muito boa, nem para o espírito, nem para a causa da humanidade.”

Fonte: TNH1

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